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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Encontro na Normandia Alberto Landi

                                                                

                                     


                                 Encontro na Normandia

Alberto Landi

 

A tarde caía suavemente sobre a Normandia, quando Joaquim Nabuco subiu a pequena ladeira que levava ao castelo modesto onde vivia a Princesa Isabel. Vinha não como diplomata, nem como homem público, mas como alguém que carregava nas mãos a memória viva de um país que ainda tentava compreender o próprio destino.

Isabel o recebeu à porta, com aquele olhar sereno que Nabuco descrevera tantas vezes em cartas e discursos.

— Princesa. Disse ele, inclinando-se com respeito sincero.

— Doutor Nabuco, o senhor sempre traz o Brasil consigo, respondeu ela, abrindo um sorriso leve.

Sentaram-se na sala iluminada por uma única janela. Um retrato de D. Pedro II repousava sobre a mesa, não como autoridade perdida, mas como lembrança de um tempo que ambos haviam atravessado.

— Minha senhora, começou Nabuco, com a voz baixa, venho dizer o que talvez o Brasil ainda não soube expressar. A vossa assinatura, aquela lei… Não foi somente um ato político, foi a mais alta elevação moral que meu país já alcançou.

Isabel baixou os olhos.

— E mesmo assim, doutor Nabuco, fomos todos lançados ao exílio. Às vezes penso que a história nos agradece e nos pune ao mesmo tempo.

Ele sorriu, com aquela elegância triste que lhe era peculiar.

— A história pune primeiro, princesa, depois, com o tempo, ela se ajoelha.

Um silêncio carregado de sentido atravessou o cômodo. Lá fora, a França segue indiferente, mas eles pareciam suspensos entre dois mundos. O Brasil que se apressou rumo à República e o Brasil que, sem perceber, ainda carregava a marca luminosa da abolição.

Antes de partir, Nabuco segurou delicadamente a mão da princesa.

 

— Se um dia o Brasil esquecer seu nome, princesa, que ao menos lembre o gesto. O gesto basta para salvar uma nação inteira de sua própria sombra. Isabel, emocionada, respondeu:

— E que ele lembre também daqueles que lutaram antes, durante e depois, como o senhor, Joaquim. A história não morre, somente muda de endereço.

Ele se despediu com uma reverencia

O fim da tarde já se tornava azul quando o Conde d'Eu chamou  Nabuco no  corredor estreito do castelo.

O diplomata observa silenciosamente uma pequena galeria de retratos pendurada na parede, imagens desbotadas do império, soldados voluntários da Guerra do Paraguai e um grande quadro oval da princesa ainda jovem, com o olhar firme do ano de 1888.

— Vejo que encontrou nossas memórias, disse o conde, aproximando-se.

Nabuco virou-se devagar, como quem retorna de uma viagem interior.

— Mais que memórias, conde. Aqui estão capítulos que o Brasil ainda lê pela metade.

O conde sorriu com certa melancolia.

— E talvez continue tendo assim por muito tempo. A República teve pressa em apagar nossas pegadas.

— As pegadas, talvez, respondeu Nabuco, mas não a trilha. A abolição é uma sombra luminosa. Nenhum governo conseguirá desfazê-la.

O conde o convidou a caminhar até a janela. Dali se via o campo silencioso, a relva úmida, e ao longe uma árvore antiga dobrada pelo vento, como se também ela carregasse um exílio próprio.

— Sabe, doutor Nabuco, disse o conde, apoiando-se na madeira da janela. Quando deixamos o Brasil, eu pensei que tudo havia terminado, que seríamos somente notas de rodapé, mas a princesa sempre acreditou que o tempo um dia nos faria justiça.

Nabuco assentiu, com a serenidade de quem compreende dois países ao mesmo tempo: o real e o possível.

— O tempo, conde, às vezes caminha devagar, mas nunca caminha para trás.

Ele olhou novamente o retrato de Isabel jovem, quase sorrindo.

— Eu a vi hoje com a luz que o exílio não conseguiu apagar, a história ainda não terminou de escrever o nome dela.

O conde respirou fundo, embargando uma emoção antiga.

— A senhora sempre diz que o senhor foi um dos poucos que compreendeu a alma do Brasil e a dela.

Nabuco sorriu humildemente.

-Compreendo apenas que existem gestos que salvam povos e pessoas que carregam isso até o fim da vida.

Os dois permaneceram em silêncio, contemplando o campo francês adormecido.

Depois, caminhando lado a lado pelo corredor estreito, pareciam dois viajantes que, mesmo vindos de mundos diferentes, partilhavam o mesmo destino: guardar a memória do que o Brasil poderia ter sido.

Isabel ficou à porta, observando ambos se afastarem.

No brilho discreto de seus olhos havia uma saudade imensa, não do passado, mas do futuro que o Brasil jamais chegara a viver.

Por um instante, o corredor silencioso pareceu respirar com ela, guardando aquele sonho delicado que o tempo, teimoso, ainda não conseguira apagar por completo!

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