Encontro na Normandia
Alberto Landi
A tarde caía suavemente sobre a Normandia, quando Joaquim Nabuco subiu a pequena ladeira que levava ao castelo modesto onde vivia a Princesa Isabel. Vinha não como diplomata, nem como homem público, mas como alguém que carregava nas mãos a memória viva de um país que ainda tentava compreender o próprio destino.
Isabel o recebeu à porta, com aquele olhar sereno que Nabuco descrevera tantas vezes em cartas e discursos.
— Princesa. Disse ele, inclinando-se com respeito sincero.
— Doutor Nabuco, o senhor sempre traz o Brasil consigo, respondeu ela, abrindo um sorriso leve.
Sentaram-se na sala iluminada por uma única janela. Um retrato de D. Pedro II repousava sobre a mesa, não como autoridade perdida, mas como lembrança de um tempo que ambos haviam atravessado.
— Minha senhora, começou Nabuco, com a voz baixa, venho dizer o que talvez o Brasil ainda não soube expressar. A vossa assinatura, aquela lei… Não foi somente um ato político, foi a mais alta elevação moral que meu país já alcançou.
Isabel baixou os olhos.
— E mesmo assim, doutor Nabuco, fomos todos lançados ao exílio. Às vezes penso que a história nos agradece e nos pune ao mesmo tempo.
Ele sorriu, com aquela elegância triste que lhe era peculiar.
— A história pune primeiro, princesa, depois, com o tempo, ela se ajoelha.
Um silêncio carregado de sentido atravessou o cômodo. Lá fora, a França segue indiferente, mas eles pareciam suspensos entre dois mundos. O Brasil que se apressou rumo à República e o Brasil que, sem perceber, ainda carregava a marca luminosa da abolição.
Antes de partir, Nabuco segurou delicadamente a mão da princesa.
— Se um dia o Brasil esquecer seu nome, princesa, que ao menos lembre o gesto. O gesto basta para salvar uma nação inteira de sua própria sombra. Isabel, emocionada, respondeu:
— E que ele lembre também daqueles que lutaram antes, durante e depois, como o senhor, Joaquim. A história não morre, somente muda de endereço.
Ele se despediu com uma reverencia
O fim da tarde já se tornava azul quando o Conde d'Eu chamou Nabuco no corredor estreito do castelo.
O diplomata observa silenciosamente uma pequena galeria de retratos pendurada na parede, imagens desbotadas do império, soldados voluntários da Guerra do Paraguai e um grande quadro oval da princesa ainda jovem, com o olhar firme do ano de 1888.
— Vejo que encontrou nossas memórias, disse o conde, aproximando-se.
Nabuco virou-se devagar, como quem retorna de uma viagem interior.
— Mais que memórias, conde. Aqui estão capítulos que o Brasil ainda lê pela metade.
O conde sorriu com certa melancolia.
— E talvez continue tendo assim por muito tempo. A República teve pressa em apagar nossas pegadas.
— As pegadas, talvez, respondeu Nabuco, mas não a trilha. A abolição é uma sombra luminosa. Nenhum governo conseguirá desfazê-la.
O conde o convidou a caminhar até a janela. Dali se via o campo silencioso, a relva úmida, e ao longe uma árvore antiga dobrada pelo vento, como se também ela carregasse um exílio próprio.
— Sabe, doutor Nabuco, disse o conde, apoiando-se na madeira da janela. Quando deixamos o Brasil, eu pensei que tudo havia terminado, que seríamos somente notas de rodapé, mas a princesa sempre acreditou que o tempo um dia nos faria justiça.
Nabuco assentiu, com a serenidade de quem compreende dois países ao mesmo tempo: o real e o possível.
— O tempo, conde, às vezes caminha devagar, mas nunca caminha para trás.
Ele olhou novamente o retrato de Isabel jovem, quase sorrindo.
— Eu a vi hoje com a luz que o exílio não conseguiu apagar, a história ainda não terminou de escrever o nome dela.
O conde respirou fundo, embargando uma emoção antiga.
— A senhora sempre diz que o senhor foi um dos poucos que compreendeu a alma do Brasil e a dela.
Nabuco sorriu humildemente.
-Compreendo apenas que existem gestos que salvam povos e pessoas que carregam isso até o fim da vida.
Os dois permaneceram em silêncio, contemplando o campo francês adormecido.
Depois, caminhando lado a lado pelo corredor estreito, pareciam dois viajantes que, mesmo vindos de mundos diferentes, partilhavam o mesmo destino: guardar a memória do que o Brasil poderia ter sido.
Isabel ficou à porta, observando ambos se afastarem.
No brilho discreto de seus olhos havia uma saudade imensa, não do passado, mas do futuro que o Brasil jamais chegara a viver.
Por um instante, o corredor silencioso pareceu respirar com ela, guardando aquele sonho delicado que o tempo, teimoso, ainda não conseguira apagar por completo!
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