A TRISTEZA IMPOSSÍVEL!
Dinah Ribeiro de Amorim
 
 
Era um moço muito quieto,
quase não se mexia nem falava. Era um ninguém no mundo. Na escola, pensavam até
que fosse mudo, mas não era. Respondia somente às perguntas dos professores.
Enfim, respondia somente o que era impossível não enviar uma resposta. Semelhante
a um aparelho, quando ligado.
Em casa, também bastante
quieto e comportado, somente falava o necessário com o avô, única família que
possuía, após a morte dos pais em acidente de carro, quando pequeno. 
Com a velhice, seu avô foi
também impossibilitado de conviver em sociedade, dificultando mais a sua
timidez ou tristeza, ou depressão, ou temperamento, sabe-se lá o que
dificultava a sua normalidade, como jovem, sadio, aparentemente normal.
O único frequentador da
casa, como pessoa mais íntima, era o Dr. Afonso, advogado particular das
finanças e bens do avô. Sabia respeitar o ambiente e a natureza dos seus
clientes, explicando as situações mais difíceis, calmamente, a Joel, o neto de
temperamento estranho, que conheceu desde criança.
Falava-lhe somente o
necessário, embora também estranhasse, às vezes, esse olhar entristecido, essa
ausência completa de um pouco de vivacidade, normal à idade. Jovem, forte,
bonito e rico, sim, de vida econômica muito atraente.
Joel, com um pouco mais de
alegria, seria um grande partido, desejo de qualquer moça com ideias
casadouras.
Com o passar do tempo, em
idade já avançada, o avô de Joel falece, tendo Dr. Afonso que comparecer à casa
inúmeras vezes para resolver assuntos de herança.
Era um verdadeiro
sacrifício porque o rapaz não manifestava nada, nenhum sentimento. A mesma
fisionomia apática e triste que o acompanhava sempre permanece nessas reuniões.
Nem tristeza, nem dor pela morte do avô, nem a alegria em ficar mais rico e
herdeiro dos bens para ele deixados. Que moço estranho, esse neto, pensa Dr.
Afonso. “Cada vez que tenho que ir lá, saio pensativo, triste, algo estranho
parece que me consome, passo o dia deprimido, reclamo até do meu trabalho!”
Joel, ao ficar sem o avô,
caminha silenciosamente pela casa, observa retratos, descobre figuras que
lembram seus pais, sua vida em pequeno, recorda-se, lentamente, de alguns
momentos alegres que teve, como criança. Sabe que é diferente dos outros,
percebe reações estranhas quando é obrigado a se dirigir a terceiros. Mas nunca
deu muita importância a isso. É um deprimido ou um triste mesmo, em relação à
vida. Nada o entusiasma, nada decide colocar em prática. Somente vive, come o
necessário e dorme. Às vezes, alguma leitura ou caminhada, para manter a cabeça
e o corpo em dia.
Se encontra algum vizinho
pelo caminho, desvia rapidamente, no que é respeitado, não deseja amigos nem
eles o querem conhecer.
É ajudado, em casa, por
uma senhora gorda, Dona Berta, cuidadora do avô há muitos anos. Faz todo o
serviço em silêncio, acostumada com o temperamento de Joel. Não costuma falar à
toa nem puxar conversa.
Da. Berta, preocupa-se com
ele, mas sabe que não adianta fazer nada, o rapaz deve ter traumas difíceis,
desde a morte dos pais. Nem o avô conseguiu arrancar essa tristeza dele,
levando-o a vários médicos. Joel não abria a boca.
Numa tarde, Dr. Afonso aparece
para vê-lo e discutir um assunto sério. A venda de uma casa na praia, lugar
aprazível, COCOA BEACH,  famosa por
esportes náuticos, próxima ao Centro Espacial Kennedy, deixada pelo avô, que um
casal queria comprar.
Joel recebe-o de má
vontade, achando um grande esforço só ouvi-lo. Dr. Afonso traz até fotos lindas
do local. Aconselha-o a vender, como um bom negócio, já que ninguém utiliza a
residência. Bonita casa sujeita a se desfazer.
O rapaz fica de pensar no
assunto e, aborrecido, despacha logo o advogado, assim que consegue. Sente-se
cansado, incomodado com tanta invasão de privacidade.
Numa tarde, Dona Berta, o
chama para mostrar umas fotos dele, em criança, na casa de praia. Quer
auxiliá-lo a se decidir.
Não é que desperte nele
alguma curiosidade! Demonstra um certo interesse e olha as fotos com ligeiro
sorriso.
A figura dele pequeno,
alguns amiguinhos por perto, seus pais e os avós ainda vivos, dá-lhe certa
saudade. Espanta-se com isso. Nem sabe mais como é sentir… Dona Berta se
entusiasma. 
Para Joel, tanto faz o
lugar, mas sente vontade de voltar a ver o mar. Será que será diferente?
Sentirá algum sentimento novo? Estranho isso nele. Há muito não sabe o que é
ter vontade…
Arruma algumas roupas,
dirige o carro que lhe restou do avô, dirigir, para ele, um ato mecânico,
prático, como andar ou comer, e vai em direção à praia, ao mar que nunca mais
viu.
Em meio ao caminho, sente
um cheiro diferente, meio de peixe, meio de maresia, fica um pouco enjoado,
quer voltar.
O tempo ensolarado muda,
aproxima-se um cheiro de terra molhada, uma cor escura nas nuvens, uns barulhos
mais fortes que prenunciam a mudança no clima. Melhor continuar quieto em casa,
voltar.
Para voltar, naquela hora,
impossível, uma barreira feita na estrada impede os automóveis de retornarem. O
jeito, arrependido, é seguir em frente.
Continua pela estrada e só
para quando chega à casa à venda, a casa que ainda é sua.
Abre-a e a memória volta,
aos poucos, reconhecendo objetos e ambientes. Lembra-se de alguns momentos de
sua infância, embora se desgoste disso.
Repara pela janela que os
vizinhos estão agitados. Pessoas saem pelas ruas às pressas, movimentam-se,
parecem fechar rapidamente suas casas, temem alguma coisa.
Examina o mar azul e
calmo, da mansidão da sua infância. Parece que já não está tão baixo e manso
como era. Suas águas furiosas enviam ondas quase tão altas como as residências.
Um vizinho bate à sua
porta e vem avisá-lo de que estão temendo forte tempestade, talvez até a vinda
de um tornado. ”Péssimo dia para o senhor voltar!”, exclama.
Joel tremula um pouco as
pernas com a visita, não pelo assunto, mas pela palavra com um estranho, o que
o atemoriza. Detesta vozes alheias, aliás, não gosta de voz nenhuma.
Agradece o aviso e, quando
vai fechar a porta, o vizinho anuncia que, se precisar, poderá ajudá-lo a se
refugiar no porão de sua casa.
Joel pensa: “Não
recorrerei a ele, nunca, nem que a casa caia em minha cabeça!”
Fecha tudo rápido,
deita-se em sua cama, presta atenção nos sons. Aguarda a tão falada chuva
forte! As ondas do mar transformam-se em rugidos fortes semelhantes a leões que
cavalgam em fúria contra rochas endurecidas.
Ela chega logo. Os trovões
e raios atormentam seus ouvidos. Um vento ligeiro e cantador soa alto,
parecendo levar tudo que encontra.
As janelas abrem e algumas
voam e só param quando encontram algo mais forte que elas ou alguma árvore alta
e resistente.
Na verdade, Joel começa a
sentir medo, há tempos que não sentia. É bem provável que acabe voando também.
Talvez a cidade enviará seres humanos como foguetes espaciais, pensa, com
ironia.
O medo o ataca de tal
forma que ele se levanta rápido e corre para o porão da casa vizinha. A água do
mar subiu e fez sumir a praia, chegando às casas.
Bem acolhido, reúne-se ao
grupo de albergados da rua, que se abraçam e o recebem carinhosamente. Sente-se
bem no meio deles, o que há tempos não sentia, junto aos outros.
Esse terrível temporal,
como veio, foi. Levou horas e muita coisa com ele. Fez estragos. 
Com calma, saíram os que
restaram para examinar as sobras.
Muita coisa mudou. Muitos
se entristeceram. Perderam quase tudo. Alguém se reencontrou… Mudou com essa
chuva terrível! Difícil de explicar… Joel, menos assustado e muito falante,
abraça os novos amigos e começa a auxiliar seus vizinhos da rua a recolher os
objetos que poderiam ser aproveitados.
A simpatia e o acolhimento
dos amigos, nessa hora difícil, o sentimento de medo e dor, transformam a vida do
rapaz eternamente triste, de uma depressão incompreensível! Joel muda o seu
temperamento, torna-se um homem justo e responsável, um auxiliar da comunidade,
mudando-se para essa casa na Flórida e refazendo sua vida. 
 Anos mais tarde, recebe a visita da antiga
Dona Berta, que encontra um homem feliz, casado agora com Mary e pai do pequeno
Robson. 
Ainda treme um pouco com o
barulho das ondas quando quebram na praia ou o barulho de um foguete lançado ao
espaço, mas, o filho, ama ouvi-los!