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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

A PALAFITA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 



A PALAFITA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Zeca Tibúrcio casou-se com Maria das Mercês e realizou um sonho íntimo: morar com ela em uma palafita, casa edificada e suspensa em suportes, nas encostas de correntes fluviais. Foram morar acima do Rio Negro, afluente do Rio Amazonas, com grande volume de água.

No início, tudo era felicidade. Para qualquer necessidade, possuíam um pequeno barco para os levar até a cidade mais próxima ou também para Zeca realizar suas pescarias, mantendo-os com bom sustento.

Às vezes, sentiam alguma dificuldade, principalmente na época das chuvas. A pequena palafita balançava-se, jogando-os ligeiramente para vários lados. No auge da mocidade, brincavam com isso, até dançavam, acompanhando o ritmo dessa chuva desenfreada.

Alguns anos se passam e Maria das Mercês engravida numa época que não desejava. Queriam esperar mais tempo, nessa vida de aventura.

Seu início de gravidez é bom, sem muita necessidade de ir ao Posto de Saúde próximo, mas, com o tempo, Zeca achou melhor levar a esposa todos os meses, amedrontado com algum problema que surgisse na gestação do primeiro filho.

Maria não se queixava e também não reclamava do local distante.

Cada vez que a casa balançava um pouco, surgia alguma ameaça de chuva ou temporal, a criança também se mexia fortemente na barriga.

O casal preocupava-se um pouco, mas Maria avisava Zeca que era normal. Em toda gestação, a criança se mexe. O perigo é quando não mexe nada. Parece não se desenvolver.

Numa tarde que parecia bastante bonita e calma, o Sol se esconde, nuvens escuras aparecem, o vento levanta ondas fortes nas águas do rio e uma forte tempestade cai.

Zeca Tibúrcio se assusta e corre a ver sua canoa, procura amarrá-la fortemente nas tábuas que seguram a casa. Poderiam necessitar dela para transporte. Logo após, vai observar Maria das Mercês.

Encontra-a deitada, um pouco assustada, com as mãos alisando a barriga, como quem quer oferecer calma e proteção.

Pergunta-lhe, aflito, se sente alguma dor e ela responde que não. Só um pequeno susto.

Zeca, então, vai sentar-se perto da entrada e observa a queda forte dos pingos de chuva. As águas do rio estão rápidas, violentas, trazendo de longe tudo que encontram.

De repente, vê, assustado, que algo volumoso para, se encosta na parede da casa, interrompido por uma coluna. Levanta-se rápido e vai ver o que é!

Espantado, percebe que é um corpo de homem, já desfalecido, trazido pela corrente. Deve ter caído e se afogado. As águas são mais fundas nessa região.

Não consegue puxá-lo para cima e, desesperado, lembra-se de que todos os moradores daquele local possuem uma espécie de tiro para o alto, um sinal barulhento que os chama em situação de perigo.

Corre a buscar o seu e envia vários sinais, para ser atendido, anuncia uma emergência.

Logo aparecem várias embarcações e, uma delas, da polícia aduaneira, que imediatamente socorre o moribundo, reconhecendo-o como habitante, morador não muito de longe. É levado ao hospital e, possivelmente, ao necrotério.

Quando a situação se acalma, Zeca se lembra de Maria e corre a vê-la.

Está ainda deitada, muito branca, assustada com todo aquele tumulto, sem sentir a criança se mexer.

Queixa-se ao marido e este acha melhor levá-la ao posto próximo, aproveita que a chuva se acalmou.

Juntos, no pequeno e rápido barco, o casal mostra-se diferente das outras ocasiões em que saíam a passear. A situação não era mais de um casal jovem, aventureiro, mas de pais preocupados e sérios com o futuro filho, com a responsabilidade de uma família em início.

Zeca pensa: ”Que ideia tivemos com esse romantismo!”

Maria pensa: “E agora, será que a criança se assustou e não cresce mais?”

São atendidos por um médico simpático que os acalma e explica que Maria deve ter se assustado muito com o barulho. A criança está em desenvolvimento normal. Voltam mais tranquilos.

Zeca começa a cismar um pouco, agora, com o local em que mora. Gostam da casa, da paisagem, do lugar, mas pode ser também muito sofrido e perigoso, quando em enchente. Difícil também para criar criança, com muitas necessidades. O que fazer?

Pensativo, avista o barco maior e mais pesado dos aduaneiros, que leva o falecido embora. Quase não balança nem se locomove sofridamente, enquanto se retira. Uma ideia diferente e estranha lhe vem à cabeça. Precisa fazer uma reunião com outros companheiros, vizinhos, para propor uma opinião.

Numa tarde quente e ensolarada, uma reunião é marcada em sua palafita, arranjada com toras de madeira, para servirem de bancos.

Os curiosos vizinhos, solidários, comparecem, achando que é uma comemoração ou festa, na simplicidade deles.

Zeca Tibúrcio exige um pouco de atenção e começa a falar:

_Amigos, vizinhos de moradia à beira d’água, aproveitadores desse ambiente gostoso, aventureiro e simpático, sabemos que enfrentamos muitas dificuldades, mas não as tememos. E se a gente construísse nossas palafitas na água mesmo, mas como poderosos barcos, possuindo canos carregados de ar, no solo, para ficarem mais pesadas, paradas no lugar, com a força dos ventos e das águas? Não temeremos mais perigos.

_Casas como embarcações pesadas, Zeca? Exclama o Joca.

_ Sim, poderíamos até viver próximos à cidade, à costa, mas com mais liberdade. Sem a fixação leve de paus de madeira junto às margens. Ficaríamos mais firmes, usaríamos a força da base para impulsionar a força para cima, seria uma ação de impulso e refluxo, também usada nas grandes embarcações, responde Zeca.

_Isso ficará caro, gente, mas podemos tentar auxílio na prefeitura. Irá resolver o problema de moradia de muita gente como nós, exclama o velho Tadeu. Zeca, sem saber, teve uma ideia que era um sonho de Tadeu, de muitos anos. Transformar residências fluviais em transatlânticos, eh, eh, eh, … lembrou-se do impulso de Arquimedes, aprendido na escola, o único deles que havia cursado alguma coisa…

Animados, resolveram levar essa ideia adiante, que se tornou, muitos anos depois, quase uma verdade, com algumas casas flutuantes, equilibradas por bombas de pressão de ar comprimido, quando muito leves, semelhantes a navios equilibrados sobre a água, de cascos pesados e ocos.

Zeca e Maria tiveram o filho, gorducho e forte, chorão às vezes, só sossegando quando sentia um balançar leve, nas ventanias e temporais mais fortes.

Aos poucos, as palafitas do Rio Negro foram mudando de apresentação. Viraram habitações fluviais, sem grandes enchentes ou perigos.

Logo, logo, seriam pequenos bairros à beira d’água, semelhantes aos ricos bairros residenciais terrestres.

Tadeu, o grande mestre das obras, logo passou a ser conhecido como: Tadeu, o grande Arquimedes!

 

 

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