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quarta-feira, 27 de abril de 2022

ACIDENTE DO DESTINO - Hélio Fernando Salema

 



ACIDENTE DO DESTINO

Hélio Fernando Salema

 

Antônio Carlos liga para sua esposa Mirtes e avisa que recebeu um convite para uma reunião numa chácara no interior. São colegas que irão se reunir com as famílias.

Pede para ela arrumar as malas, pois partirão hoje à noite e só voltarão no domingo no fim do dia. Passa informações sobre o lugar em que ficarão hospedados temperatura, programação etc.

Na realidade ele lembrou que no sábado fará vinte anos que eles se conheceram numa festa numa pequena cidade. Conseguiu reservar hotel e pretendia fazer-lhe uma surpresa.

Quando chegou à casa Mirtes já estava pronta. Tomou banho e se arrumou. Colocou as malas no carro e saíram, pois, ele sabia que a estrada era perigosa, principalmente à noite. Só não imaginava que pegaria chuva forte.

A empolgação de Antônio Carlos era semelhante à daquele dia em que ele e mais três amigos foram a uma festa de São João numa pequena cidade. Todos foram entusiasmados pela perspectiva de conhecerem belas moças que diziam haver naquela festa tradicional.

Quando chegaram, a alegria dos quatros jovens era a de crianças ganhando doces de Cosme e Damião. Uma festa típica com barracas enfeitadas, fogueira, dança de quadrilhas, pau de sebo, pessoas vestidas à caráter e muita alegria.

Poucos minutos depois Antônio Carlos viu uma linda jovem acompanhada de outras duas que se dirigiam a uma certa barraca de doces, cujo nome era muito sugestivo “BARRACA DO AMOR”. Aquela que lhe chamou a atenção também lhe dirigiu um olhar significativo. Experiente que era em conquistas, logo se dirigiu àquela barraca.

Ao se aproximar viu que a sua jovem predileta se deliciava com uma cocada. Ele olhando os demais doces percebeu um dos seus favoritos, doce de leite com chocolate. Solicitou um à vendedora e foi prontamente atendido.

Ao ver que as outras moças se afastaram, aproximou-se e puxou conversa:

— É o seu doce preferido?

Ela olhou nos olhos dele e disse, sorrindo:

— Sim.

Com este SIM iniciava uma relação que no dia seguinte completaria vinte anos. Antônio Carlos e Florinda continuaram conversando ali perto da barraca por muitos minutos. Até que foi anunciado que iria começar a apresentação da Quadrilha. Ela se entusiasmou e perguntou se não iria ver. Ele concordou, logicamente, e olhando para o balcão da barraca viu algo, pegou e entregou a Florinda:

— Dizem que é a MAÇÃ DO AMOR.

Ela sorrindo aceitou e foram para o local da quadrilha. Ela depois de saborear alguns pedaços ofereceu a ele. Assim ambos apreciaram o fruto.

Ficaram admirando a dança até que o locutor informou que naquele momento iniciaria uma quadrilha para todos. Muitas pessoas correram para dentro da quadra posicionando-se. Florinda pegou a mão de Antônio Carlos e o puxou até junto aos demais. Dançaram e se divertiram como nunca.

Saíram da quadra caminhando alegremente, quando ele viu uma pequena praça com um banco vazio, os demais ocupados por casais. Não teve duvidas, foram rapidamente sentar e descansar.

Assim que readquiriram as forças, ele a abraçou e se inclinou para beijá-la. Sutilmente desviou a boca, de modo que os lábios dele tocaram só no rosto dela. Sem se dar por vencido manteve a posição e sussurrou:

— Gostaria de sentir o sabor da cocada.

No fundo do poço dos sentimentos mais profundos da atração natural, ela sentiu florir a força sublime dos desejos. E só no pensamento: “também gostaria de sentir o sabor do doce de leite”. Em seguida os lábios tornaram-se frutos dos sabores e desejos.

Esse beijo foi lembrado e replicado inúmeras vezes com outros sabores, mas com a mesma intensidade.

 

 

Assim, pela primeira vez, o casal usava o carro novo na estrada. Aquele que Antônio Carlos vinha há muito tempo admirando. Que na semana anterior, ao passar por uma concessionária viu chegando, e era justamente da sua cor preferida, preto.

Logo no inicio da viagem, Antônio Carlos teve algumas dificuldades com tudo de moderno que havia. As vezes se embaraçava com tantos botões e informações apresentadas no painel.

Mirtes perguntou pelas outras famílias. Ele respondeu que já estavam na estrada, saíram mais cedo.

No inicio da viagem tudo transcorria muito bem, como o “sonho” de Antônio Carlos havia sido imaginado.

Repentinamente começou a chover. Cada minuto que passava ficava ainda mais forte. Por estarem num carro novo e moderno, nada parecia preocupá-los, tanto é que não perceberam a alteração da chuva, tornando-se um terrível temporal.

Quando Mirtes avistou uma placa que indicava a próxima cidade, lembrou a festa em eles se conheceram. Com um raio de luz lhe veio à memória a data, justamente a do dia seguinte.

Comentou com o marido. Este apenas deu um sorriu malicioso. Mas foi o suficiente para que ela percebesse a intenção dele. 

Invadida por tanta emoção que não lhe cabia, e a medida que olhava para ele, aumentava sua vontade de correr, pular, gritar e saudar a ocasião.

Sem pensar e nem imaginar o que estava fazendo, soltou-se do cinto de segurança, atirou-se sobre ele e deferiu-lhe um forte abraço e muitos beijos.

O carro que estava em alta velocidade não conseguiu fazer a curva, desgovernou-se e bateu fortemente.

Mirtes foi atirada contra o vidro, sentiu a cabeça doer, depois as pernas, e em seguida sentiu que ficaram presas. Olhou para o lado e viu o marido preso no cinto de segurança, porém inerte.

O estrondo da batida dissipou-se. Sentiu um silêncio que veio lentamente penetrando no seu corpo, tomando-o para si. Percebeu que seu corpo assim ficava mais leve à medida que o silêncio ia aumentando até tornar-se um SILÊNCIO ETERNO.

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