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quarta-feira, 27 de abril de 2022

INVESTIGAÇÃO CONCLUÍDA - Hirtis Lazarin

 



INVESTIGAÇÃO CONCLUÍDA

Hirtis Lazarin                  

 

O casamento deles entrou em crise. Por mais que Luíza procurasse, não encontrava motivos para o que estava acontecendo.

Beto estava irreconhecível. O homem gentil e bem-humorado sumiu. Andava pela casa, de um lado pro outro, sempre resmungando: era a conta de luz muito alta, a comida salgada; ora era a música irritante, ora era a televisão que não podia ser ligada.

Ficava até de madrugada no computador e não admitia que a esposa se aproximasse. As perguntas ficavam soltas no ar sem resposta. Começou a sair mais cedo para o trabalho e ela falava sozinha à mesa do café.

Luíza e Beto não formavam um casal perfeito. Brigavam, discutiam quando as opiniões eram muito diferentes, ficavam até um tempinho sem falar, cada um querendo ser o dono da verdade. Mas tudo não passava de um joguinho bobo e, por trás da cara fechada e bicos, não se aguentavam de saudade.

Até então, caminhavam juntos, partilhando os mesmos ideais. Beto era advogado numa empresa conceituada e Luíza se especializava em “designer” de interiores. A casa nova e financiada cabia perfeitamente dentro do orçamento e ainda podiam se dar ao luxo de uma viagem internacional no período de férias.  Problema financeiro não existia.

Luíza precisava descobrir o que estava acontecendo.  Um casamento não se joga assim pela janela.  O mais cruel é suportar a primeira ideia que vem à cabeça de toda mulher: TRAIÇÃO.

Teve muita paciência até descobrir a senha do celular do marido.  O mais dolorido foi acessar as redes sociais; a coragem demorou uma semana pra chegar. Mexeu e remexeu o quanto pode e não encontrou nenhuma pista.  Teria ele outro celular?

Foi no sábado quando voltavam do supermercado que a paciência de Luíza se esgotou e a briga ultrapassou os limites do civilizado. Tudo começou com o gasto nas compras. Ela já tinha reduzido todas as despesas e não tinha mais como cortar.

Já à porta de casa, antes do carro entrar na garagem, Luíza soltou o cinto de segurança; queria fugir pra que o pior não acontecesse. Os braços compridos e fortes de Beto impediram-na de qualquer reação.

Ele pisou forte no acelerador e o carro preto zuniu no asfalto molhado. Arrastou cavaletes de uma construção, ultrapassou farol vermelho, entrou na contramão e quase atropelou pessoas que passavam na faixa de segurança. 

Alcançou a rodovia feito um desvairado, ziguezagueando na pista em velocidades que iam de cem a cento e oitenta quilômetros por hora.   Ouvia-se um “buzinaço” dos outros veículos que cruzavam a pista, em alerta aos motoristas.

Luíza sentia o pavor da morte.  Os gritos não tinham mais força; foram reduzidos a grunhidos de desespero.

E, numa curva fechada, Beto perdeu o controle. O carro se desestabilizou, bateu na mureta de arrimo e girou sobre si mesmo em trezentos e sessenta graus. Capotou várias vezes e despencou morro abaixo.

Tudo virou um emaranhado de lata contorcida e dois corpos. Ele morreu no local e a esposa só voltou pra casa após dois meses de internação.

Ainda em recuperação e fazendo fisioterapia, Luíza esperava o momento pra começar uma investigação. Nada fazia sentido. Nada justificava aquele revés na vida...

E, numa tardinha bem fria de inverno, a campainha toca. Era um oficial de justiça e uma intimação judicial de despejo por falta de pagamento das prestações da casa financiada.

Luíza não precisava investigar mais nada.

 

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