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quarta-feira, 27 de abril de 2022

O HERÓI É HUMANO - Henrique Schnaider

 



O HERÓI É HUMANO

Henrique Schnaider


Ariovaldo é um homem destemido. Ele gosta de ajudar pessoas que se veem em situação difícil. Ele é bombeiro. Já salvou nestes 30 anos de profissão, muitas pessoas entre adultos e crianças, das mais diversas maneiras. Pessoas presas dentro de carros no meio da enchente. Crianças que caíram em poços ou perdidas na mata.

Ele ama a profissão que escolheu.  Pois sente que nasceu para isso. Porém, ele quando está em missão de salvamento, no afã de salvar pessoas e levar a cabo o atendimento, acaba passando dos limites. Esteve nos dois incêndios que fizeram história nos acontecimentos trágicos de São Paulo. O incêndio do Edifício Andraus e do Edifício Joelma.

No Edifício Andraus, Ariovaldo corajoso determinado a ultrapassar todos os limites para salvar o maior número de pessoas, o bombeiro esqueceu a principal lei que rege a vida de um soldado do fogo. “Em primeiro lugar cuida de ti, para depois salvar os outros. “

Ariovaldo entrou no meio daquelas enormes labaredas não pensando em mais nada, ao ouvir os gritos de socorro desesperados das pessoas. Não recuou, ainda que o fogo chegasse tão perto, quase lambendo a sua face.

Ele conseguiu salvar várias pessoas devido a sua coragem indômita. Pagou um preço caro por isso. Acabou tendo queimaduras de segundo e terceiro graus. Precisou ficar internado num hospital de queimados por dois meses, inclusive tendo que fazer transplante de pele.

Quando recebeu alta do hospital, ainda teve que ficar mais um mês em casa, terminando de se recuperar. Acabou com o rosto um tanto desfigurado. Apesar de todo tratamento moderno que recebeu. Nunca mais seria aquele homem de perfil grego perfeito, antes da tragédia.

Quando ficou na recuperação em casa, percebeu que, por ser um bombeiro extremamente dedicado à profissão, acabou relaxando na vida em família. Não dava a devida atenção à esposa e nem ao filho. Ambos se queixavam da pouca participação de Ariovaldo nos problemas familiares.

A esposa cuidou com todo carinho do marido e do filho da mesma forma e aquele bombeiro corajoso por sua vez, tentando se redimir da pouca atenção que dera a família.

Finalmente, Ariovaldo teve alta e voltou às atividades perigosas da profissão. Ele não perdeu aquele instinto de ir além dos limites toleráveis. Sempre nas missões mais perigosas lá estava o nosso herói pondo novamente a vida em risco.

Apesar do perigo, por diversas vezes entrou em atoleiros de enchentes de morros que deslizaram, soterrando dezenas de casas. Tentava desesperadamente localizar pessoas que ficaram embaixo daquele mar de lama, levando a missão ao êxito e em outras fracassando. Mas, sempre indo um passo além do que devia. Acabava se machucando, precisando de atendimento médico.

No lar as coisas iam de mal a pior. A relação com a esposa esfriou de vez e até pensavam em divórcio. Ariovaldo chegava em casa depois de um dia extenuante de tragédias, cansado, sem fome. Não conseguia sequer assistir T.V., cochilava sob o olhar desanimado da esposa.

Com o filho a relação tornou-se tensa. Já que com a ausência do pai e sem a devida e necessária atenção ao rapaz, a situação ia ladeira abaixo. Por várias vezes os pais foram chamados à escola, devido ao mau comportamento do rapaz.

A esposa de Ariovaldo ainda lhe chamou a atenção. Ultimamente ela notou que o filho estava andando com más companhias. Ela encontrou drogas nas roupas do rapaz, maconha e cocaína. Ariovaldo o herói corajoso, um fracasso como pai, marinheiro de primeira viagem. Não conseguia lidar com tantos conflitos. Covarde, fugiu da sua obrigação paterna. Entrava de cabeça nas missões mais perigosas.

O incêndio do Edifício Joelma foi terrível, morreram dezenas de pessoas. E lá estava o nosso herói pela metade. Não pensou duas vezes e foi prédio adentro. Tentando salvar as pessoas presas naquele mar de chamas. Ariovaldo conseguiu salvar várias pessoas. Na última entrada para mais uma tentativa de tirar alguém, a tragédia aconteceu e desta vez ele não voltou. Seu corpo foi encontrado carbonizado.

Ariovaldo teve um enterro com todas as homenagens devidas. Medalha de honra ao mérito post mortem do herói Bombeiro. Toque do silêncio e discursos elogiosos. Presentes a esposa e o filho. Orgulhosos pelo Bombeiro tão admirado que foi, mas tristes, porque apesar de ele ter sido um pai fracassado e ausente, iria fazer muita falta. Retiraram-se arrasados e desconsolados para uma nova vida sem a presença dele em casa.

 

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