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segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A MACIEIRA e A MENINA - Alberto Landi

 




A MACIEIRA e A MENINA

Alberto Landi

 

Havia uma macieira num bosque, que amava muito uma menina.

Diariamente Maria Clara, a visitava, juntava suas folhas e com elas fazia ornamentos, imaginando ser a rainha daquele bosque.

Subia no seu tronco, balançava-se nos seus ramos, comia as suas deliciosas maçãs. Brincava com outras crianças e quando ficava cansada, dormia à sua sombra.

A menina adorava aquela macieira, como ninguém. E a árvore era muito feliz. O tempo foi passando, Maria Clara cresceu. E a árvore foi ficando solitária, sem as visitas frequentes dela.

Um certo dia, a menina veio visitá-la.  

— Minha menina, quantas saudades! Vamos, suba em meu tronco, balance nos meus fortes ramos, coma quantas maçãs queira, brinque na minha sombra como você sempre fez.

— Agora já sou crescida, disse Maria Clara, para brincar.  Quero comprar coisas e me divertir.  Você poderia me dar algum dinheiro?

— Minha Linda menina, disse a árvore, não tenho nenhum tostão, somente folhas e maçãs. Leve-as para casa, e venda no mercado ou em algum centro comercial, e assim, obterá dinheiro e ficará feliz.

E assim Maria Clara procedeu. Subiu no tronco, colheu todas as maçãs possíveis, colocou-as num cesto e as levou consigo. A árvore balançou seus ramos num sinal de felicidade.

A menina sumiu por um bom tempo, e a árvore ficou triste, novamente.

Decorridos alguns anos, a menina apareceu no bosque, para visitar a sua amiga.

— Suba No meu tronco, balança nos meus ramos disse-lhe a macieira, colha todas as maçãs que quiser.

— Estou ocupada agora, respondeu Maria Clara. Eu quero uma casa para viver, um marido e filhos. Você pode me dar uma casa?

— Eu Não tenho casa, disse a árvore. O bosque é meu abrigo, mas corta os meus ramos e construa sua casa, assim ficará feliz.

E assim foi feito, e a árvore ficou mais uma vez mais feliz.

Passado já algum tempo, ela voltou.

— Desculpe-me, disse a árvore, nada mais tenho que eu possa te oferecer. As maçãs já se foram.

Maria Clara disse para a macieira:

— Não se preocupe, os meus dentes já estão fracos demais para degustar as suas deliciosas maçãs.

— Também já não tenho ramos, lamentou a árvore.

— Eu não tenho mais idade para me balançar em seus lindos ramos, respondeu Maria Clara.

— Não tenho tronco forte e espesso para você subir, informou a árvore.

— Eu ando muito cansada de uns tempos para cá, disse Maria Clara.

A árvore suspirou e retrucou:

— Agora sou apenas um velho toco, não sirvo para mais nada.

Maria Clara retrucou:

 — Já não preciso de muita coisa, apenas um lugar sossegado para descansar. Um velho toco ainda é bom para sentar-se e descansar.

— Ah, então, anda, minha menina, senta aqui para descansar junto a mim.

E assim, a árvore e a menina, pela última uma vez, ficaram felizes!  

 

  

 

QUARTO DE RAPAZ - Suzana da Cunha Lima

 




QUARTO DE RAPAZ

Suzana da Cunha Lima

 

Era mesmo quarto de rapaz solteiro.  A mãe já cansara de arrumar e pedir para ele dar uma ordem naquele caos, mas nada adiantava. “Estou estudando, mãe! ”

Havia toalha de banho úmida debaixo da cama, saquinhos com restos de batatinhas chips, refrigerante morno, tênis e meias jogados no chão, roupas espalhadas pelos quatro cantos e a bela escrivaninha estilosa, que fora do avô, abarrotada de coisas: livros, cadernos, lápis e canetas de todos os tipos, folhas em branco e rabiscadas e o computador quase engolido por anotações e bilhetinhos.

 Ah, e o rapaz... sempre com o celular agarrado na mão, parecia não se importar com aquela confusão generalizada, onde praticamente encontrava tudo.  Num dado momento, no entanto, parece que se cansou, se esticou todo e disse para si mesmo: Vou tomar um banho! E sumiu para o banheiro.

Nesse momento a caneta não se aguentou e criticou duramente o caderno aberto, cheio de riscos e anotações:

- Vê se dá uma ordem nisso.  Eu capricho na letra e você vive rabiscando tudo. Parece até que não gosta do que escreve.

- E o que posso fazer? É o jeito dele estudar, oras!

- Ainda bem que já estou todo escrito – replicou o livro – ele só realça o que interessa e isso porque sou dele mesmo.  Aquele outro livro, que ele pegou na biblioteca, não pode riscar, rasurar, realçar, nadinha, senão tem que pagar outro e não é nada barato.

- Vocês viram que desenho bonito ele fez aqui? Parece um sistema de vias, ruas e viadutos. – comentou a página do caderno de desenho.

- Você é burra mesmo, folha branca. É o sistema cardiológico, não está vendo o coração e as coronárias? Irritou-se o livro da Biblioteca, altivo em sua lombada dourada.

-   O que eu sinto é que já estou esgotado, entupido de fatos, números e fotos, nem sei mais o quê - suspirou o computador -   o menino pensa que sou saco sem fundo. E para que tudo isso?

Nisso o estudante retorna, nu em pelo, cabelos pingando e o celular na mão. Sorriso de orelha a orelha:

- Mãe, mãe, adivinha só!  PASSEI NO VESTIBULAR DE MEDICINA E NA FEDERAL!

 

COROA SEM REI - Ana Catarina Sant’Anna Maués

 




Coroa sem rei

Ana Catarina Sant’Anna Maués

 

   Como num castelo de vidros grossos, à prova de bala, lá estava ela a rodopiar como a bailar nos velhos salões de candelabros a luz de velas, de um tempo distante. Porém, agora somente admirada por olhos curiosos, que faiscavam a cada cintilar dos gordos rubis que faziam par com reluzentes esmeraldas em contraste com, não menos valiosos, desbotados topázios.

Sem dar atenção aos que a cobiçavam ela lembrava, bons tempos aqueles, dizia para si mesma, e ao encontrar a memória saiam de mãos dadas a passear pelos labirintos das lembranças. Perdi a conta de quantos anos tenho. Já fui usada em bailes e bodas, guerras e acordos de paz. Reis poderosos, me ostentaram com grandeza, eu sozinha enaltecia o monarca, pois a imponência de minha altivez era suficiente para o glamour. Quando o soberano, ao recolher-se no sono de uma noite, me deixava ao lado, descia à simplicidade de sua natureza, era como um homem singular, tão igual quanto um mero camponês, mas ao raiar do novo dia, ao colocar-me, paramentado com manto, era a glória como se Deus fosse.

   Hoje aqui, neste museu, sirvo para exibir a nobreza de tempos outrora, imponente ainda sou, mas do que serve uma coroa sem rei?   

AS ARANHAS - Claudionor Dias da Costa

 




AS ARANHAS

Claudionor Dias da Costa

 

                     Aquele final de semana prolongado com o feriado de segunda feira não poderia ter sido mais marcante nas nossas vidas, e ficou nos comentários da família por bons anos.

                      Tudo começou com o carro velho do tio João, que provavelmente não tenha nunca transportado tanta gente e bagagem, talvez por isso andava tão devagar. Ele havia se preocupado em organizar a viagem, com cuidados extras limpando e polindo aquela Kombi de um verde enigmático que eu não me aventuro a definir ou classificar cor tão estranha.

                      Lá fomos nós, eu, meu irmão, papai, mamãe, tio João e sua tropa. Nove aventureiros a caminho do interior de São Paulo, no sítio dele, dispostos a aproveitar momentos gostosos junto à natureza naquele recanto pela primeira vez. Ele havia comprado a propriedade há pouco e seria a nossa estreia.

                     Após umas três horas de estrada, passamos pela pequena cidade e uns cinco quilômetros por terra depois, estávamos abrindo a velha porteira. Paramos em frente à casa, feita em madeira, tendo somente uma base de apoio em pedra para sustentação. Era um sobrado alto, com a parte superior parecendo um sótão em toda a extensão com um teto baixo, com uma pequena janela e sem separação nenhuma em cima. Era um salão grande, com o caimento do telhado nas laterais.

                     Mal descarregamos as malas partimos ansiosos para conhecer   tudo aquilo.

                     Eu tinha quatorze anos, meu irmão doze e nossos primos estavam próximos desta idade.

                    Eram três alqueires de terra, para nós, parecia imenso. Corremos pelo gramado, fomos ao cercado ao fundo onde os três cavalos nos olhavam curiosos, fomos conhecer a fonte de água que brotava entre pedras e com as samambaias pendentes que tornavam o cenário misterioso. Não acreditávamos que aquela água límpida viesse daquele buraco.

                    Não demorou muito mamãe nos chamou, pois estávamos com fome e o almoço improvisado e preparado rápido não poderia esfriar. Foi um espaguete saboroso temperado pelas histórias do sítio que tio João passou a narrar. Falou como foi a compra, o entusiasmo que ficou e por aí foi. Já havíamos nos regalado com a sobremesa de queijo com goiabada, quanto surgiu à porta o “Seo Expedito”.

                   Era um vizinho, morador próximo que seria também o cuidador do sítio do tio João. Mulato simpático, com dentes ligeiramente para a frente que aumentavam mais ainda seu sorriso amistoso. Foi convidado a se sentar à mesa com todos, para tomar o café cheiroso da tia Emília. Não se fez de rogado. Desandou a contar “causos”.

                   A conversa foi longe. Certo momento, Seo Expedito chamou a atenção com olhos esbugalhados, pedindo:

      - Pessoal, vocês devem tomar cuidado com os escorpiões e aranhas. Tem aparecido muito por essas bandas. Mesmo essa casa, antes do Seo João comprar aparecia demais...E dentro de casa. O antigo proprietário achava até dentro das botas de manhã, antes de “ponhá” nos pés. Mas, sítio é “anssim” mesmo. ‘”Nóis” convive com essas coisas...   

         Virei para meu irmão e primos. Notei neles olhares inquietos  e  lábios cerrados. Eu pelo que senti, deveria estar igual. Tia Emília cuidadosa disfarçou, mudou de assunto e nos empurrou para fora:

         - Vão brincar, mas, não se machuquem.

         Contudo, quando saímos pouco brincamos e ficamos comentando tudo que o Seo Expedito falou. E assim a tarde foi embora com aranhas que tomavam todos os nossos pensamentos.

         À noite, após o jantar, entre lavar louça, arrumações e acertos nas camas o pessoal passou a prestar atenção na tia que falou:

        - Os casais ficam nos quartos, os três menores nos sofás da sala e determinou que eu e o primo Pedrinho por sermos maiores dormiríamos no sótão.  Pedrinho resmungou mencionando as aranhas e fuzilado pelo olhar carrancudo da tia resolveu ir. Eu não abri a boca. Fiquei paralisado, pensando como seria lá em cima. Teria aranhas?

          Pedrinho olhou para mim, me empurrou para ir na frente. Subimos a escada de madeira que rangia a cada pisada.

          O salão era imenso, com luz fraca amarelada e duas camas tendo a janela no meio, bem na cumeeira do telhado.

          Nos deitamos e ficamos olhando o teto com as ripas irregulares e vãos entre elas.         Virei para Pedrinho e levantei a dúvida de se neles não poderiam ter aranhas. E pela extensão do salão, poderiam ser muitas.

          Meu primo respirava forte, denotando o que sentia, não respondeu nada e cobriu a cabeça com as cobertas. Eu fiquei preocupado e com estranha sensação, que aumentou quando escutei tio João dizendo “Boa noite”no sopé da escada e apagando a luz.

          Só restava a luz da lua que entrava pela janela dando um ar sombreado pelo salão.

Virei para os lados várias vezes, mas, conclui que era melhor ficar de frente, mesmo que tentando fechar os olhos e não ficar atento ao teto e suas imperfeições.

E assim a noite foi passando...

Num momento esquisito entre a chegada do sono e a tentativa de manter-me acordado, senti um contato no meu pescoço raspando de leve. Logo me veio à mente uma aranha horrorosa pronta para me atacar caminhando sobre a minha pele. Dei um berro: ARANHA !!! Desesperado saltei da cama. Pedrinho acordou apavorado

- O que foi? O que foi?

-Uma aranha está na minha cama! Gritei.  

Tio João subiu correndo com farolete à mão e procurou nos acalmar enquanto eu explicava a horrível sensação da aranha no meu pescoço.

Começou a inspecionar tudo em detalhes para achar a tal da aranha que nos apavorou, enquanto a tia Emilia prestativa já estava com copos de água com açúcar para nós.

Enquanto respirávamos fundo, tio João muito sagaz, segurando a manta que me cobria,  sorrindo disse:

-   Vejam aqui, a terrível aranha que você sentiu nada mais era do que estes fiapos da própria manta roçando no seu pescoço.

   Tia Emília desatou a rir. Eu e Pedrinho fizemos cara de sonsos balançando a cabeça para o tio João querendo aceitar a explicação. Depois desse susto, aceitamos a acomodação no andar debaixo, apertados e ainda duvidando se não seria mesmo a aranha.

 Os outros dias do final de semana já foram mais calmos.

Ficou a história da terrível aranha na família e as brincadeiras que aguentamos até hoje.

Às vezes,  intrigado, me vem o pensamento de se realmente os fiapos da manta foram os culpados.

A DONA DE CASA E A VASSOURA - Ana Catarina Sant’Anna Maués

 




A dona de casa e a vassoura

Ana Catarina Sant’Anna Maués

 

   Certa vez notei um diálogo bem interessante entre uma dona de casa e sua vassoura. A mulher reclamava da rebeldia da ajudante, que após a total limpeza, no capricho, deixando a casa sem fio ou fiapo de coisa alguma no piso, recusava-se a ficar de pé, em prontidão para o próximo dia. Já contavam três vezes que a tinha recolhido do chão.

— Oh! Vassoura teimosa, dizia a velha senhora. Fica aí de pé, atrás da porta, por favor. O que quere caindo assim no chão? Está bagunçando minha cozinha!

   E de novo juntava e apoiava a companheira de labuta, que novamente se fazia cair no chão, como que a deleitar-se no assoalho brilhante, com cheiro bom. E a dona da casa, já ficando brava disse:

 — Vamos, vamos, fique quieta e me deixe logo ir deitar-me um pouquinho a esticar as pernas.

   Então a vassoura respondeu:

— Ora ora, pois sim, hum! Eu trabalhei até mais que você, pois entrei de baixo dos móveis, futuquei os cantinhos das paredes, corri no rodapé, vasculhei o teto, matei uma barata e duas aranhas, quase que me afogo no balde d’água com aquele pano a sufocar-me. Eu também tenho o direito de esticar minhas cerdas.

SEM PERDÃO - Suzana da Cunha Lima

 




SEM PERDÃO

Suzana da Cunha Lima 

 

- Bom, para mim já deu! 

Ele levantou-se da mesa arquejante, tentando manter a raiva sob controle. Mas ao olhar o rosto neutro da mulher, quase cínico, a ira tomou conta de si, rompendo as comportas da educação e bom senso.

- Você é uma hipócrita, rancorosa e desalmada.  Toda hora está jogando na minha cara o caso que tive com Elaine há séculos, no mínimo cinco anos... Como é que pode?  Já me desculpei de todas as maneiras, o que é que quer que eu faça mais?  Aconteceu, pronto.  É tocar a vida para a frente.

Ela continuava a olhar para ele como se nada estivesse acontecendo, mas o seu coração fervia pelos anos de desprezo e negligência e pela constatação, que agora fazia, de que jamais o perdoaria. Não podia, o amara demais. Não, não fora só a Elaine, ela sabia, eram casos conhecidos de todos, que a humilhavam e a rebaixavam de maneira insuportável. Sem falar de agressões físicas insuportáveis.

Não meu amigo, não haveria volta nem tocar para a frente, era o fim mesmo.

Levantou-se devagar, deixando seu desprezo escapar aos poucos nos gestos lentos. Pegou a jarra de cristal que enfeitava o aparador.  Presente dos pais dele, coisa fina.   

Bateu na cabeça dele com todo o ódio acumulado naqueles anos de agonia.

E ele caiu no chão, bebendo seu próprio sangue, olhos abertos de espanto e dor.

QUEM SOU EU ? - Adelaide Dittmers

 




Quem sou eu?
Um átimo no tempo
O viajante que passa...

Quem sou eu?
Uma célula, um átomo
Um próton um elétron...

Quem sou eu?
A terra semeada,
A semente fecunda...

Quem sou eu?
O elo da corrente,
A vida que passa por ela...

Quem sou eu?
A pedra no caminho,
O remo, que impulsiona...

Quem sou eu?
A razão, que analisa,
A emoção esparramada...

Quem sou eu?
A dúvida, a certeza,
A pergunta, a resposta...

Quem sou eu?
A mentira, a verdade,
A ilusão, a realidade...

Quem sou eu?
O desejo de saber,
O medo de descobrir...

Quem sou eu?
O verme, que consome,
A abelha, que poliniza...

Quem sou eu?
O pó da estrada,
A água do rio...

Quem sou eu?
Um acaso cósmico,
Um propósito divino...

Quem sou eu?
O nada, o tudo,
O relativo, o absoluto...

Quem afinal sou eu?

O BURRO FALANTE - Henrique Schnaider

 


O BURRO FALANTE

Henrique Schnaider


Geninho era um burro que nasceu burro e como todo burro que se preza era teimoso.  Quando nasceu, o seu Chico não viu nada demais naquele burrinho que pinoteava e zurrava solto no campo feliz e contente.

Com o passar dos dias seu Chico começou a ouvir uma voz tagarelando, mas não atinava de quem era. Pensou até num fantasma que estivesse perseguindo-o. Até que um dia para seu assombro ouviu o burro Geninho resmungando.

— Seu Chico eu falo, falo, e falo, bla, bla, bla, e o senhor não me responde, sou eu, Geninho. Por acaso o senhor tem alguma coisa contra um burro que fala ? Disse rindo,  quichiii.

Seu Chico arrepiou-se inteiro como era possível o burro Geninho falar, piscou os olhos, limpou os ouvidos e Geninho se arrebentando de rir quichiiiii. Seu Chico olhou para o burro e disse:

 — Oh, burro besta metido a falar, e além de tudo, com essa risada escrachada.

O caipira custou a acreditar que podia conversar com Geninho e logo pensou, vão pensar que enlouqueci. A única coisa que o Geninho é, muito teimoso, custa a me obedecer. Vou levar este burro para minha mulher a Rosinha, espero que o burro fale com ela e assim terei certeza de que não estou louco.

E lá se foi seu Chico levando o Geninho pela corda tagarelando como um papagaio.

Chegando em casa seu Chico gritou:

 — Rosinha, mulher, corre até aqui vem ver uma coisa, você não vai acreditar o nosso burro Geninho fala.

Rosinha veio correndo pensando, meu Deus meu marido bebeu. Quando ela chegou em frente ao burro o caipira já quase alucinado disse:

 — Vamos lá, Geninho, fale alguma coisa para minha mulher.

O burro não se fez de rogado, disse disfarçando para Rosinha não vê-lo falando: — Patrão, o senhor quer mesmo que eu fale? Olha, o senhor não vai gostar hein.

Seu Chico já espumando de raiva:

— Fale de uma vez, seu burro, senão te meto o chicote.

— Está bom, está bom, então lá vai, e é bom se preparar, pois lá vai uma burrada daquelas.  Disse Geninho à mulher: — Como o seu Chico, teve coragem de casar-se com uma mulher tão feia como a senhora? Quichiii!

Dona Rosinha ficou da cor de um tomate maduro:

— Chico, seu desgramado! Aposto que foi você que ensinou este burro besta vir até aqui me insultar dessa maneira.

 Dona Rosinha de repente, se deu conta da situação, arregalou os olhos incrédula:

— O que é isto? Este burro fala? Chico que brincadeira é essa?

Seu Chico fuzilando o Geninho com os olhos disse

— Seu burro miserável, além de só falar besteira, ainda por cima é um mal-educado, atrevido, mas, corajoso. Acabou falando para a Rosinha aquilo que eu nunca tive coragem de dizer e agora que a verdade veio à tona, vou desabafar aquilo que está entalado na minha garganta faz tempo. Eita mulher feia, soh! Louco fui eu que me casei com ela.

Geninho ganhou neste dia, além da admiração e amizade, uma bela ração extra de alfafa,  e aprendeu que nem sempre em boca aberta entra mosquito.

 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

A SORTE ÀS VEZES SORRI - Alberto Landi

 




A SORTE ÀS VEZES SORRI

Alberto Landi



Kamal, um menino angolano, perdeu seus pais durante um conflito ocorrido em Luanda, em meados de 1975. Conflito esse que gerou a independência de Angola, até então sob domínio de Portugal.

 

Joao Pedro, um jornalista português a serviço de um jornal de Lisboa, estava cobrindo pessoalmente parte desse conflito. O jornalista conseguiu trazer para Lisboa, o menino Kamal, então órfão e sem parentelas, para viver com sua família.

 

Aconteceu, que num período curto, a família não quis mais aceitar a convivência. Então Kamal ficou à deriva, vagando pelas ruas da cidade, sem rumo, buscando comida e um teto para viver, pedindo esmola para os transeuntes.

 

Não ter o aconchego dos pais é terrível. Vendo o menino era uma cena de cortar o coração. Pude imaginar quantas noites não passara dormindo ao relento, sem um teto para morar.

 

Quando estendia a sua pequena mãozinha aos transeuntes, sentia muita humilhação e só observava indiferença nas pessoas. Quantos corações endurecidos e insensíveis, nas pessoas.

 

Hoje é domingo. A criança encontra-se à porta da igreja de São Pedro do Estoril, implorando com o seu semblante triste e amargurado, em receber uma possível esmola.

 

Algumas pessoas depositam algum dinheiro em sua mão estendida. Terminada a missa, o seu semblante está um pouco mais alegre, pois sabe, que nesse dia de domingo, não passará fome.

 

Seguem se os dias, o tempo vai passando, e a caridade fingida dos transeuntes continua omitindo a solidariedade para com esta pequena criança e aumentando a indiferença das pessoas.

 

Aproximei-me de Kamal, depois de observá-lo por muito tempo, e propus a ele uma morada e comida em minha casa. Prontamente aceitou. O tempo foi passando e Kamal com 14 anos de idade já estava na quinta série, mostrando ser um aluno aplicado e com muito interesse nas disciplinas.

 

Nas horas de lazer, após seus estudos, ajudava no expediente de uma livraria, de um amigo meu. E assim Kamal se afeiçoou aos livros, e após alguns anos, um advogado.

 

Penso que a solidariedade e a oportunidade dada às pessoas, fez de Kamal um grande ser humano. Vejam como a vida é interessante e cheia de alternativas. Atualmente Kamal é um advogado brilhante!

 

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

MAL ACOMPANHADO - HIRTIS LAZARIN

 

                                                         


                       

MAL ACOMPANHADO

HIRTIS LAZARIN

 

O homem abriu os olhos gemendo de dor.  Acabara de levar um chute no tornozelo.  Era assim que o cobrador de ônibus acordava o último passageiro no ponto final da linha.

Sonolento, Joca saltou do coletivo num pulo de mal jeito.  A coluna vertebral não gostou e respondeu com um "ai" dolorido.

Além de atravessar a cidade de oeste a leste, ele tinha que enfrentar uma caminhada de mais de meia hora.

A noite estava gelada, escura e silenciosa.  Até o boteco da esquina, onde, todo dia bebericava algumas doses de cachaça com conhecidos, quase não pega aberto.  

Olha no relógio e já são vinte e duas horas.  Estava mais tarde que de costume.  Postura envergada, menos pelos anos já vividos e muito mais pelos maus tratos da vida difícil.  Nordestino, semianalfabeto, passa os dias misturado e confundido com tijolos e cimento, aturando a prepotência e indiferença do mestre de obras.  Joca já imobilizou dezenas e mais dezenas de palavrões na garganta porque depende destes tostões pra sobreviver.

Olhos tristes, passos pausados e monótonos, caminha solitário.  O silêncio é interrompido pelo som de passadas vindas de trás.  Para, olha e procura.  Não vê nada.  Um breu só.  As luzes dos postes esqueceram que já era noite.

Joca sente um frio gelado e a sensação de que um vulto passou pertinho de seu corpo. Encolhe-se arrepiado. " Bobagem, sou cabra macho.  Só tô cansado demais.  Ou será que é a saudade de "mainha?  Ainda bem que consegui chegar a tempo pra  vê-la e abraçá-la antes da sua partida."

Caminha mais um quarteirão e as passadas voltam.  Antes um plact...  plact... vagaroso,  agora um ploct, ploct  rápido. Ele muda de calçada.  Os sons acompanham-no.   E, ainda, falta um bom pedaço de caminho pra Joca chegar em casa.  A boca seca tem gosto de jiló e um fio gélido percorre sua espinha.

A rua continua um deserto de gente.  De vez em quando um carro,.. Uma coruja mal agourenta pia estridente escondida nos galhos do manacá corpulento e florido.  Um gato morador de rua abandona o esconderijo e desaparece enlouquecido.  "Que noite é essa, Padim Ciço"!

Joca não controla mais a respiração.  Gotas aflitas escorrem-lhe pelo rosto sem cor. Era uma tremedeira só.  O sertanejo, que não temia nem o diabo, fraqueja e sente vergonha.  Não anda nem pra frente nem pra trás.  Cai sentado no meio fio.  Flexiona as pernas e esconde o rosto entre os joelhos.  Posição fetal que geme, que busca proteção.  Ouve, então, a respiração ofegante de alguém bem próximo e, logo em seguida, o tec... tec... de um gatilho.  Espera a morte.  Era seu último momento de sobrevivente num chão áspero e sujo.  Enche os pulmões e grita como nunca gritou antes.

Uma caneca de água gelada alivia-o desse sofrimento.  "Vai pra casa,  Joca.  Toma um banho e livra-se dessa ressaca!"  Grita, o dono do boteco.

 

ENCONTROS E DESENCONTROS - Henrique Schnaider

 


ENCONTROS E DESENCONTROS

Henrique Schnaider



Rubens era casado com Mirna há dez anos, se conheceram nos tempos da faculdade. Estudavam na mesma classe do curso de medicina, era um sonho para ambos aquela carreira, estavam no último ano para conseguir aquilo que consideravam a missão sagrada de ajudar as pessoas doentes a enfrentarem seus males e se curarem.

Ainda calouros no curso, ambos trocavam olhares interessados, depois de algum tempo, Rubens querendo namorar, tomou a iniciativa de convidá-la para sair. O tempo se fez de cupido, quando viram estavam completamente apaixonados, a lascívia os dominou, loucura, explosão da paixão.

Antes mesmo de se formar foram morar juntos, o carinho e a dedicação eram grandes, tudo se transformava em encantamento no pequeno apartamento, eram horas de luxúria e amor incandescente.

O tempo passou, não tiveram filhos e a devoção e dedicação à profissão, esfriou a relação dos dois na mesma proporção que antes crescera, e agora mal se olhavam, sequer se tocavam eram dois estranhos vivendo no mesmo teto.

Enquanto isso Roberta médica recém-formada, um coração doce, carinhosa com seus pacientes, fazia estágio no hospital da cidade com vida dura e dedicação em tempo integral. Não tinha olhos para mais nada, daí seu casamento naufragou. Mal via seu marido não tiveram filhos e quando chegava em casa desmaiava de cansaço e o seu companheiro mergulhado na TV, ignorava a sua presença.

Rubens e Roberta se conheceram no hospital, trabalhavam na sessão de queimados, trabalho difícil doloroso e, juntos procuravam amenizar a dureza daquela vida diária tratando casos de queimaduras de primeiro, segundo e terceiro graus, o local era dominado pelos gritos lancinantes de dor, o cheiro ruim de assado era de carne humana.

Ambos estavam com os corações machucados pelo fracasso no casamento, medo de amar novamente, mas levavam seu relacionamento profissional de forma muito carinhosa, ficavam confusos com este sentimento novo que nutriam um pelo outro, ambos não queriam acelerar a relação e assim foi acontecendo devagar, mas não conseguiram segurar estavam apaixonados.

Rubens achava desculpas para estar perto dela toda hora. Ela gostando muito. Entraram de cabeça na relação que virou uma mistura de amor e culpa com sentimento pesado. Mas não resistiram a atração mesmo no meio de tanto drama de pessoas machucadas, gemidos doloridos, doendo até na alma.

Tinham que resolver aquela situação e Rubens queria assumir a relação, abandonar Mirna, pressionava Roberta que titubeava entre ser feliz se entregar ao amor, jogando tudo para o alto, ou continuar aquela vida insonsa do seu casamento.

A situação de ambos se tornou uma tortura, até que Rubens premido pela situação deu um ultimato a Roberta, que amoleceu inteira. Teriam que largar tudo sem olhar para trás. Ele esperaria no dia marcado, na estação de trem, partiriam para bem longe e recomeçariam a vida juntos.

Chegado o dia marcado Rubens deu uma desculpa esfarrapada à Mirna, dizendo que iria viajar para um Simpósio médico por alguns dias. Ela deu de ombros não dando a menor importância àquilo que ele iria fazer.

Rubens chegou cedo à estação Central, coração desatinado nervoso olhando para o relógio a todo instante, a hora passando e nada de Roberta. A angústia do fracasso atormentado daquele amor doía na mente e no coração dele.

O suor da aflição descia vagarosamente pelas costas em um filete, quinze minutos para a partida, e nada. Dez minutos desespero a flor da pele. Cinco minutos, Rubens tremia inteiro, pois no fim do longo corredor avistava uma figura, não tinha certeza se era ela, mas pôr fim, a confirmação, era sua amada que chegava.

Um abraço forte e carinhoso selou a união. Partiram para uma nova vida, felizes por estarem juntos e prontos a iniciar um futuro sem remorsos.

 

O desencontro de Arminda Rosa e João Gaspar - Leon Alfonsin Vagliengo

 



O desencontro de Arminda Rosa e João Gaspar

Leon Alfonsin Vagliengo

 



Por onde andará Rosinha?

Já deve estar bem velhinha...

 

Pensava o moreno trigueiro

João Gaspar, o velho tropeiro.

A fumar seu charuto, lembrava

Do tempo em que a procurava

Na Casa de Moças da cidade

O que lhe trazia tanta saudade,

Por onde em viagem passava

E com sua tropa descansava.

 

Rosinha, a sua preferida,

Entre tantas, a mais querida.

A única que procurava,

A única que o encantava.

 

Um dia, ao voltar d’viagem,

Iria criar coragem

Para dizer que a queria

Que por ela tudo faria,

Até poupá-la da vida

Por ela não escolhida.

 

Mas foi tão longa a viagem,

E quando chegou, com coragem,

Quanta infelicidade!

Ela mudou da cidade

Antes de saber da paixão

Que despertara em seu coração.

 

Naquele mesmo momento,

Em sintonia de pensamento,

Na janela do velho sobrado,

Sem ter ninguém a seu lado

Na vida que agora levava,

Arminda Rosa também lembrava

Do tempo em que era a Rosinha,

Na Casa de Moças, a rainha

Daquele cliente tropeiro,

Um belo moreno trigueiro,

De quem era a preferida.

 

As poucas vezes daquela vida

Em que a felicidade a dominava,

Era nos braços dele que ela estava.

Mas ele partiu em andanças,

E Rosinha perdeu esperanças.

Mudou-se para a Capital, para esquecer a ilusão

Que tanto perturbava o seu coração.

Vida ingrata aquela, que não escolhera,

Porém, sem outra saída, a vivera.

 

E assim termina a história

De Arminda Rosa e João Gaspar,

Deixando para nossa memória

Um desencontro a lamentar.

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

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