A dama da noite
Alberto Landi
No início dos anos de 1900, Londres adormecia sob o véu
úmido da neblina, mas os bairros de Covent Garden e Soho permaneciam acordados.
As ruas de pedra refletiam a luz mortiça dos
lampiões a gás, e os cocheiros apressados ainda cruzavam as avenidas ladeadas
por bancos e escritórios.
Covent Garden e Soho são centros sensuais e
artísticos de Londres, com teatros, lojas e galerias notáveis.
Bem antes das edificações, eram regiões de fazendas
e parques pertencentes a diversas ordens religiosas.
São ruas estreitas e cheias de charme, encontram-se
museus fantásticos, livrarias e restaurantes e um espírito boêmio que nunca se
apaga.
Juntos são um verdadeiro ponto de encontro, de
estilo, culturas e artes, tradição e modernidade convivem lado a lado.
Era nesse cenário que surgia a Dama da noite.
Vestida em seda escura, chapéu enfeitado com penas e
luvas de couro, caminhava com a postura impecável de uma senhora de alta
sociedade.
Aos olhos de qualquer transeunte, parecia mais uma
mulher elegante, talvez tarde da noite, voltando de um jantar. Mas sob o tecido
refinado escondia-se uma lâmina afiada, fria como sua alma.
Nos últimos meses, comerciantes e banqueiros de
reputação duvidosa haviam sido encontrados mortos, suas gargantas cortadas com
precisão cirúrgica.
A polícia atribuía os crimes a ladrões de rua, mas
os detetives mais atentos sabiam que algo destoava, nenhum bem era levado,
apenas vidas ceifadas.
Naquela noite, o alvo era um financista de nome
Harold, poderoso que enriquecera arruinando famílias. A dama o seguiu quando
ele deixou o clube privado em Aldergate. Ele tinha uma vasta barriga provável
de tanto beber cerveja, caminhava confiante. Não notou a figura feminina que o
acompanhava a distância, como uma sombra entre as sombras.
Mas, havia um imprevisto. Um jovem policial
recém-incorporado de nome Edward, estava de ronda naquelas proximidades. Ele
observava aquela mulher distinta demais para caminhar sozinha àquela hora, com
passos decididos, quase predatórios, como se a escuridão fosse cúmplice de sua
caçada.
A suspeita o fez segui-la discretamente.
Quando Harold entrou num beco para encurtar caminho
a dama acelerou o passo. O brilho metálico surgiu sob a luva. Mas antes que
pudesse golpear, o policial surgiu com um grito.
— Pare onde está!
A lâmina congelou no ar. Harold cambaleou para trás
sem entender o que acontecia. A mulher gritou lentamente e seus olhos azuis
faiscavam sob o véu.
— Você não sabe o que faz jovem policial, disse ela
com voz firme quase maternal. Esse homem é um parasita. Londres somente suspira
porque eu limpo sua sujeira.
Edward hesitou. A autoridade em seu tom era quase
hipnótica e parte dele queria acreditar que havia justiça no que ela dizia
porem, a lei era clara. A justiça não é feita assim, respondeu, mantendo a mão
na arma.
Solte a lâmina! - gritou ele imperativamente, a voz
sem margem para réplicas.
Por um instante o beco pareceu suspender o tempo: a
nevoa, o cheiro de carvão, o medo e a fascinação. A dama ergueu o queixo como
se aceitasse o desafio.
O conflito estava traçado: entre a lei e a vingança,
entre o dever e o fascínio, entre um jovem policial aparentemente inexperiente
e uma mulher sádica que transforma o crime em ritual.
A lâmina cintilava sob o brilho fraco do lampião.
Harold tremulo, encostou-se a parede de tijolos, o suor frio escorrendo pela
testa.
A dama deu um passo à frente, os olhos fixos no
policial.
— Você é jovem demais para entender. Eu faço o que
vocês, policiais não têm coragem de fazer.
Edward engoliu em seco, mas mantinha o dedo firme no
gatilho da arma já apontada para a dama.
— Não é coragem o que falta – disse a voz firme do
policial. — Inexistência de compaixão, empatia e essência humana.
Ela sorriu um sorriso triste, quase elegante, como
se fosse a última vez que permitiria fraquejar. Então, num gesto rápido ergueu
a lâmina em direção ao banqueiro.
O disparo ecoou pelo beco.
A dama cambaleou, a seda de seu vestido tingindo-se
de vermelho. Ainda de pé, olhou para o policial com uma mistura de desprezo e
admiração.
— Talvez você seja o único a me deter. E caiu ao
chão, a lâmina escapando de sua mão enluvada.
Harold correu para longe, sem agradecer, tropeçando
nas pedras molhadas.
Edward aproximou-se do corpo ofegante. A mulher ainda
respirava, mas os olhos se apagavam. Não havia medo neles, apenas a calma de
quem cumprira parte de sua missão.
Na manhã seguinte os jornais noticiavam:
“Capturada a assassina que aterrorizava Covent
Garden e Soho. Conhecida como dama da noite, era mulher da alta sociedade,
cujos motivos permanecem envoltos em mistério”.
Mas, Edward sabia a verdade. Ao lembrar o olhar
dela, compreendeu que havia algo além do crime, uma luta silenciosa contra a
corrupção dos poderosos, travada por mãos que escolheram o sangue ao invés da
lei.
E assim, Londres perdia uma enigmática sombra
justiceira!
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