A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

AINDA HÁ TEMPO PARA AMAR - CONTO COLETIVO 2011

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

BIBLIOTECA - LIVROS EM PDF

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

A dama da noite - Alberto Landi

 



A dama da noite

Alberto Landi

 

No início dos anos de 1900, Londres adormecia sob o véu úmido da neblina, mas os bairros de Covent Garden e Soho permaneciam acordados.

As ruas de pedra refletiam a luz mortiça dos lampiões a gás, e os cocheiros apressados ainda cruzavam as avenidas ladeadas por bancos e escritórios.

Covent Garden e Soho são centros sensuais e artísticos de Londres, com teatros, lojas e galerias notáveis.

Bem antes das edificações, eram regiões de fazendas e parques pertencentes a diversas ordens religiosas.

São ruas estreitas e cheias de charme, encontram-se museus fantásticos, livrarias e restaurantes e um espírito boêmio que nunca se apaga.

Juntos são um verdadeiro ponto de encontro, de estilo, culturas e artes, tradição e modernidade convivem lado a lado.

Era nesse cenário que surgia a Dama da noite.

Vestida em seda escura, chapéu enfeitado com penas e luvas de couro, caminhava com a postura impecável de uma senhora de alta sociedade.

Aos olhos de qualquer transeunte, parecia mais uma mulher elegante, talvez tarde da noite, voltando de um jantar. Mas sob o tecido refinado escondia-se uma lâmina afiada, fria como sua alma.

Nos últimos meses, comerciantes e banqueiros de reputação duvidosa haviam sido encontrados mortos, suas gargantas cortadas com precisão cirúrgica.

A polícia atribuía os crimes a ladrões de rua, mas os detetives mais atentos sabiam que algo destoava, nenhum bem era levado, apenas vidas ceifadas.

Naquela noite, o alvo era um financista de nome Harold, poderoso que enriquecera arruinando famílias. A dama o seguiu quando ele deixou o clube privado em Aldergate. Ele tinha uma vasta barriga provável de tanto beber cerveja, caminhava confiante. Não notou a figura feminina que o acompanhava a distância, como uma sombra entre as sombras.

Mas, havia um imprevisto. Um jovem policial recém-incorporado de nome Edward, estava de ronda naquelas proximidades. Ele observava aquela mulher distinta demais para caminhar sozinha àquela hora, com passos decididos, quase predatórios, como se a escuridão fosse cúmplice de sua caçada.

A suspeita o fez segui-la discretamente.

Quando Harold entrou num beco para encurtar caminho a dama acelerou o passo. O brilho metálico surgiu sob a luva. Mas antes que pudesse golpear, o policial surgiu com um grito.

— Pare onde está!

A lâmina congelou no ar. Harold cambaleou para trás sem entender o que acontecia. A mulher gritou lentamente e seus olhos azuis faiscavam sob o véu.

— Você não sabe o que faz jovem policial, disse ela com voz firme quase maternal. Esse homem é um parasita. Londres somente suspira porque eu limpo sua sujeira.

Edward hesitou. A autoridade em seu tom era quase hipnótica e parte dele queria acreditar que havia justiça no que ela dizia porem, a lei era clara. A justiça não é feita assim, respondeu, mantendo a mão na arma.

Solte a lâmina! - gritou ele imperativamente, a voz sem margem para réplicas.

Por um instante o beco pareceu suspender o tempo: a nevoa, o cheiro de carvão, o medo e a fascinação. A dama ergueu o queixo como se aceitasse o desafio.

O conflito estava traçado: entre a lei e a vingança, entre o dever e o fascínio, entre um jovem policial aparentemente inexperiente e uma mulher sádica que transforma o crime em ritual.

A lâmina cintilava sob o brilho fraco do lampião. Harold tremulo, encostou-se a parede de tijolos, o suor frio escorrendo pela testa.

A dama deu um passo à frente, os olhos fixos no policial.

— Você é jovem demais para entender. Eu faço o que vocês, policiais não têm coragem de fazer.

Edward engoliu em seco, mas mantinha o dedo firme no gatilho da arma já apontada para a dama.

— Não é coragem o que falta – disse a voz firme do policial. — Inexistência de compaixão, empatia e essência humana.

Ela sorriu um sorriso triste, quase elegante, como se fosse a última vez que permitiria fraquejar. Então, num gesto rápido ergueu a lâmina em direção ao banqueiro.

O disparo ecoou pelo beco.

A dama cambaleou, a seda de seu vestido tingindo-se de vermelho. Ainda de pé, olhou para o policial com uma mistura de desprezo e admiração.

— Talvez você seja o único a me deter. E caiu ao chão, a lâmina escapando de sua mão enluvada.

Harold correu para longe, sem agradecer, tropeçando nas pedras molhadas.

Edward aproximou-se do corpo ofegante. A mulher ainda respirava, mas os olhos se apagavam. Não havia medo neles, apenas a calma de quem cumprira parte de sua missão.

Na manhã seguinte os jornais noticiavam:

“Capturada a assassina que aterrorizava Covent Garden e Soho. Conhecida como dama da noite, era mulher da alta sociedade, cujos motivos permanecem envoltos em mistério”.

Mas, Edward sabia a verdade. Ao lembrar o olhar dela, compreendeu que havia algo além do crime, uma luta silenciosa contra a corrupção dos poderosos, travada por mãos que escolheram o sangue ao invés da lei.

E assim, Londres perdia uma enigmática sombra justiceira!

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.

ITÁLIA EM SUSPIROS - Alberto Landi

    ITÁLIA EM SUSPIROS Alberto Landi   A Itália é sempre uma poesia, uma arte esculpida em pedra. Suas cidades refletem a rica histó...