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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Maria Eugênia, a viúva fru-fru - Hirtis Lazarin

 




Maria Eugênia, a viúva fru-fru

Hirtis Lazarin

 

Maria Eugênia saía da butique mais fashion da sua cidade. Pulando de alegria e com um sorriso que rasgava seu rosto, parecia uma criança que acabava de ganhar a primeira viagem à Disney. Uma criança deslumbrada diante das ótimas perspectivas que se abriam bem pertinho dos seus olhos.

Mal conseguia segurar tantas sacolas de compras. O seu motorista levou uma bronca feia, quando várias delas foram parar no meio da rua. Não sei se escaparam das suas mãos ou se ela as soltou de propósito. O homem, distraído e se deliciando nas baforadas do cigarro, não se deu conta da chegada da patroa.   

Ninguém podia imaginar que essa senhora acabara de ficar viúva. Fazia apenas um mês que Otávio estava enterrado. Um casamento de quinze anos. A família acreditava que eram felizes. Sabia de algumas brigas: vozes alteradas, batidas de porta, saídas súbitas da mesa do almoço, mas nada que fosse tão diferente de qualquer outro casal. Usufruíam juntos das regalias que o dinheiro pode oferecer. E o dinheiro, além de sustentar prazeres e emoções sem fim, concede grande poder, neste mundo capitalista que nos cerca.

Cavalheiro e discreto, ninguém desconfiava que Otávio era um homem ciumento e controlador. Maria Eugênia nunca comentou ou reclamou, nem com Helena, sua amiga mais íntima. Era sempre ele quem tomava todas as decisões na vida do casal, inclusive supervisionava as roupas que a esposa deveria vestir. E sempre dava a entender que tudo era amigavelmente compartilhado.

Teria ela medo de perder as regalias, já que vinha de uma família humilde? Cresceu vendo a mãe contando moedas, repartindo um pedaço pequeno de carne entre os três filhos. Nada sobrava e nem era o suficiente para satisfazer a fome das crianças.

A jovem mulher tinha quarenta anos e estava muito bem conservada pelos cosméticos trazidos de Paris. Mas conservar os costumes de casada, ela não queria não. Expulsou a solidão antes mesmo de sua chegada e decidiu pintar a vida com as cores do arco-íris. 

Ela mudou de hábitos. Ela mudou o cabelo. Ela mudou o guarda-roupa, repleto de roupas clássicas e discretas. Declarou-se livre e assumiu o leme do seu barco, pronta pra  dar quantas voltas quisesse dar. 

A transformação causou um rebuliço na família de Otávio, que passou a chamá-la, maldosamente, de “viúva fru-fru”. Os comentários e questionamentos não tiravam o bom humor da moça e não interferiam em seus planos. Sabia que enfrentaria dissabores e, auxiliada por um bom psicólogo, se fortaleceu pra enfrentá-los. Afastou-se de alguns familiares mais radicais e aproximou-se de outros que a entenderam. Na verdade, o apelido pegou e ela até gostava e se identificava como essa tal viuvinha fru-fru.

Mas não demorou tanto tempo assim pra que a sua vida voltasse à calmaria. Afinal de contas, Maria Eugênia era uma mulher responsável e não jogaria suas conquistas, janela afora. Curtir a vida não implica necessariamente em falta de juízo. E ela era uma mulher cheia de juízo e sabia como administrar a vida financeira. Otávio deixou-a muito bem amparada. 

Viajou várias vezes ao exterior, frequentava teatro e restaurantes finos. Fez muitos amigos e não pretendia se envolver emocionalmente tão cedo. E, pra preencher os horários vagos, matriculou-se num curso online de inglês.

Era mais de meia-noite, madrugada de domingo e ela voltava de uma viagem à casa de sua mãe, numa cidadezinha próxima. Trovões e raios acompanhados de vento forte antecederam um temporal inesperado.  Muito rápido e o limpador de para-brisa não dava mais conta. O que se via à frente, era água, e muita água. 

Nessa hora, o medo é inevitável e o mais seguro seria parar no acostamento e esperar. Foi o que ela fez. Minutos depois, o seu carro sofreu uma forte colisão na traseira. Outro motorista, que estava em alta velocidade, derrapou na pista escorregadia e, descontrolado, chocou-se contra o carro de Maria Eugênia. Na sequência, uma forte explosão.

A moça ficou gravemente ferida, resistiu alguns dias de intenso sofrimento, mas não sobreviveu.

Quase um mês após o falecimento, a melhor amiga, Helena, sem acreditar na tragédia, caminhava entre os túmulos do cemitério, carregando, com certa dificuldade, uma placa de bronze.

Maria Eugênia incumbiu-a de uma missão: colocar, na lápide do seu túmulo, uma placa dourada onde se lia:

                                               Aqui jaz a “viúva fru-fru”. 

 

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