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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Renascimento - Adelaide Dittmers

 


Renascimento

Adelaide Dittmers

 

A mulher abriu os olhos lentamente.  Imagens embaçadas turvavam sua visão. Aos poucos foram ficando nítidas.  Aparelhos estavam ligados nela. Um monitor media os batimentos cardíacos.  Onde estava? A confusão atordoou-a.  Tentou levantar um braço e sentiu a picada da agulha, que a alimentava de soro. O movimento acionou a luz, que chamava a equipe médica. Uma enfermeira e um médico apareceram.  Ela os fitou.  Quis perguntar o que estava acontecendo, mas não conseguiu articular as palavras.

Os dois a olhavam com uma expressão de surpresa e entreolharam-se admirados.  Não havia esperança de vê-la voltar.  Apenas se mantinha viva ligada aos aparelhos.  Há três longos anos estava ali depois de uma espécie de síncope após um parto complicado.

O médico colocou a mão no braço da jovem, que fechava e abria os olhos, tentando retomar a consciência. 

— Calma, disse ele com um sorriso comovido.  Está tudo bem!

— Onde estou?

— Você dormiu por um longo tempo.

– Dormi?  Os olhos vagando de um lado para outro para tentar entender o que lhe acontecera.

— Sim. Respondeu, evitando dar mais explicações para não aturdi-la ainda mais. E ficou ao seu lado enquanto a enfermeira saiu apressada para avisar a equipe da UTI e a família.

A notícia incendiou o lugar e se espalhou pelo hospital.

A memória da jovem foi voltando aos poucos de maneira muito confusa. O perigo da eclampsia, o medo do parto, as vozes tentando acordá-la, tudo girava em sua mente. E agora, os médicos a cercavam.  Onde estava a criança? E o marido? Com dificuldade perguntou:

— Meu bebê?

Olhares se cruzaram como flechas.  Tinham que tomar muito cuidado com as respostas.  Um deles disse mansamente:

— Ele está bem! Sua família foi avisada, mas só poderá vê-la amanhã.

— Por quê?

— Será melhor para seu restabelecimento.  Amanhã você estará mais pronta para recebê-los. O seu apagão foi longo.

— Apagão?

— Não se preocupe com isso. O importante é que você está conosco agora.

Ela tentava entender essas meias respostas.  Então o médico perguntou:

— Qual é o seu nome?

— Vera Santos Oliveira.

— Qual é a sua idade?

— Trinta anos.

Ele sorriu.  Tudo estava normalizando. O milagre da vida estava ali diante deles.

No decorrer do dia, foram acompanhando os progressos de Vera e ao fim do dia resolveram contar-lhe o que realmente lhe acontecera. O espanto calou-lhe o rosto e os movimentos.  O médico pousou a mão delicadamente em sua cabeça.

— Parabéns, menina! Bem-vinda de volta à vida!

A voz embargada traia a frieza esperada na profissão. O olhar de Vera sentiu a emoção do homem à sua frente.  Com voz trêmula, sussurrou:

— E meu bebê?

— É uma menina. Tem três anos.

As lágrimas presas encobriram seus olhos e deslizaram suavemente pelas suas faces.

— E meu marido? Meus pais?

— Você os verá, amanhã.

Ela cobriu o rosto com as mãos e os soluços a sacudiram.

O barulho de uma maca a acordou no dia seguinte.  Uma enfermeira anotou seus sinais vitais e desligou os aparelhos que ainda a monitoravam.

— Aonde vocês vão me levar? Perguntou insegura.

— Você passará por uma ressonância e se estiver tudo bem, irá para o quarto.

— Quando vou ver minha família?

— Depois do exame, poderá vê-los.

Eram oito horas, quando foi instalada no quarto. A enfermeira pegou o seu pulso e mediu a pressão. O coração estava acelerado e a pressão tinha subido.  Logo lhe deu uma medicação para baixar sua ansiedade.  Em seguida, levantou a cortina e o sol inundou o lugar.

— O dia está lindo, Vera!

Nesse momento, bateram à porta.  Vera segurou a respiração.  Diante dela, os pais surgiram sorrindo e chorando ao mesmo tempo. O abraço triplo foi longo e incontido. Atrás deles, seu marido segurava a filha assustada. O rapaz aproximou-se, mas a menina agarrava-se a ele.  Vera conteve a vontade de apertá-la em seus braços.  Apesar da forte emoção, sentiu que a pequena precisava de tempo. Ao deter os olhos no marido, percebeu um estranho constrangimento na sua expressão. Como se ele estivesse incomodado com a situação.

Dias se passaram e as visitas constantes dos pais a animavam. A menina vinha com eles, mas se mostrava arredia, o que a enchia de tristeza. O marido não apareceu mais e os pais diziam que estava trabalhando muito.

Finalmente, os médicos anunciaram que poderia ir para casa. A felicidade coloriu seu rosto. Quando os pais chegaram para buscá-la, a primeira pergunta foi:

— Cadê o Walter?

A desconfiança e o medo estamparam-se no olhar ansioso da moça.

Os pais se entreolharam e a mãe segurou as mãos da filha e com voz pousada contou que depois de um ano, em que ela ficou em coma, as esperanças de que ela sobrevivesse eram quase zero e o genro começou a namorar uma moça, que estava com ele até hoje.  Fez uma longa pausa para controlar a respiração e acrescentou que o casal tinha um bebê de quatro meses.

Vera se recostou no sofá.  Uma nuvem de tristeza espalhou-se pelo seu rosto. Eles se amavam tanto.  Como era frágil e fugidio o amor de um homem.

— E a minha filha?

— Mora com eles, mas você pode pedir a guarda dela.    

Vera abraçou a mãe e afastando-se disse comovida.

— Tudo a seu tempo, mamãe! Tenho vocês ao meu lado. Primeiro tenho que retomar minha vida.  Fui forte o suficiente para voltar. Serei forte para recomeçar a viver.       

 

Um comentário:

  1. Helio F. Salema16/08/2024, 12:05

    Adelaide, acabei de ler e estou emocionado com a história. Sensacional!!!

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