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quinta-feira, 4 de junho de 2020

DE REPENTE O FIM. - Do Carmo



Contratar detetive particular é seguro? - Detetive Daniele

DE REPENTE O FIM.
Do Carmo


Depois de muitos anos de convivência, difícil é não perceber a modificação do comportamento do parceiro.  Assim aconteceu com o casal Maria e Eduardo, sempre citados como modelo de amor infinito e fidelidade concreta.

Sem aparente motivo, Maria começou a notar diferentes atitudes nos hábitos do marido, longos momentos de alheamento e desfocados olhares para o nada, passeios solitários e explicações absurdas, por não combinarem com seu temperamento.

Imaginava mil motivos, mas nenhum a satisfazia, pois o amor que os unia há tantos anos, não se enquadrava no contexto  em que viviam.

Sem consultar ninguém, decidiu contratar um detetive particular de grande credibilidade que conheceu pela TV, e secretamente marcou entrevista.

Continuava observando o marido e cada vez mais ficava cismada com as desculpas que ele dava quando ela o questionava sobre as saídas sorrateiras, pois nunca foi frequentador de praças e jardins, dizendo que só desocupados vagavam por esses lugares. Dizia também que estava indo à igrejas, pois começava a sentir falta de religião. Se falasse que frequentava bibliotecas, ela aceitaria uma vez que era amante da leitura. 

Finalmente chegou o tão esperado e ansioso dia do novo encontro com o detetive, quando ele lhe entregaria o relatório de conclusão da investigação.

Maria não sabia o que fazer. Abrir imediatamente o envelope recebido, ou lê-lo no táxi de volta, ou ainda esperar chegar a casa, acalmar-se, se possível, ou ainda deixar para o outro dia, quando estivesse só.  

Dilema do inferno, o que decidir, sentia o calor das lágrimas ardentes prestes a rolar. Sem muito refletir, foi para o quarto, fechou a porta e desabou em lágrimas. 

Não mensurou o tempo passado nesse transe, mas quando resolveu sair, já tinha decidido que esperaria pelo amanhã.

O restante do dia foi o mesmo marasmo.

Na manhã seguinte, a rotina fantasma continuou.

Depois de ler o jornal, Eduardo falou como ultimamente:

- Querida, volto para o almoço.  Saiu.

Imediatamente, Maria vai para o quarto e trêmula de ansiedade e pavor, pega o envelope revelador e sentando-se na poltrona do penteador, rasga-o e retira uma só folha datilografada.

Senhora Maria, tendo cuidadosamente seguido e investigado os passos e comportamentos de seu marido, senhor Eduardo, tenho a informar que todas as explicações dadas pelo seu marido sobre suas idas a igrejas, praças e jardins, são verídicas, como a senhora constata nas fotos. Sempre cabisbaixo e triste, olhar distante, ficando horas sentado nos bancos, algumas vezes balançando a cabeça, passando as mãos no rosto, nos cabelos, como se quisesse espantar pensamentos daninhos.

Totalmente abismada com o resultado tão esperado da investigação, resolve conversar com o marido, francamente, logo depois do almoço.

Como sempre ele chega triste e acabrunhado, prepara-se para almoçar e assim que termina a refeição, levanta-se e sem palavras retira-se para a sala com o jornal na mão.

Muito aflita Maria o segue e senta-se em uma poltrona em frente a ele e com voz embargada pela emoção e pavor pelo que vai ouvir, o questiona:

- Eduardo, o que está acontecendo com você? Em todos esses anos de nosso casamento, nunca o vi tão distante e triste. O que está acontecendo, você não me ama mais?

Tal qual impulsionado por uma mola, Eduardo empertiga-se e aos brados de leão grita:

-Você é a culpada, não me ama mais, age estranhamente como uma folha ao vento, mal fala comigo, não me olha nos olhos com aquela chama azulada do amor, o que você quer que eu sinta? Analisei-me profundamente para descobrir o que fiz para você deixar de me amar, o porquê desse comportamento surdo-mudo, sempre com semblante triste, demonstrando infelicidade, me perguntava, errei onde, Senhor Deus, me esclareça, mostre-me um caminho para voltarmos à vida romântica e feliz que sempre tivemos.

Sem acreditar no que ouvia Maria também se levanta e estendendo os braços e com o rosto de cintilante rubi, banhado em alegres lágrimas de amor, encaminha-se para Eduardo gritando:

-É o fim, felizmente, é o fim!

Paralisado pela explosão de felicidade de Maria, ele desaba na poltrona e com voz rouca de emoção e susto, julgando que ela esteja dizendo que não o  ama mais, desarvorado repete:

– Por que o fim? Então você, realmente, não me ama mais?

Maria, sem entender direito o que Eduardo havia falado, entre soluços felizes e abraços descompassados tentava acalmar-se para poder explicar o que ela imaginava sobre o comportamento dele.

Eduardo disse em tom imperativo:

-Maria, sente-se e fale comigo com clareza, o que realmente você está sentindo ao meu respeito.

Secando as lágrimas, respirando com menos ansiedade, explica que julgava que ele não mais a amasse, e que essas saídas extravagantes, esses lugares que ele dizia ir, antes abominados por ele, visitar igrejas, tudo fora de suas preferências. O silêncio indiferente que usava, para mim era demonstração de desinteresse, falta de amor, fim de um casamento. Querido eu o amo como sempre, e sei que jamais deixarei esse amor morrer, sentia-me muito triste, porque julgava que você não mais me queria.

  Não acredito que houve tanto sofrimento por suposições errôneas. Ah! Que alívio, eu amo você, Maria, sempre irei amá-la. Eu ardia de ciúme, pensando que havia outro homem em seu coração. Como fui idiota. Pensar em um absurdo como esse, conhecendo você como eu conheço não tinha propósito.

E depois de muitos abraços e beijos apaixonados, foram para o quarto e Maria, muito feliz, disse - De repente o fim.

Acordaram abraçados, como há muito não acontecia.


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