A DIFÍCIL VIDA FÁCIL
Adelaide Dittmers
O espocar de fogos de artifício, que riscavam a noite com luzes coloridas de diversas formas e chuvas de ouro e prata, brindava o nascimento de um novo ano, que trazia ao coração dos homens a esperança muitas vezes vã e incerta de dias promissores.
Em uma janela quase apagada, uma mulher já entrada em anos apreciava com um olhar triste e errante o espetáculo, que expulsara o silêncio e a placidez da noite.
Os olhos de sua alma não estavam ali. Vagavam por um passado distante, em que se via em um salão luxuoso sassaricando, bela na flor da mocidade e cortejada por mancebos, que disputavam a vez de com ela girar ao som dos boleros e tangos, que soavam da radiola.
Foi um tempo em que ela brilhava no lupanar da cidade como a mais cobiçada meretriz, atraindo burgueses jovens e velhos para usufruir de seus favores.
Seu rosto se contraiu ao recordar sua queda.
A beleza gasta pela vida. Uma vida que dizem fácil, mas é difícil e efêmera. Controlada por um sacripanta, que a iludiu e a explorou por anos, abandonando-a à própria sorte, quando perdeu seu viço, o que a jogou em um bordel nos confins escuros da cidade e onde ela desceu a escada, degrau por degrau, até chegar ao porão da vida.
Ironicamente, foi uma carraspana, que a levou quase em coma a um hospital, que a salvou daquela pocilga. Lá, um enfermeiro de bom coração apaixonou-se por ela. Com pachorra, aquele homem simples a tirou do fundo do poço em que caíra.
Aquele homem a ensinou a amar e ser amada, tratou com desvelo as feridas mais profundas de seu ser, enterrando a rameira e a fazendo renascer com seu nome de batismo, Cleusa.
E agora, naquela janela, vendo o novo ano chegar com luzes e alegria,
Cleusa se deixou levar pelo caminho duramente percorrido. E a saudade daquele que foi seu salvador
apertou seu coração tão castigado pela vida.
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