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quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Maria e Severino - Hirtis Lazarin


 

Maria e Severino

Hirtis Lazarin

 

O boteco da esquina era onde Severino tomava duas cachacinhas todos os dias, assim que deixava a obra. Seu coração estava preso ali, pois foi ele quem ajudou o amigo a levantar as paredes e a escolher as cores de tinta. A casa ficou bem charmosa.   O moço vivia longe da família, era trabalhador e nem gostava de encrencas, fugia de complicações, não era covarde, só queria viver em paz. Se o outro quer brigar, problema dele, ele não queria. Gostava de ajudar as pessoas.

 

Maria apareceu no boteco pra comprar água. O abastecimento na cidade estava cortado, não era novidade, a falta de chuva esvaziou os reservatórios e todo mundo tinha que contribuir, duas a três horas por dia a água não chegava às torneiras. E quando Maria chegou em casa, depois de um dia de trabalho cansativo, o pote estava quase vazio, não enchia nem um copo. Ninguém é santo e merece ficar com garganta e boca secas. Brigou com a irmã pela displicência, jogou irritada o avental no chão da cozinha, o avental branco que ela cuidava com muito zelo e saiu batendo os pés queria resolver o problema. 

 

O boteco estava vazio, o único cliente no momento era Severino sentado sozinho na menor mesa degustando um pratinho de petiscos junto da cachaça… Ah! Ela não podia faltar, jamais. Não sei se naquele dia, o moço tinha exagerado nas doses ou se a cabeça tinha perdido o juízo porque assim que viu a moça entrar de vestido curto e formas bem arredondadas, deu um pulo macio, aproximou-se e puxou conversa com Maria. Ela levou um susto, nem havia visto o moço e achava que o boteco estava vazio.

 

É difícil acreditar, mas dois meses depois, Severino e Maria se casaram. Bem, ele veio de outro Estado em busca de trabalho; ela perdeu a mãe há meses e andava triste, deprimida. Depois de alguns encontros e algumas conversas em bom-tom resolveram o que fariam juntos. Afinal os dois eram jovens, ele, só dois anos a mais, católicos, frequentavam a igreja de vez em quando, sabiam ler e escrever, não deviam dinheiro a ninguém e queriam ser pais. A única discordância era quanto ao número de filhos.

 

A festa foi feita no salão da “igreja do padre Antonio” e todos pensavam que ele era o dono mesmo. Muita ingenuidade e muita simplicidade, não sabiam a importância do dízimo na vida do pároco. Ele veio da Itália há quase vinte anos e já se considerava um cidadão de Venturosa. Era muito querido, gastava um tempão dando conselhos e sempre deixava o povo usar o salão de festas. E foi por isso que o casal reuniu ali os convidados do casamento, era de graça. E a festa foi boa, não faltou refrigerante, nem doce, nem salgadinho, nem música, tinha muita gente feliz da vida e todos foram abençoados com a graça de Deus.

 

Gente pobre não tem lua de mel, só tiraram uma semaninha por conta própria pra arrumar a nova casa. Nova não, mas era o que podiam ter no momento. E a vida continuou como tinha que ser ou parecia ser.  Maria trabalhava mais que o marido, chegava em casa, tinha comida pra fazer e roupa pra lavar. Não podemos esquecer que Severino trabalhava em obras…  Maria estava apaixonada, Severino não era tão carinhoso quanto ela gostava, mas estava tudo bem, tinha um companheiro e a tristeza pela falta da mãe tinha ido embora.  

 

Todo mundo sabe que a rotina cansa, que fazer todo dia tudo igual, enfastia. Era chegada a hora do casal engravidar. Houve concordância, estavam na flor da idade e uma criança correndo pela casa passou a ser um sonho. E mãos à obra.  Infelizmente não estava dando certo, entra mês, sai mês e nada… Ele acha que o problema era ela e ela acha que o problema era ele. Surgem discussões e brigas, o casal fica dias sem conversar e até dormem em camas separadas. E dormindo brigados e em camas separadas sabiam que não fariam filhos. Engoliam o orgulho e voltavam às pazes, mas a gravidez não acontecia. Passaram por muitos exames médicos, tudo nos trilhos em perfeita saúde. Já estavam desacorçoados.

 

Severino saía do trabalho, parava no boteco, exagerava nas doses de cachaça e chegava bem tarde em casa trançando as pernas. Maria exagerava na comida e ainda mais nos doces para combater a ansiedade. O homem olhava a comida nas panelas, fazia cara de nojo, caía na cama bêbado, barbudo e sujo. Ela ia engordando e ele ia emagrecendo. 

 

A vida do casal estava insuportável. Ela lembrava do marido assobiando feliz da vida e improvisando letras de músicas que não conseguia decorar. Ele lembrava da esposa cheirosa, cabelos cacheados e formas bem redondinhas. E na certeza da impossibilidade da recuperação do que já foi, ele bebia e ela comia.

 

Maria não aguenta mais essa vida. Lembra-se de uma garrafa de conhaque bem escondida debaixo da pia da cozinha atrás de uma lata vazia. Retira-a do esconderijo e as ideias pululam em sua mente, ideias ruins e ideias péssimas. Mistura um pozinho preto na bebida, chacoalha bem muito bem e ele se enrosca na cor caramelo do líquido. Perfeito! Sem querer, já querendo, esquece a garrafa sobre a mesa. Severino chega em casa bêbado por volta das vinte e duas horas. As luzes estão apagadas e mesmo no escuro vai até a cozinha fazer nada. A vista está turva, mas isso não o impede de ver aquela garrafa bonita e brilhante dando sopa.  Agarra-a de qualquer jeito, as mãos trêmulas nem mais o obedecem e deixam a rolha cair, ele cheira demoradamente porque o cheiro é bom. Vira-a na boca e se delicia naquele líquido adocicado. Num segundo, cai na cama e desmaia feito um tronco jogado no rio.

 

Maria dorme, será que dorme?  

 

No meio da madrugada, Severino acorda cheio de náusea com a boca seca muito seca. Apoia as mãos na cama uma, duas, três vezes e se põe em pé. O quarto gira, gira muito e rápido igual a um pião. O moço cai morto no chão frio. O baque é forte, o barulho é estrondoso e a esposa observa o corpo inerte. Chama a polícia e conta a história do seu jeito.  Uma semana depois é presa.

 

Já faz um ano que tudo isso aconteceu.  Maria até já se acostumou com a prisão, a cela não é das piores e a comida é farta e boa. Já engordou quase dez quilos.

 

 

 

O boteco da esquina era onde Severino tomava duas cachacinhas todos os dias, assim que deixava a obra. Seu coração estava preso ali, pois foi ele quem ajudou o amigo a levantar as paredes e a escolher as cores de tinta. A casa ficou bem charmosa.   O moço vivia longe da família, era trabalhador e nem gostava de encrencas, fugia de complicações, não era covarde, só queria viver em paz. Se o outro quer brigar, problema dele, ele não queria. Gostava de ajudar as pessoas.

 

Maria apareceu no boteco pra comprar água. O abastecimento na cidade estava cortado, não era novidade, a falta de chuva esvaziou os reservatórios e todo mundo tinha que contribuir, duas a três horas por dia a água não chegava às torneiras. E quando Maria chegou em casa, depois de um dia de trabalho cansativo, o pote estava quase vazio, não enchia nem um copo. Ninguém é santo e merece ficar com garganta e boca secas. Brigou com a irmã pela displicência, jogou irritada o avental no chão da cozinha, o avental branco que ela cuidava com muito zelo e saiu batendo os pés queria resolver o problema. 

 

O boteco estava vazio, o único cliente no momento era Severino sentado sozinho na menor mesa degustando um pratinho de petiscos junto da cachaça… Ah! Ela não podia faltar, jamais. Não sei se naquele dia, o moço tinha exagerado nas doses ou se a cabeça tinha perdido o juízo porque assim que viu a moça entrar de vestido curto e formas bem arredondadas, deu um pulo macio, aproximou-se e puxou conversa com Maria. Ela levou um susto, nem havia visto o moço e achava que o boteco estava vazio.

 

É difícil acreditar, mas dois meses depois, Severino e Maria se casaram. Bem, ele veio de outro Estado em busca de trabalho; ela perdeu a mãe há meses e andava triste, deprimida. Depois de alguns encontros e algumas conversas em bom-tom resolveram o que fariam juntos. Afinal os dois eram jovens, ele, só dois anos a mais, católicos, frequentavam a igreja de vez em quando, sabiam ler e escrever, não deviam dinheiro a ninguém e queriam ser pais. A única discordância era quanto ao número de filhos.

 

A festa foi feita no salão da “igreja do padre Antonio” e todos pensavam que ele era o dono mesmo. Muita ingenuidade e muita simplicidade, não sabiam a importância do dízimo na vida do pároco. Ele veio da Itália há quase vinte anos e já se considerava um cidadão de Venturosa. Era muito querido, gastava um tempão dando conselhos e sempre deixava o povo usar o salão de festas. E foi por isso que o casal reuniu ali os convidados do casamento, era de graça. E a festa foi boa, não faltou refrigerante, nem doce, nem salgadinho, nem música, tinha muita gente feliz da vida e todos foram abençoados com a graça de Deus.

 

Gente pobre não tem lua de mel, só tiraram uma semaninha por conta própria pra arrumar a nova casa. Nova não, mas era o que podiam ter no momento. E a vida continuou como tinha que ser ou parecia ser. 

Maria trabalhava mais que o marido, chegava em casa, tinha comida pra fazer e roupa pra lavar. Não podemos esquecer que Severino trabalhava em obras…  Maria estava apaixonada, Severino não era tão carinhoso quanto ela gostava, mas estava tudo bem, tinha um companheiro e a tristeza pela falta da mãe tinha ido embora.  

 

Todo mundo sabe que a rotina cansa, que fazer todo dia tudo igual, enfastia. Era chegada a hora do casal engravidar. Houve concordância, estavam na flor da idade e uma criança correndo pela casa passou a ser um sonho. E mãos à obra.  Infelizmente não estava dando certo, entra mês, sai mês e nada… Ele acha que o problema era ela e ela acha que o problema era ele. Surgem discussões e brigas, o casal fica dias sem conversar e até dormem em camas separadas. E dormindo brigados e em camas separadas sabiam que não fariam filhos. Engoliam o orgulho e voltavam às pazes, mas a gravidez não acontecia. Passaram por muitos exames médicos, tudo nos trilhos em perfeita saúde. Já estavam desacorçoados.

 

Severino saía do trabalho, parava no boteco, exagerava nas doses de cachaça e chegava bem tarde em casa trançando as pernas. Maria exagerava na comida e ainda mais nos doces para combater a ansiedade. O homem olhava a comida nas panelas, fazia cara de nojo, caía na cama bêbado, barbudo e sujo. Ela ia engordando e ele ia emagrecendo. 

 

A vida do casal estava insuportável. Ela lembrava do marido assobiando feliz da vida e improvisando letras de músicas que não conseguia decorar. Ele lembrava da esposa cheirosa, cabelos cacheados e formas bem redondinhas. E na certeza da impossibilidade da recuperação do que já foi, ele bebia e ela comia.

 

Maria não aguenta mais essa vida. Lembra-se de uma garrafa de conhaque bem escondida debaixo da pia da cozinha atrás de uma lata vazia. Retira-a do esconderijo e as ideias pululam em sua mente, ideias ruins e ideias péssimas. Mistura um pozinho preto na bebida, chacoalha bem muito bem e ele se enrosca na cor caramelo do líquido. Perfeito! Sem querer, já querendo, esquece a garrafa sobre a mesa. Severino chega em casa bêbado por volta das vinte e duas horas. As luzes estão apagadas e mesmo no escuro vai até a cozinha fazer nada. A vista está turva, mas isso não o impede de ver aquela garrafa bonita e brilhante dando sopa.  Agarra-a de qualquer jeito, as mãos trêmulas nem mais o obedecem e deixam a rolha cair, ele cheira demoradamente porque o cheiro é bom. Vira-a na boca e se delicia naquele líquido adocicado. Num segundo, cai na cama e desmaia feito um tronco jogado no rio.

 

Maria dorme, será que dorme?  

 

No meio da madrugada, Severino acorda cheio de náusea com a boca seca muito seca. Apoia as mãos na cama uma, duas, três vezes e se põe em pé. O quarto gira, gira muito e rápido igual a um pião. O moço cai morto no chão frio. O baque é forte, o barulho é estrondoso e a esposa observa o corpo inerte. Chama a polícia e conta a história do seu jeito.  Uma semana depois é presa.

 

Já faz um ano que tudo isso aconteceu.  Maria até já se acostumou com a prisão, a cela não é das piores e a comida é farta e boa. Já engordou quase dez quilos.

 

 


domingo, 25 de agosto de 2024

PANTANAL - Adelaide Dittmers

 



PANTANAL

Adelaide Dittmers

 

 

Éramos um grupo de oito homens, acompanhados por um guia experiente, desbravando a mata fechada do Pantanal.  Sonho antigo de ver e viver as belezas daquela região única.

Caminhávamos lentamente por uma estreita trilha, rodeada por uma vegetação baixa e grandes árvores, quando, subitamente, uma cobra jaracuçu cruzou o nosso caminho no seu rastejar lento e sinuoso. Estacamos respeitosamente para deixá-la passar. A beleza de suas cores nos fascinou.

O desafio da aventura dominava todos nós.  Cuidado e excitação transbordavam de nossos olhares. O que iríamos encontrar à nossa frente. Área de rica fauna e características diferentes, uma joia natural brasileira.

Continuamos nossa caminhada apreciando o entorno, saboreando o cheiro da floresta e seus tons mutantes. Depois de andarmos por um bom tempo, a floresta se abriu e lagoas, que brilhavam à luz do sol apareceram diante de nós.  Elegantes tuiuiús se refrescavam em suas águas límpidas. O canto do uirapuru desceu de uma árvore em um concerto da natureza.

Nem o calor quase insuportável e o clima extremamente seco nos faziam desistir de prosseguir por aquele lugar mágico.  Parávamos várias vezes para observar o voo de um tucano-toco ou a corrida de um veadinho assustado ao nos ver.

A cada passo, algo nos chamava a atenção, o que provocava um sorriso em nosso guia.

O barulho de águas turbulentas chegou aos nossos ouvidos e, mais adiante, um rio borbulhava suas águas, escondendo vorazes piranhas e às suas margens, jacarés imóveis aproveitavam o calor do sol.

Sentamos para descansar e colocando nossas mochilas no chão, aproveitamos para abri-las e tirar alimentos para matar a fome e a sede, naquela tarde ardente.  Restabelecidos seguimos, entusiasmados em encontrar novas surpresas.

Um tamanduá-bandeira passou por nós em disparada.  Estranhamos, porque geralmente são animais calmos. O guia balançou a cabeça em silêncio.  Parecia estar avaliando aquela atitude do animal, mas continuou em frente.

De repente, o crepitar da vegetação nos chegou aos ouvidos. O guia parou. Seu rosto se contraiu e ele disse precisarmos voltar imediatamente, porque a floresta estava queimando. O susto fez minha respiração parar. Meus companheiros se olharam aterrorizados.

Nesse momento, uma fagulha começou a arder em uma árvore próxima.  Em segundos, o galho foi tomado pelo fogo, espalhando-se pela árvore. O fogo era amedrontador, crescia com muita rapidez, as labaredas estalavam, em um ritmo rápido e se agigantavam bem perto de nós.

Como se tivéssemos sido empurrados pelo nosso terror, corremos velozmente na direção em que viemos.  Ao longo da correria, fomos nos livrando de nossas mochilas para correr o mais rápido possível.  As pesadas botas fizeram um companheiro tropeçar e cair.  Ajudamos a levantá-lo e continuamos nossa desvairada corrida. A fumaça começou a nos sufocar.  Tiramos as camisas para cobrir a boca e o nariz. 

Bocas aberta à procura de oxigênio, chegamos ao rio. O guia ligou para pedir socorro.  Para aliviar o calor do incêndio nos atiramos nas águas. O pavor endureceu meu corpo e raciocínio. As chamas na floresta pareciam alcançar o céu. O cheiro do fogo tomava tudo à nossa volta.

Subitamente, uma onça apavorada saiu da mata em direção ao rio. O guia com rapidez e destreza disparou um dardo para adormecê-la.  Ela caiu.  Aproximamo-nos dela e a molhamos.  Tinha uma das patas feridas.

Quando estávamos perdendo a esperança de nos salvarmos, o ronco de um motor atraiu nossa atenção. Um grande helicóptero parou e pairou no ar. Um cabo foi baixado. Passamos em volta do corpo da onça com muito cuidado e o belo animal foi o primeiro a ser içado.

Aos poucos, um a um foi levado ao helicóptero. A tensão ao sermos puxados para cima contrastava com o alívio de estarmos sendo resgatados.

Em baixo, o fogo se alastrava, queimando impiedosamente aquele paraíso verde. O helicóptero subiu mais para se livrar da intensa fumaça, que subia pelo ar.

Na aeronave, o silêncio nos abocanhou por uns minutos. Depois, fomos nos recuperando do choque e nos abraçamos comovidos. Durante o voo, aproximei-me da onça desacordada.  Passei a mão em sua cabeça. Conseguimos salvá-la, mas quantos outros animais morreriam…  Um arrepio percorreu-me ao pensar na destruição, que acontecia naquela região tão singular, abrigo de tantos animais e de um ecossistema tão rico.

Lágrimas amargas queimaram meus olhos.  Minha garganta ardeu como tivesse sido atingida pelo fogaréu. O espanto espelhava-se em cada semblante. A incredulidade estampada em cada olhar.

E naquele momento pensei com tristeza, como o homem pode ser capaz de destruir a própria casa em que vive.

 

O SEQUESTRO - Dinah Ribeiro de Amorim

 

 




O SEQUESTRO

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Amy Lancaster, famosa modelo americana, destaca-se muito no meio da moda pela sua beleza e porte. Cria tanta fama que recebe convite para participar como convidada especial numa famosa exibição de moda, em Paris.

É o sonho de toda modelo, tornar-se de fama internacional, principalmente, em Paris, o mundo da moda.

A empresa que a contrata, na América, estabelece contatos com a equipe em Paris, reservando-lhe o melhor hotel da cidade e outras mordomias.

Amy, vaidosa, sente-se, finalmente, realizada. Consagrou-se, após muito treino e esforço.

Ao chegar a Paris, seu coração acelera, só ao avistar as lindas paisagens.

É o sonho que se realiza, após tantas fantasias imaginadas, a esse respeito.

Acompanhada de duas amigas, também modelos, descansa no quarto de hotel, até serem chamadas para fotos e ensaios do desfile.

Em Paris, o mundo da moda é lindo, de fama mundial, sendo os rumores e as intrigas costumeiras, internas, sabiamente não divulgadas.

Iriam desfiar duas equipes, com suas modelos e inovações: a formada pelo famoso Lui Le Blanc, antigo, de conhecimento mundial, mas considerado, por muitos, já ultrapassado e, Maurice Coteaux, um novato, exibicionista, que ameaça derrubar o colega.

Como em toda profissão, existe a inveja, o poder, a briga, a conquista pela soberania que, se necessário, poderá chegar às brigas e às loucuras.

Apesar das novas modelos convidadas, serem bem guardadas, com acompanhantes e guardas secretos, existe a preocupação de sofrerem qualquer desagravo. Vieram para desfilar para Lui Le Blanc e são guardadas pela equipe dele, apesar dos muitos serviçais infiltrados em sua empresa, para espionarem as atividades, a serviço de Maurice Coteaux.

Claro que Amy e as amigas não sabem disso. Paris representa o ideal delas, em assunto de moda e nada de perigo as perturba e as acomete.

Uma tarde quente, não prevista, invade Paris. Amy, vendo que estão sem água gelada, enquanto as amigas dormem, sai ao corredor à procura de gelo, com alguma camareira de plantão. Parece que todos dormem devido ao calor.

Não a encontra. Percorre, curiosa, os arredores do belíssimo hotel, cheio de detalhes do tempo dos reis de França. Admira-se com quadros e enfeites, distraída, quando é agarrada, bruscamente, por braços fortes que lhe prendem as mãos e, antes que consiga gritar, colocam um tampão em sua boca. Sente-se empurrada para uma porta de saída e, antes que emita algum som, fazem-na adormecer com algo que lhe dão para cheirar.

Adormecida, é colocada em um carro que sai às pressas, antes que alguém os aviste.

Pobre Amy, acorda algumas horas depois, sonolenta, prisioneira, colocada numa cama malcheirosa, num quarto pequeno, que revela o lado pobre de Paris.

Muito assustada, trêmula, pergunta ao rapaz feio, de boné preto, que toma conta dela, onde está? Por que fizeram isso?

Ele não responde. Pensa nas amigas do seu quarto. Será que darão por sua falta?

As modelos que ficaram dormindo, acordam e, assustadas, descobrem que Amy não está. Tentam avisar a guarda do hotel, a empresa que as contratou, e também a polícia.

Logo, o quarto delas é invadido por policiais, investigadores, jornalistas, querendo mais informações e novidades sobre esse famoso rapto.

Lui Le Blanc, o famoso estilista que a contratou, descabelado e eufórico, tem uma leve desconfiança do acontecido. Maurice Coteaux deve estar por trás desse rapto. Não quer que seu nome apareça mais que o dele. É capaz de tudo por ambição e exibir seu nome.

A sujeira da bela moda e dos desfiles caríssimos também existe em Paris.

Aconselhado pelo advogado, resolve suspender o dia do desfile, até encontrarem a linda modelo Amy Lancaster. Não haverá mais nenhuma exibição, e tranca-se em seu escritório.

Os jornais e revistas noticiam o fato e a polícia de Nova Iorque é chamada para auxiliar a investigação.

As notícias pela televisão só falam nisso e até Amy, prisioneira, fica ouvindo sobre o seu rapto. Se pudesse se comunicar com eles, de algum modo, como seria bom.

O rapaz que está com ela, tomando conta, impede que fuja, mas não parece muito ruim de todo. Serve-lhe as refeições, arruma-lhe a cama para dormir, olha-a às vezes, com curiosidade. Parece entender de moda também.

Amy pergunta seu nome e chama-se Gilbert, natural de Givenchy, a terra de Monet. Como ele, gosta também de pintura.

Amy aproveita a arte para que ele se abra mais e converse com ela. Gilbert acaba confessando sua paixão por pintura e ter entrado na moda como auxiliar de Maurice, por falta de dinheiro. Confessa também que foi raptada para não brilhar no desfile de Lui, o grande rival que a contratou, sendo achada logo após, e devolvida à América. Ele e seus companheiros receberiam muita grana com o seu rapto e fugiriam de Paris, auxiliados, antes que alguém os descobrisse.

Amy começa a arquitetar um plano de fuga dali, após a conversa com o rapaz, que se torna amigável.

Ouve, por uma fresta da janela, os sinos que tocam, várias vezes ao dia, então deduz que está próxima à matriz Notre Dame. Pela mesma fresta, consegue ver os contornos da Torre Eifel, está próxima ao centro, não muito longe do hotel.

Percebe que muitos passantes caminham por ali. Seria fácil jogar algum bilhete na rua ou uma bola de papel neles. Como conseguir escrever algo?

Gilbert, enquanto toma conta dela, desenha o tempo todo. Tem papel e lápis. Deve estar desenhando seu rosto, percebe porque ele a olha, ocasionalmente.

Amy tem uma ideia. Embebedá-lo, atraí-lo, quem sabe consegue pegar o papel e jogá-lo pela janela.

Numa estante velha, jogada num canto, percebe uma garrafa de rum.

Fazendo-se tristonha e chorosa, convence o rapaz a tomarem uma bebedeira, já que estão juntos e ficarão lá algum tempo.

Gilbert cheira a garrafa e acha que ficarão mal, é muito velha.

Não faz mal, afirma categórica Amy, rum não estraga, quanto mais velho, melhor. E os dois entram na bebedeira. Ela toma cuidado para não cair em exagero, derrama um pouco na roupa, que fica cheirando álcool.

Gilbert, exagera, sentindo-se meio liberto da culpa que anda a sentir e Amy apanha disfarçadamente o retrato e joga pelo buraco do vidro da janela, feito um canudo.

O papel é encontrado, reconhecido por uma senhora idosa que vê muito a televisão. Entrega-o ao guarda da rua que, imediatamente, o leva à delegacia. A senhora informa onde o encontrou.

Pelo barulho, Amy entende que a descobriram e espera a sua liberdade. Gilbert, sonolento e bêbado, nem percebe quando o carregam, após abrirem a porta do quarto.

A modelo famosa torna-se mais famosa ainda, depois que é liberta.

Gilbert é preso e obrigado a revelar seu mandante, Maurice Coteaux, o invejoso, afastado do desfile e obrigado a se defender da acusação de rapto.

Acontece o desfile de Lui Le Blanc, com muita pompa e modelos famosos. Ainda é a coqueluche de Paris.

A carreira de Amy se desenrola muito, após isso, que percorre o mundo todo.

 

UMA NOITE NA ARENA DE VERONA - Alberto Landi

 



UMA NOITE NA ARENA DE VERONA

Alberto Landi

 

Era uma noite mágica em Verona e a lua cheia iluminava a cidade antiga.

Curioso, decidi explorar a famosa Arena, um magnífico anfiteatro romano que resistiu ao tempo.

Ao entrar, fiquei maravilhado com as imensas pedras que formavam as arquibancadas.

O som da multidão ecoava nas paredes, como se o próprio passado estivesse vivo.

Os habitantes da cidade se reuniram para assistir um espetáculo grandioso: uma peça teatral que contava as histórias de heróis e deuses da mitologia romana.

O ar estava carregado de expectativas enquanto as pessoas se acomodavam em seus lugares, vestindo trajes coloridos da época.

Encontrei um lugar próximo ao centro, onde poderia sentir toda a energia da apresentação.  

À medida que as luzes se apagavam, um silêncio reverente tomou conta da Arena. Os atores surgiram sob a luz das tochas, trajando roupas elaboradas que brilhavam à luz da chama.

A história começou a se desenrolar diante de meus olhos: guerreiros lutando por honra, damas em busca do amor e reinos em conflito. A atuação era tão intensa que parecia que os próprios deuses estavam presentes.

Deixei-me levar pela emoção da cena, sentindo cada golpe, cada suspiro como se fizessem parte da minha própria vida. O calor das tochas aquecia meu rosto e o cheiro do incenso perfumava o ar, transportando para aquele mundo distante.

No intervalo, observando os outros espectadores, notei que havia comerciantes, nobres e camponeses. Todos unidos pela paixão do teatro. As histórias compartilhadas entre risadas e sussurros criavam uma conexão imediata entre todos. 

Um sábio contador de histórias nos disse:

— A arena não é apenas pedra, é o coração pulsante de Verona!

Quando a peça recomeçou, estava ainda mais atento à experiência.

As batalhas eram representadas com tanta habilidade que parecia sentir a adrenalina correr nas veias. O clímax do espetáculo trouxe lágrimas aos olhos de muitos, uma cena poderosa onde os amantes eram separados pela guerra.

Ao final da apresentação, a multidão explodiu em aplausos ensurdecedores.

Levantei-me com todos os outros, coração batendo forte, com a emoção do momento. Os atores fizeram uma reverência profunda agradecendo ao público por compartilhar aquele instante mágico na histórica Arena de Verona.

Na saída, sob o brilho das estrelas, senti que havia sido parte de algo muito maior do que apenas uma apresentação teatral.

Aquela noite ficou gravada em minha memória para sempre - um testemunho da beleza do teatro e da capacidade humana de contar histórias que transcendem o tempo.

Verona não é apenas uma cidade, mas um lugar onde o passado e presente se entrelaçam em um espetáculo majestoso e eterno.

 


segunda-feira, 19 de agosto de 2024

HELENA - Pedro Henrique

 



HELENA

Pedro Henrique

 

     Perigo. Sim, perigo é com essa palavra de significado forte que abro este texto. Pois esta história é perigosa. Sempre me questionei por que os homens são sedentos por dinheiro e poder. Acho que até o dia de minha morte não reunirei em mim sequer uma argumentação que legitime essa prática.

     Não compactuo com a idolatração do que é material. Para mim, devemos nos atentar ao interno, aos valores, àquilo que ouro e prata nenhum compram. Vocês devem se perguntar neste momento o motivo de eu estar expondo minha opinião sobre o que penso do amor ao capital, porém lhes adianto que não se preocupem, tudo será esclarecido.

     Sou um narrador metódico. Meu nome? Bom, não sou afeiçoado a revelar minha identidade, gosto mesmo é de residir no anonimato. Sobre esta história, acho que já lhes disse muito, senão tudo, exceto pela crueldade que aqui habita. Eu mesmo gosto de me prevenir do mal. Você não? Ah, temos de ter muito cuidado, caro leitor, o mundo está rodeado de demônios famintos por almas ingênuas. Isso posto, começarei a contar o que vim contar.

     Então, essa história começou na cidade de Goiânia, quando Daniel Afonso Melo Cardoso repousou seus olhos em uma moça que passava bem à sua frente, enquanto esperava seu voo para São Paulo.

     A mulher tinha cabelos negros longos, olhos que cintilavam um brilho angelical e um jeito cativante de ser. Daniel encarava cada centímetro do seu corpo, querendo memorizar cada detalhe.

     A moça parecia um tanto perdida. Olhava de um lado para o outro sem saber o que fazer. Daniel rapidamente raciocinou, percebeu haver na moça tudo o que procurava, e, assim, levantou-se em um pulo só e foi em direção a ela. Foi aí, neste exato momento que o diabo selou tudo.

     — Posso ajudá-la?

     A moça o encarou por um breve momento, e uma espécie de magnetismo se instalou entre ambos.

      — Estou perdida, não sei o que fazer. Meu voo era para ter saído agora, porém foi cancelado. Meus pais estão à minha espera, hoje é aniversário da minha mãe, pensei que chegaria a tempo, porém…

     Daniel investigou com seus olhos de caçador e seu faro felino tudo que podia acessar sobre a moça que estava em sua frente. Notou a ingenuidade que pairava sobre ela, e não me refiro somente ao vestido florido, típico daqueles que vemos quando vamos a uma feira, mas à sua maneira de falar, de olhar, de ser…

     Não sei se foram esses traços que chamaram a atenção de Daniel. Contudo, posso afirmar-lhes que ele viu algo nela. Algo que gostava, que queria, que sabia que lhe seria de grande valia.

     — Ah, me perdoa. Nem perguntei seu nome e já lhe joguei um monte de informações sobre a minha vida.

     — Não tem problema. Me chamo Daniel.

     — Daniel?

     — Sim, Daniel.

     — Que nome bonito.

     — Obrigado!

     — E você, como se chama?

     — Helena.

     — Helena.

     Repetiu Daniel, degustando cada uma das sílabas que constituíam “Helena”. O rapaz se encantou ainda mais pela mulher, pensando o quão divertido era encontrar uma pessoa que se parecia com o nome.

     Os dois ficaram conversando por um bom tempo até o horário do voo de Helena chegar. Daniel deu algumas instruções para ela sobre como lidar com a cidade grande e com essas situações que, vez ou outra, nos surpreendem.

     A chamada para o voo de Helena soou.

     — Tenho que ir.

 

 

 

     Ambos se abraçaram, e Daniel viu ali naquele momento a possibilidade de lhe dar um beijo, entretanto não foi tão ousado e só a beijou na bochecha. Helena pareceu ter gostado do beijo, sorriu para Daniel e seguiu seu caminho em direção ao avião.

     Mais tarde, a chamada para o voo de Daniel também soou. Ele entrou no avião, tomou seu assento e ficou pensando: quem é aquela mulher? Ficou fascinado pela estranha que acabara de conhecer. Algo rugia dentro dele por mais informações a respeito de Helena. Porém, se acalmou quando lembrou que havia deixado o seu e-mail com ela. Se questionava se ela realmente escreveria para ele, mas não havia nada que pudesse fazer a não ser confiar e esperar.

     Pensou que o destino não dá ponto sem nó, e acertou. Passadas três semanas, chega um e-mail no computador de Daniel. Ele, rapidamente, sabia de quem se tratava. Helena lhe disse no corpo do texto que não se esqueceu dele, agradeceu mais uma vez por toda a ajuda prestada naquele momento conflitante que passou, e disse que talvez o destino a tenha feito perder o voo para conhecer um homem tão agradável como ele. Disse que sente saudades e que roga aos céus para poderem se encontrar outra vez.

     Daniel se sentia vitorioso por Helena não o ter esquecido. Ele a retorna e diz que ela não precisa se preocupar, que ele teria feito aquilo com qualquer outra pessoa que estivesse naquela situação, e diz que, de fato, o destino pode tê-los feito se encontrar.

     Fala que foi um prazer conhecer uma mulher tão bonita e cheirosa como ela. Fala que também roga aos céus para que se encontrem outra vez. Ele pensa em propor algo, como talvez ir para a cidade onde ela mora para jantarem juntos, mas fica com medo e acha melhor não. Pensa: “ainda não”.

     Horas depois, Helena responde dizendo que talvez eles devessem se encontrar, que talvez devessem sair para beber alguma coisa. Revela que estará de novo em Goiânia no próximo mês. Daniel fica surpreso e alegre, respondeu à Helena que seria um prazer encontrá-la. Propõe irem a um restaurante que ele frequenta bastante e que acha ser o local ideal para terem um primeiro encontro.

     Helena aceita, e 23 dias depois, ambos estão sentados em um dos locais mais chiques da cidade de Goiânia, degustando do vinho mais caro que a casa tem a oferecer, comendo dos melhores pratos, cujos nomes são tão complexos que nem sei pronunciar. Helena, confessou-lhe que tem uma pequena loja onde vende itens de costura e disse que nunca esteve em um lugar tão bonito.

     Daniel se manifestou indiferente ao relato da moça; só queria uma coisa dela e sabia que em breve conseguiria. Todavia, pensou que deveria revelar algo seu, portanto disse a moça que era corretor de imóveis rurais. Ela achou interessante sua profissão.

     — Que bacana.

     Daniel olhava para ela não só com desejo e interesse; também havia fervura, havia ambição. Os dois conversaram sobre suas idealizações para o futuro, sobre suas opiniões políticas, suas ideologias, seus princípios; conversaram sobre que carro queriam ter dali a cinco anos, onde queriam morar, onde queriam se casar e como.

     — Penso em um vestido longo, lindo, detalhado por belas rosas de renda que se estendem por todo o vestido. Penso também em me casar na igreja do Padre Joaquim.

     Ele é quem faz todos os casamentos lá na minha cidade. Daniel se interessa em imaginar Helena do jeito que ela acabara de se descrever para ele. Idealiza que seria interessante desposá-la, entretanto, sabe que é um rato sujo, sem moral, caráter e ética. Seria até um crime ele pensar em tal coisa.

     Casamento é algo sagrado. Algo que deve ser respeitado, coisas estas que ele desconhece. Não achem que sou exagerado; já, já, poderão ter ciência da indignação que percorre com ódio mortal as minhas veias.

     O jantar termina e ambos têm uma decisão difícil a tomar. A chama do calor que ultrapassa os séculos chega até os dois com fúria. Daniel decide apresentar seu apartamento a Helena. Ele apresenta não só o apartamento, mas também a sua cama, seu corpo, apresenta tudo aquilo que lhe foi ensinado pelo pai, pelo tio e pelo irmão.

     As horas se passam e a vida mostra a Helena que isto aqui não é uma peça shakespeariana, mas sim lamaçal, chorume, crueldade, solidão, realidade…

     Helena acorda em um lugar completamente diferente daquele em que fechara seus olhos.

     Viu-se num quarto completamente imundo, as mãos algemadas numa alça fixada à parede. Ela grita, ela chora, ela brada, mas é como se estivesse conversando com a parede. Parecia que algo a consumia por dentro, como uma chama, que queima tudo que vê.

     Não falo de pavor, pois tal sensação pode ser mensurável. Falo do sentimento de se defrontar com a camada mais áspera e medonha da maldade. Falo de olhar o diabo nos olhos e sentir suas garras adentrando sua garganta, falo do desespero de saber que o preparado para você é o maligno.

     Pense, leitor, se coloque no lugar de Helena, olhe para ela. Ela é você. Você está preso, você grita, você clama, você roga. Ouça o que seu coração lhe diz, ele fala o quê? Revela que está histérico? Temeroso? Conta-lhe que não aguenta nem sequer o peso da própria pele? Diz que anseia cravar as unhas no corpo e arrancá-la? Diga-me, leitor. O que te diz. Conta-lhe que sabe e por saber amaldiçoa a vida? Conta-te de medo? De receio? De raiva? Confidencia-lhe que prefere a morte ao invés do destino?

      Ah… Está assustado, caro leitor? Não fique, o pior ainda está por vir.

     As horas passam e um homem entra em seu quarto. Quando os olhos de Helena repousam sobre aquele ser, a incredulidade espanca seu corpo.

     — Não, não. Seu maldito. Maldito.

     — Oi, princesa. — Daniel se aproxima e acaricia o rosto de Helena, que hesita com nojo, como quem ingeriu o vômito, ao seu toque.

     — Tira a mão de mim. Desgraçado. Onde eu estou? Que lugar é esse?

     — Seu novo lar.

     — O quê? Me tira daqui agora. Me tira daqui. Seu desgraçado. Infeliz. Maldito. Maldito.

Daniel ri de Helena. Ele se levanta e dá um violento tapa no rosto da moça.

     — Cale a boca. É melhor se preparar, porque já, já, você começará. E é bom você não fazer besteira, sua puta. Ai de você se o cliente não gostar.

     Helena olha para Daniel apavorada, assustada, amedrontada. Não demora muito para as lágrimas se encontrarem com seu rosto outra vez. Ela se questiona com ódio de como pôde ter sido tão ingênua, tão burra.

     Daniel se retira do quarto rindo e debochando da moça. Não demora muito para Helena começar a sentir seu corpo débil, como se ele não obedecesse aos comandos de seu cérebro. Ela tenta buscar na memória algo, mas não encontra nada. A única coisa que vem é uma imagem ininteligível de alguém lhe aplicando um medicamento.

     Depois, com muita dificuldade, tenta buscar outra imagem, e vê alguém lhe dando um murro no rosto. Tenta reconhecer o rosto de quem o fez e se ira quando consegue.

     — Maldito.

     Ela grita mais uma vez, mas não há nada que possa fazer. Clama aos céus por uma gota de misericórdia, porém nada lhe é dado. Sempre digo que o que há na vida é senão dor. Não há quem consiga fugir desse sentimento. Sempre me questionei até onde a maldade humana iria. Até onde a perversidade de um homem seria capaz de chegar por ambição, por dinheiro.

     Disse-lhes que esta história era perigosa, adiantei-lhes sobre o mal que habita no coração do homem. Acreditais? Bom, espero que sim. Ah, coitada dessa moça.

     Não sei se tenho estômago para narrar o que acontecerá com ela, não me culpem, tenho em mim a humanidade, entretanto preciso dar o xeque-mate, preciso terminar esta história.

     A porta do quarto se abre e um homem alto e obeso, com tatuagens de demônios e animais que cobrem todo o seu rosto e corpo, entra. Ele fecha a porta e se aproxima da moça, retirando o cinto. Helena grita. Grita. Grita. E compreende ali, naquele momento, que não existe piedade, nem compaixão, que o que habita no mundo é a inevitável perversidade.

 

PROJETO MEU ROMANCE INVESTIGATIVO - O DETETIVE MORAIS - HENRIQUE SCHNAIDER

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