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segunda-feira, 19 de agosto de 2024

HELENA - Pedro Henrique

 



HELENA

Pedro Henrique

 

     Perigo. Sim, perigo é com essa palavra de significado forte que abro este texto. Pois esta história é perigosa. Sempre me questionei por que os homens são sedentos por dinheiro e poder. Acho que até o dia de minha morte não reunirei em mim sequer uma argumentação que legitime essa prática.

     Não compactuo com a idolatração do que é material. Para mim, devemos nos atentar ao interno, aos valores, àquilo que ouro e prata nenhum compram. Vocês devem se perguntar neste momento o motivo de eu estar expondo minha opinião sobre o que penso do amor ao capital, porém lhes adianto que não se preocupem, tudo será esclarecido.

     Sou um narrador metódico. Meu nome? Bom, não sou afeiçoado a revelar minha identidade, gosto mesmo é de residir no anonimato. Sobre esta história, acho que já lhes disse muito, senão tudo, exceto pela crueldade que aqui habita. Eu mesmo gosto de me prevenir do mal. Você não? Ah, temos de ter muito cuidado, caro leitor, o mundo está rodeado de demônios famintos por almas ingênuas. Isso posto, começarei a contar o que vim contar.

     Então, essa história começou na cidade de Goiânia, quando Daniel Afonso Melo Cardoso repousou seus olhos em uma moça que passava bem à sua frente, enquanto esperava seu voo para São Paulo.

     A mulher tinha cabelos negros longos, olhos que cintilavam um brilho angelical e um jeito cativante de ser. Daniel encarava cada centímetro do seu corpo, querendo memorizar cada detalhe.

     A moça parecia um tanto perdida. Olhava de um lado para o outro sem saber o que fazer. Daniel rapidamente raciocinou, percebeu haver na moça tudo o que procurava, e, assim, levantou-se em um pulo só e foi em direção a ela. Foi aí, neste exato momento que o diabo selou tudo.

     — Posso ajudá-la?

     A moça o encarou por um breve momento, e uma espécie de magnetismo se instalou entre ambos.

      — Estou perdida, não sei o que fazer. Meu voo era para ter saído agora, porém foi cancelado. Meus pais estão à minha espera, hoje é aniversário da minha mãe, pensei que chegaria a tempo, porém…

     Daniel investigou com seus olhos de caçador e seu faro felino tudo que podia acessar sobre a moça que estava em sua frente. Notou a ingenuidade que pairava sobre ela, e não me refiro somente ao vestido florido, típico daqueles que vemos quando vamos a uma feira, mas à sua maneira de falar, de olhar, de ser…

     Não sei se foram esses traços que chamaram a atenção de Daniel. Contudo, posso afirmar-lhes que ele viu algo nela. Algo que gostava, que queria, que sabia que lhe seria de grande valia.

     — Ah, me perdoa. Nem perguntei seu nome e já lhe joguei um monte de informações sobre a minha vida.

     — Não tem problema. Me chamo Daniel.

     — Daniel?

     — Sim, Daniel.

     — Que nome bonito.

     — Obrigado!

     — E você, como se chama?

     — Helena.

     — Helena.

     Repetiu Daniel, degustando cada uma das sílabas que constituíam “Helena”. O rapaz se encantou ainda mais pela mulher, pensando o quão divertido era encontrar uma pessoa que se parecia com o nome.

     Os dois ficaram conversando por um bom tempo até o horário do voo de Helena chegar. Daniel deu algumas instruções para ela sobre como lidar com a cidade grande e com essas situações que, vez ou outra, nos surpreendem.

     A chamada para o voo de Helena soou.

     — Tenho que ir.

 

 

 

     Ambos se abraçaram, e Daniel viu ali naquele momento a possibilidade de lhe dar um beijo, entretanto não foi tão ousado e só a beijou na bochecha. Helena pareceu ter gostado do beijo, sorriu para Daniel e seguiu seu caminho em direção ao avião.

     Mais tarde, a chamada para o voo de Daniel também soou. Ele entrou no avião, tomou seu assento e ficou pensando: quem é aquela mulher? Ficou fascinado pela estranha que acabara de conhecer. Algo rugia dentro dele por mais informações a respeito de Helena. Porém, se acalmou quando lembrou que havia deixado o seu e-mail com ela. Se questionava se ela realmente escreveria para ele, mas não havia nada que pudesse fazer a não ser confiar e esperar.

     Pensou que o destino não dá ponto sem nó, e acertou. Passadas três semanas, chega um e-mail no computador de Daniel. Ele, rapidamente, sabia de quem se tratava. Helena lhe disse no corpo do texto que não se esqueceu dele, agradeceu mais uma vez por toda a ajuda prestada naquele momento conflitante que passou, e disse que talvez o destino a tenha feito perder o voo para conhecer um homem tão agradável como ele. Disse que sente saudades e que roga aos céus para poderem se encontrar outra vez.

     Daniel se sentia vitorioso por Helena não o ter esquecido. Ele a retorna e diz que ela não precisa se preocupar, que ele teria feito aquilo com qualquer outra pessoa que estivesse naquela situação, e diz que, de fato, o destino pode tê-los feito se encontrar.

     Fala que foi um prazer conhecer uma mulher tão bonita e cheirosa como ela. Fala que também roga aos céus para que se encontrem outra vez. Ele pensa em propor algo, como talvez ir para a cidade onde ela mora para jantarem juntos, mas fica com medo e acha melhor não. Pensa: “ainda não”.

     Horas depois, Helena responde dizendo que talvez eles devessem se encontrar, que talvez devessem sair para beber alguma coisa. Revela que estará de novo em Goiânia no próximo mês. Daniel fica surpreso e alegre, respondeu à Helena que seria um prazer encontrá-la. Propõe irem a um restaurante que ele frequenta bastante e que acha ser o local ideal para terem um primeiro encontro.

     Helena aceita, e 23 dias depois, ambos estão sentados em um dos locais mais chiques da cidade de Goiânia, degustando do vinho mais caro que a casa tem a oferecer, comendo dos melhores pratos, cujos nomes são tão complexos que nem sei pronunciar. Helena, confessou-lhe que tem uma pequena loja onde vende itens de costura e disse que nunca esteve em um lugar tão bonito.

     Daniel se manifestou indiferente ao relato da moça; só queria uma coisa dela e sabia que em breve conseguiria. Todavia, pensou que deveria revelar algo seu, portanto disse a moça que era corretor de imóveis rurais. Ela achou interessante sua profissão.

     — Que bacana.

     Daniel olhava para ela não só com desejo e interesse; também havia fervura, havia ambição. Os dois conversaram sobre suas idealizações para o futuro, sobre suas opiniões políticas, suas ideologias, seus princípios; conversaram sobre que carro queriam ter dali a cinco anos, onde queriam morar, onde queriam se casar e como.

     — Penso em um vestido longo, lindo, detalhado por belas rosas de renda que se estendem por todo o vestido. Penso também em me casar na igreja do Padre Joaquim.

     Ele é quem faz todos os casamentos lá na minha cidade. Daniel se interessa em imaginar Helena do jeito que ela acabara de se descrever para ele. Idealiza que seria interessante desposá-la, entretanto, sabe que é um rato sujo, sem moral, caráter e ética. Seria até um crime ele pensar em tal coisa.

     Casamento é algo sagrado. Algo que deve ser respeitado, coisas estas que ele desconhece. Não achem que sou exagerado; já, já, poderão ter ciência da indignação que percorre com ódio mortal as minhas veias.

     O jantar termina e ambos têm uma decisão difícil a tomar. A chama do calor que ultrapassa os séculos chega até os dois com fúria. Daniel decide apresentar seu apartamento a Helena. Ele apresenta não só o apartamento, mas também a sua cama, seu corpo, apresenta tudo aquilo que lhe foi ensinado pelo pai, pelo tio e pelo irmão.

     As horas se passam e a vida mostra a Helena que isto aqui não é uma peça shakespeariana, mas sim lamaçal, chorume, crueldade, solidão, realidade…

     Helena acorda em um lugar completamente diferente daquele em que fechara seus olhos.

     Viu-se num quarto completamente imundo, as mãos algemadas numa alça fixada à parede. Ela grita, ela chora, ela brada, mas é como se estivesse conversando com a parede. Parecia que algo a consumia por dentro, como uma chama, que queima tudo que vê.

     Não falo de pavor, pois tal sensação pode ser mensurável. Falo do sentimento de se defrontar com a camada mais áspera e medonha da maldade. Falo de olhar o diabo nos olhos e sentir suas garras adentrando sua garganta, falo do desespero de saber que o preparado para você é o maligno.

     Pense, leitor, se coloque no lugar de Helena, olhe para ela. Ela é você. Você está preso, você grita, você clama, você roga. Ouça o que seu coração lhe diz, ele fala o quê? Revela que está histérico? Temeroso? Conta-lhe que não aguenta nem sequer o peso da própria pele? Diz que anseia cravar as unhas no corpo e arrancá-la? Diga-me, leitor. O que te diz. Conta-lhe que sabe e por saber amaldiçoa a vida? Conta-te de medo? De receio? De raiva? Confidencia-lhe que prefere a morte ao invés do destino?

      Ah… Está assustado, caro leitor? Não fique, o pior ainda está por vir.

     As horas passam e um homem entra em seu quarto. Quando os olhos de Helena repousam sobre aquele ser, a incredulidade espanca seu corpo.

     — Não, não. Seu maldito. Maldito.

     — Oi, princesa. — Daniel se aproxima e acaricia o rosto de Helena, que hesita com nojo, como quem ingeriu o vômito, ao seu toque.

     — Tira a mão de mim. Desgraçado. Onde eu estou? Que lugar é esse?

     — Seu novo lar.

     — O quê? Me tira daqui agora. Me tira daqui. Seu desgraçado. Infeliz. Maldito. Maldito.

Daniel ri de Helena. Ele se levanta e dá um violento tapa no rosto da moça.

     — Cale a boca. É melhor se preparar, porque já, já, você começará. E é bom você não fazer besteira, sua puta. Ai de você se o cliente não gostar.

     Helena olha para Daniel apavorada, assustada, amedrontada. Não demora muito para as lágrimas se encontrarem com seu rosto outra vez. Ela se questiona com ódio de como pôde ter sido tão ingênua, tão burra.

     Daniel se retira do quarto rindo e debochando da moça. Não demora muito para Helena começar a sentir seu corpo débil, como se ele não obedecesse aos comandos de seu cérebro. Ela tenta buscar na memória algo, mas não encontra nada. A única coisa que vem é uma imagem ininteligível de alguém lhe aplicando um medicamento.

     Depois, com muita dificuldade, tenta buscar outra imagem, e vê alguém lhe dando um murro no rosto. Tenta reconhecer o rosto de quem o fez e se ira quando consegue.

     — Maldito.

     Ela grita mais uma vez, mas não há nada que possa fazer. Clama aos céus por uma gota de misericórdia, porém nada lhe é dado. Sempre digo que o que há na vida é senão dor. Não há quem consiga fugir desse sentimento. Sempre me questionei até onde a maldade humana iria. Até onde a perversidade de um homem seria capaz de chegar por ambição, por dinheiro.

     Disse-lhes que esta história era perigosa, adiantei-lhes sobre o mal que habita no coração do homem. Acreditais? Bom, espero que sim. Ah, coitada dessa moça.

     Não sei se tenho estômago para narrar o que acontecerá com ela, não me culpem, tenho em mim a humanidade, entretanto preciso dar o xeque-mate, preciso terminar esta história.

     A porta do quarto se abre e um homem alto e obeso, com tatuagens de demônios e animais que cobrem todo o seu rosto e corpo, entra. Ele fecha a porta e se aproxima da moça, retirando o cinto. Helena grita. Grita. Grita. E compreende ali, naquele momento, que não existe piedade, nem compaixão, que o que habita no mundo é a inevitável perversidade.

 

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