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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

INEVITÁVEL - Hirtis Lazarin

 





INEVITÁVEL

Hirtis Lazarin

 

A luz na sala grande e bem mobiliada era pouca.   Apenas alguns raios de sol forte se infiltraram num espaço oferecido pelas cortinas mal fechadas.

Ao lado da mesa de jantar e diante de tapeçarias penduradas na parede, uma poltrona solo de veludo cor de vinho. Ali sentada, uma mulher até bonita de se olhar.  Muitos fios brancos misturados no emaranhado crespo dos cabelos castanho-escuros.

Os olhos já foram brilhantes e sagazes.  Hoje, um cinza desbotado carrega-lhe o olhar pensativo e perdido. 

O vestido de mangas compridas num azul opaco não tem qualquer ornamento.  Apenas um cinto com folhas miúdas lavradas em prata.   Nenhuma joia vistosa; só um brinco de pérolas, as mais pequenas que já vi.

Um silêncio que fere a alma é quebrado pelo tique taque monótono do carrilhão de família.  O balançar repetitivo da perna esquerda revela que a mulher está inquieta e muito apreensiva.  Um gato deitado aos seus pés descalços tenta acariciá-la, mas  é repelido.

A campainha toca duas vezes e a criada aparece esbaforida secando as mãos no uniforme branco.  Olha indagativa para a senhora que permanece imóvel.  Apenas o balançar da cabeça autoriza  a abertura da porta.

Dois policiais federais se apresentam e a Dra. Joaquina levanta-se;  ajeita a gola do vestido e calça os sapatos pretos de salto baixo;  Confere as horas e caminha pausadamente em direção aos dois homens.  Não mostra o turbilhão de sentimentos que a corroem.

Sem uma única palavra e sem olhar para trás, acomoda-se no banco traseiro da viatura onde a aguardava outro policial.  O mais forte deles deu partida e tão logo o carro deslanchou, ligou a sirene.  Não era necessário anunciar o espetáculo, mas...

 A criada ficou parada à porta sem nada entender.  Agachou-se e apanhou o jornal do dia que não fora ainda recolhido.  Sentiu o papel quente queimar suas  mãos.

Na primeira página, as letras da manchete eram tão GRANDES que chamaram-lhe a atenção:  “JUÍZA É JULGADA E CONDENADA POR VENDA DE SENTENÇAS”.

Nunca antes lera um jornal e não entendeu o recado.   Deu de ombros e fechou a porta.

Tinha muito serviço pela frente.

3 comentários:

  1. Oi Hirtis sua história tem a sua marca . É um prazer ler e ver a sua arte de escrever

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  2. Hirtis além de concordar com os comentários, da Ana, fiquei impressionado com o desenrolar da história. Parabéns
    Helio

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  3. Oi, Hirtis. Eu vi assim: Descrição primorosa retratando detalhadamente o ambiente e a personagem principal, esta no aspecto e nos sentimentos; depois, rápida evolução do conto, revelando quase ao mesmo tempo o conflito, o clímax e o desfecho, de forma muito "saborosa". E um final que "virou a página", mostrando que a vida iria continuar sem dar importância para o drama da Juíza. Parabéns.

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