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quinta-feira, 4 de maio de 2017

O diário proibido - Christianne Vieira


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O diário proibido
Christianne Vieira

Valéria entrou em casa feito um tufão, estava muito atrasada, e ainda tinha muitas trabalho para entregar.

A agência de publicidade tinha enxugado o quadro de funcionários, e os que ficaram agora  acumulavam funções. Melhor é ter  emprego, pensava todos os dias, e  paciência, tinha que correr mais.

Sempre foi uma mulher ativa, acumulava um milhão de atividades em um único dia, agora, mãe de dois meninos, e trabalhando dobrado, parecia uma formiga atômica.

Deixava os meninos bem cedo na escola, e iniciava uma agenda, que só iria ser encerrada, após colocá-los na cama, lá pelas nove da noite.

Sobrava um tempinho para ela conversar com seu marido, antes de se jogar ,  um zumbi, na cama.

Arrumou uma nova empregada, e explicou várias vezes a rotina, mesmo assim não conseguia encontrar nada. Precisava achar uma caixa que trouxe da casa dos seus pais, da época da faculdade.

Depois de revirar, alguns armários, encontrou a caixa, com a tampa entreaberta, o que lhe pareceu muito estranho, e para a sua surpresa, seu diário da adolescência, estava, aberto.

Poderia perder alguns minutos, abriu-o e começou a ler. Nas primeiras páginas,   bateu o maior pânico, esse diário era do seu pior ano, onde sua rebeldia fez com que tivesse feito coisas terríveis, caso alguém soubesse, seria a maior vergonha. Pensava que ele tinha sido jogado fora, justo esse, o pior, estava ali na sua frente. Naquele ano, seus amigos foram  a turma do fundão, o terror da escola, seu rendimento escolar fora péssimo, seu namoradinho, uma tranqueira, e provavelmente tudo que escrevera naquelas páginas, lhe dariam enxaqueca. Gastou muitos anos de terapia, para esquecê-lo.

Era casada com Artur, um homem muito sério e tradicional, ele nem sequer poderia sonhar, que a mãe de seus filhos fora capaz de fazer tudo aquilo.

Mas, quem poderia ter o encontrado o diário antes dela? Só  poderia ter sido ele, ou a Nete.

Artur estava viajando a trabalho durante a semana toda, não seria bom  conversar sobre isso à distância. Toda vez que ela tinha algum assunto delicado para tratar com seu marido, procurava uma boa hora para fazê-lo. Definitivamente essa semana não teria esse momento.

Teria que se livrar daquele diário.

Primeiro, rasgou suas primeiras páginas, onde tinham seus dados pessoais, picou em vários pedaços, em seguida folheou, e  as que considerou serem  piores, arrancou, e picou também. Achou melhor levar o que sobrara para um lixo distante de casa, colocou dentro de uma sacola preta, lacrou com fita crepe, e jogou no porta-malas de seu carro.

Sua semana foi intensa, e passou rapidamente. Quando chegou a sexta feira, seu marido pediu que ela o buscasse no aeroporto,  estava com saudades.

Qual foi a sua surpresa quando abriu o porta-malas para guardar a mala, e encontrou o pacote, ela olhou para ele, desconcertada, e disse que mais tarde conversariam.

Artur achou a atitude estranha, mas estava cansado da viagem, e concordou em esperar.

Enquanto isso Valeria pensava  como poderia explicar, que  fizera tantas coisas erradas, no seu passado. Ela o amava demais, não queria carregar marcas de um passado sem juízo.

Tinham um combinado, deveriam ser  honestos e sinceros, um com o outro, naquelas páginas, um mundo distante de sua vida atual, como se relatasse os dias de uma estranha. No dia seguinte, encontrou um momento bem calmo, sentou no sofá ao lado de Artur , e lhe contou, omitindo várias partes, que aquele era seu diário, que encontrara e ela havia escondido, para que os meninos não o lessem.


Ele  a ouviu, calmamente, a abraçou e disse não se importar com esse assunto, recomendou que ela o jogasse fora. Valéria respirou aliviada, talvez seus segredos continuassem seguros e distantes, mas a dúvida, de quem o lera permaneceria para sempre. Por mais que tentasse, sabia que não poderia fugir daquelas páginas.

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