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quinta-feira, 4 de maio de 2017

RECORDAÇÕES - Hirtis Lazarin

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RECORDAÇÕES
Hirtis Lazarin

          O porão de casa estava abarrotado de caixas com tudo que você possa imaginar.  Caixas com livros que já li, caixas com livros que pretendo ler, com fotos que só pararam de crescer por conta da tecnologia que as guarda nas nuvens.  E a maior e a mais pesada de todas, a que abriga o  "GOOGLE" de antigamente, as famosas enciclopédias.

          Mexendo aqui e acolá, descobri no meio de uma pilha de revistas antigas, encostadas num armário, algo me chamou a atenção.  Era um antigo diário.  Lembro-me bem.  Comecei a escrever aos treze anos e só parei aos vinte  quando, então, me casei.  Confesso, emocionei-me a ponto de não ter vergonha de chorar.  Estava amarelado, judiado por tantas viagens que já fizera.  Não sei como ainda existia.

           Representava  um pedacinho da minha vida.  Um período em que tínhamos horário pra voltar pra casa e obedecíamos sem nenhum drama, coisas bobas não nos frustravam, não precisávamos beber nem se drogar pra vida ter graça e beleza.  Alimentação saudável? Comíamos de tudo, ninguém tinha excesso de peso e nem conhecíamos a palavra celulite.

          Ter um diário era o mesmo que ter um amigo confiabilíssimo.  Nele a gente registrava o que  queria, ele ouvia silencioso e não opinava.  Aceitava-nos do jeitinho que a gente era.

          Dei uma folheada cuidadosa pra não danificá-lo.

         Vou ler pra você e pra mim também uma das páginas iniciais.  Já se foram tantos anos...

           "Meu querido diário, acho que você já se cansou de ouvir sempre as mesmas reclamações:  que eu não gosto de ser tão magra, de ter pernas finas e compridas e que meu corpo franzino dança dentro de uma calça de cintura baixa e boca de sino.  É que eu me acho bem parecida com a "Olívia Palito namorada do Popeye".  Ela teve sorte de arrumar um namorado".

               Virei várias  folhas e a página dez chamou-me a atenção.  O desenho de dois corações que se cruzavam pintados de vermelho paixão.

          "Meu diário querido, estou feliz e tenho duas coisas pra  contar:  a primeira é que o meu corpo está mudando. Minhas formas estão se arredondando e já preenchem aquela calça comprida que eu odiava usar.  Está na moda e minhas amigas usam...  Estou vestindo meu primeiro soutien. É lindo, branco de rendinhas.   Minhas amigas já se cansaram de tanto usar e eu só tinha no peito duas jabuticabas insignificantes.
          A segunda coisa é um segredo secretíssimo.  Sabe o Celso, aquele garoto que, às vezes, vem estudar português comigo e que já fizemos algumas coisas juntos?  Tomar sorvete no bar do Dante, comprar sonho na padaria do Biscaro, andar de bicicleta.  Lembra?  Fiz até greve de fome pra ganhar minha Caloi Ceci...
           Quando ele vai embora, sinto sua falta.  Gostaria que ficasse mais tempo comigo.  Fecho os olhos, inspiro e até sinto o cheiro dele.  Quando sua mão toca-me sem querer,  vem um  friozinho delicioso.  Se  conversa com outras meninas, tenho raiva e falta de ar.  Ando imaginando cada coisa...  Vejo-me abraçada a ele, passando a mão no seu rosto, sorrindo aquele "sorriso-coração-sai-pulando".  Escuto até as batidas descompassadas do meu coração.  E aí vem uma vontade enorme de juntar minha boca na boca dele, sentir o gosto de sua saliva, esquecer-me de tudo presa naqueles braços fortes.
          Sabe diário, tô atormentada porque essa coisa tá aumentando a cada dia.  Não sei o que fazer.  Será que  tô  apaixonada?  Só sei que é uma sensação deliciosa. Quando eu souber, conto pra você.  Meu Deus, já é meia-noite.  Escutei os passos arrastando chinelos do meu pai.  Ele viu minhas luzes acessas. Vem bronca na certa. Tchau".


          É gente, a vida é  uma viagem num trem bala.  Curta pra uns, mais longa pra outros.  Uma viagem em que almas se encontram, se esbarram, se unem, se esquecem.  A vida é o nosso maior presente.  Ela nos chega em pequenos pacotes, ora embrulhados com brilho, ora manchados de lágrimas.

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