A PRIMEIRA VEZ
Suzana
da Cunha Lima
Moro
numa rua arborizada com ipês amarelos que suspiram à menor brisa,  espalhando seu delicado perfume sem
parcimônia.  Voltado para o oeste, nosso
bairro tem o mais esplendoroso pôr do sol de São Paulo, que não canso de
assistir à minha janela.  Só me falta
bater palmas, como o pessoal do Rio de Janeiro faz, assistindo a outro pôr do
sol notável, na praia do Arpoador.
 Cheguei do Rio há trinta e cinco anos e  o que me vem sempre à memória, são estas
imagens floridas e  os jardins bem
cuidados, explodindo em azaleias rubras e brancas. Naquela época, São Paulo
pareceu-me um lugar encantador para se morar.
E
até hoje, eu tenho a mesma opinião.  Foi
aqui que meus filhos passaram sua meninice brincando, jogando bola, andando de
bicicleta e festejando São João com fogueiras na rua, numa vizinhança  alegre e acolhedora. Foi aqui que eles se
formaram e casaram e nasceram meus primeiros netos.
 Foi aqui que me formei e consegui o primeiro
trabalho como profissional, que comecei a lidar com a infância carente e
empobrecida, e conheci tantas almas boas que me ajudaram neste espinhoso caminho
social. Até hoje, o desrespeito com as crianças me aflige tanto quanto minha
impotência para minimizar este imenso problema sempre esquecido nas políticas
sociais deste país.  
E
foi aqui que  segui meu caminho, como
tantas mulheres,   entre casa e trabalho,
marido,  filhos, amigos, obrigações e
lazer, risos e lágrimas,  alegrias e
decepções, como é a vida, este cadinho de sentimentos e vivências que nos
tornam tão humanos.
Quando,
16 anos atrás, o falecimento de meu marido, após quarenta anos juntos, me
deixou só. De uma hora para outra, vi-me senhora de meu destino, num tipo de
liberdade inusitada e até assustadora. 
Mas foi também  meu divisor de
águas, porque resolvi que ia reconstruir minha vida outra vez, desta vez à
minha maneira.
 Além do trabalho, a quem me dediquei muito
apaixonadamente,  joguei vôlei pelo
Brasil afora, também apaixonadamente. E me aventurei a andar de balão e de
tirolesa,  até andar em corredeiras e
fazer rapel.  Viajei bastante por este
mundão, conheci muitas pessoas interessantes, vivi encontros e desencontros.
Enfim,  parodiando Roberto Carlos, se
chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu senti. E, de certo modo,
estas vivências me prepararam para o que veio a seguir.
Pois
naquela noite especial, linda e fresca, 
tudo  isso me veio a mente, num
caleidoscópio fantástico, de imagens, sons, cores e aromas. Enquanto no céu, a
lua, curiosa e bela, parecia espreitar o encontro que ia acontecer.
E
seria um encontro que mudaria minha vida outra vez, uma guinada para outro futuro
que eu mal pressentia,  e estava prestes
a acontecer.
O
lugar era perto de casa, um restaurante cercado de árvores, sem edifícios que
impedissem a visão daquele luar encomendado para esta primeira vez.
Primeira
vez de tudo é algo muito especial... Pode ser muito além ou muito aquém de
nossas expectativas, mas certamente é algo que nunca se esquece, muitas vezes
marca para sempre uma experiência, um desejo, um sonho, a própria existência.
E
esta foi a nossa primeira vez, nosso primeiro encontro. Eu o vi, no alto da
escadaria, a me esperar, sorrindo, de um jeito que até hoje me encanta.  E este sorriso me abraçou enquanto eu subia e
ele descia, até nos encontrarmos exatamente no meio,  como a marcar que, se até então, caminhávamos
sozinhos na vida,  dali por diante,
estaríamos juntos, qualquer que fosse o caminho.
Isso
soubemos imediatamente quando  nossas
mãos se uniram e nossos olhos se 
fundiram numa única certeza. Nossa busca havia terminado.


