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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Através da minha janela - Adelaide Dittmers

 

Através da minha janela

Adelaide  Dittmers


Sempre as janelas se abrem para o mundo lá fora, para a vida que corre pelas ruas, muitas vezes frenética, outras, tranquila ou carregando tristezas.

Da minha janela posso ver uma pequena amostra da minha cidade.  Avisto as cisalpinas, que nesta época do ano não estão cobertas de flores, mas mesmo assim, verdes e bonitas embelezam e refrescam as ruas. 

Vejo o céu, que ao entardecer, tinge-se de um tom azulado e rosa.

As ruas estão vazias. De vez em quando passa um carro.

Abaixo, pequenos sobrados se unem como irmãos siameses.  Num deles uma linda primavera florida sobe pelo muro, talvez querendo alcançar as nuvens, que se movem lentamente, formando inúmeras figuras.  Há um sobrado com pintura desbotada e muito maltratado.  Quem será que mora lá? Talvez uma pessoa solitária, sem condições financeiras para torná-lo mais bonito e arrumado.

Vejo também um prédio, cuja fachada está com várias falhas, pois as pastilhas que a recobrem caíram. Parece abandonado, mas pertence a uma só família, que, segundo sei, vivem lá, e é endinheirada.  Será que o descuido com ele é por causa de algum desentendimento familiar?

Mais adiante, por um pequeno pedaço, posso avistar a grande avenida, que quase corta a cidade de norte a sul.  Carros passam correndo por ela, levando pessoas de um lado para outro.  Quantas histórias carregam.  De ambições, frustrações, conquistas, esperanças.  Seus ocupantes passam indiferentes, focados nos seus objetivos. Não vêem nada em sua volta, preocupados em chegar logo a algum lugar, e para isso, mudam constantemente de faixas.   Por que tanta pressa, pergunto-me, aonde querem chegar?   Passam correndo pela vida, não a apreciam por inteiro. Agem como se fossem máquinas, não homens.

Ouço o barulho de um avião levantando voo.  Para onde irá?

Um vento fresco entra pela janela, amenizando o calor do dia.

Através da minha janela, vejo a natureza, as construções humanas e a vida que passa lá fora.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Um brinde à descoberta - Hirtis Lazarin

 



Um brinde à descoberta

Hirtis Lazarin


Olhei para o relógio e os ponteiros do relógio já marcavam 1:30 horas da manhã.  O calor era tanto que expulsou meu sono.  

Abri a janela do meu quarto e lá estava a lua cheia, cheia de beleza.  Há tempos não a via assim explodindo de felicidade.  Parecia tão perto de mim que, quando me dei conta, eu estava na ponta dos pés, braço esticado tentando apalpá-la.  Senti vergonha desse gesto tão infantil.

Lá embaixo, as ruas bem iluminadas e solitárias.  Muitas árvores copadas.  As folhas aquietadas nos galhos por conta da ausência de uma brisa que as acalentasse.

Muros de concreto, janelas de edifícios  e casas vizinhas.

Vários containers sobrecarregados com pedaços de tijolos e de madeira que já foram paredes, portas e janelas.  São histórias de famílias antigas do bairro que desabam, se misturam à espera daqueles que as enterrarão.

Meus olhos buscam e, no prédio em frente, encontro uma sacada iluminada.  A única. Fixo atentamente os olhos e distingo a figura de um rapaz.  Na mão uma garrafa de cerveja.  "Boa ideia”.  Corro até a geladeira e imito-o naquele silêncio sem o latido de um cachorro assustado, sem o pio de uma ave noturna.

Brindo sozinha a descoberta.

VIAGEM À TOSCANA - Alberto Landi

 





VIAGEM À TOSCANA

Alberto Landi

 

Quando planejei minha viagem à Toscana, procurei ficar num hotel com uma boa localização e bom visual, de tal modo que eu pudesse saborear um bom café da manhã ao mesmo tempo olhar pela janela do apartamento do hotel, a vida cotidiana da cidade de Florença. Todas as manhãs, antes de sair para visitar os locais mais pitorescos da cidade, contemplava da janela o nascer do sol.

 

Os transeuntes passeavam logo cedo pela Ponte Vecchio e pelas ruas medievais. Conforme o sol despontava, via passar os primeiros trens com o reflexo do sol no teto lustroso em alta velocidade, que saía da estação de Santa Maria Novella.  Era o Flecha de Prata seguindo rumo ao norte, em direção a Veneza, traçando um gracioso arco ao longo da zona rural da Toscana.

 

Apesar de se afastar de Florença a uma velocidade de 300 km por hora, o trem quase não fazia barulho apenas leves estalos repetitivos e seu balançar suave surtiam um efeito relaxante nos passageiros.

 

O sol nascente da Toscana começava a tocar as torres mais altas da cidade de Florença, que despertava o Campanille, a Santa Maria del Fiore e Palazzo del Popolo.

 

O ar límpido e gelado daqueles primeiros dias de março ampliava todo o espectro da luz solar que agora despontava sobre as colinas.

 

A imponência da arquitetura de Florença se sobressaía ainda mais com aquele lindo por do sol.

 

Bem no meio do horizonte erguia-se uma cúpula descomunal de telhas vermelhas com o topo enfeitado por uma esfera dourada que reluzia como um farol. É Il Duomo. Sua grandiosidade, beleza, estética são motivos de encantamento para os que contemplam.

 

Brunelleschi já dominava bem os elementos da matemática e geometria ao projetar a cúpula del Duomo.

 

Ele tinha entrado para a história ao projetar a imensa cúpula, e agora, mais de 500 anos depois, a estrutura de quase 115 metros de altura continuava de pé, um gigante inabalável na Piazza Del Duomo.

 

Os campos de lavanda e girassóis reluzia ainda mais na Toscana, naqueles dias frios e ensolarados do mês de março.

 

O rio Arno cortando o centro histórico da cidade enfeita ainda mais o cenário com suas lindas pontes.

 

Admirar o rio Arno, com suas águas esverdeadas e limpidas, é outra atração.

 

Afinal, não estou acostumado com rios limpos cruzando a cidade onde moro.

 

Então, mais do que um encanto, o rio Arno é uma paixão para muitos, inclusive para mim também.

 

Percorrer ruelas por onde circularam Dante Alighieri, Maquiavel, Michelangelo, Vasari, entre outros, são experiências marcantes e inesquecíveis que enriquecem a alma.

 

Em cada canto, uma riqueza histórica e artística.  Toscana conhecida por suas belas paisagens, densas florestas e vegetação mediterrânea incluindo a videira, carvalho, oliveira e o cipreste, sendo este a arvore sagrada dos etruscos.

 

Foi uma experiência inesquecível.

 

 

 

 

LEMBRANÇAS DO PASSADO - Henrique Schnaider

 



LEMBRANÇAS DO PASSADO

Henrique Schnaider

 

Esta foto que tirei da minha janela me remete ao passado e a vontade de fazer um conto memorialista, quando em São Paulo havia prédios apenas no centro velho de São Paulo hoje minha querida cidade não para de crescer, me lembro de uma antiga vinheta da rádio Jovem Pan, vamos embora, vamos embora olha a hora, olha a hora, deixa São Paulo crescer.

Vejo a miríade de prédios, enxergo muito ao longe o estádio do meu querido Palmeiras, clube do coração, vejo um guindaste a direita, sinal da subida vertical de mais um arranha céu, à noite o céu se ilumina com tanta luz de lusco fusco de centenas de prédios. Vejo as torres iluminadas da Band e da Gazeta.

Parafraseando o cantor da minha preferência Zeca Baleiro. Estou aqui na minha janela, não me sinto um solitário paulistano, não me sinto só sozinho, não quero dar um beijo no português da padaria e nem vou receber um telegrama nem do Aracaju nem do Alabama.

Na parte baixa da foto visualizei três casas. A da esquerda é a do Luiz e da Lúcia, ele é meu massagista e assim foi durante alguns anos toda sexta feira, lá ia eu cair nas mãos dele para relaxar e sair pisando nas nuvens.

Veio a Pandemia e ele ficou meses sem ver ninguém e faltou seu ganha pão, o aluguel vencendo o dinheiro não chegando. Aos poucos os clientes foram voltando, só que eu sou dos grupos de risco e fico quietinho na minha casa.

Da casa de frente a minha no centro, morava a Yara mulher difícil geniosa, era complicado se relacionar com ela, morava sozinha, nunca foi para a beira do fogão, recebia comida em casa, não se relacionava bem, nem com filha única.

Aos poucos foi chegando à decadência, o Alzheimer pegando, esquecia chaves, não falava coisa com coisa e dizia que todo mundo queria o mal dela e assim ela ia no candomblé fazer um trabalho contra todos. Teimava em sair com o carro não batia por milagre.

Por fim faleceu sem reconhecer ninguém e agora eu olho para casa abandonada cheia de mato crescendo e é triste de se ver.

A direita fica a casa da pimenta italiana Domênica e do marido Petras, filho de lituanos, aí eu penso que só o Brasil conseguiu esta miscigenação de raças, de povos imigrantes vindos de todos os cantos do mundo.

Eu me relaciono bem com eles, ajudamo-nos mutuamente nas horas de necessidade. Domênica é cozinheira de mão cheia e vira e mexe lá vem ela, toca a campainha toda sem graça me trazendo macarrão com porpeta e outros pratos da cozinha italiana.

Como sou chegado na cozinha e o Petras também, ficamos trocando figurinhas, eu faço pratos da cozinha judaica, levo para ele e tenho a retribuição dele, trazendo para mim da cozinha lituana.

Enfim com tudo que eu vi da minha janela, me sinto feliz pois não estou só sozinho e nem sou um solitário paulistano, pois tenho muitos amigos onde moro e curto eles sempre que posso.

 

Da janela - Ana Catarina Sant'Anna Maués

 



Da janela

Ana Catarina Sant'Anna Maués

 

   Da janela lateral do meu quarto, eu o vejo todas as tardes. De onde virá? Para onde irá?

   Será que carrega algum empresário famoso? Será que disfarça malotes de dinheiro sujo? Talvez seja contrabandista de armas?  Não, não, por certo derrama todas os dias pétalas de rosas para alguma amada?

   São tantas indagações todas as vezes que o contemplo reluzindo ao sol, mas hoje ouso apostar que ele passa para me ver, observar minha janela lá de cima, pois eu aceno todas as vezes e ele, por certo, já espera por isso, não conseguindo mais viver sem essa visão.

   Do alto ele não enxerga meus cabelos alvos em neve, nem as maçãs enrugadas do meu rosto, mas nem por isso menos ruborizadas com a ansiedade de um dia ele chegar próximo e trocarmos juras de amor com olhinhos faiscantes de emoção. 

 Eu e meu piloto desconhecido mantemos um elo, a altura não é empecilho  para a paixão.

Olhando através da minha janela - Adelaide Dittmers

 

Olhando através da minha janela

 

A manhã de um lindo dia de verão. Ainda bem cedo, alguns dormem, outros começam a transitar pelas ruas do bairro! Observo a pressa de uns e de outros com passos lentos parecem admirar a manhã de sol, já quente e o céu límpido de um azul ímpar.

Uns pensando no seus projetos de vida, outros com pressa, imaginam como será seu dia e sua semana. Alguns nem observam a maravilha do dia que se descortina, pois estão preocupados demais com seus familiares, trabalho e tantas outras situações que perdem o espetáculo e a magia da natureza que a todos envia um bom dia, seja feliz, se cuide!  Pois o Senhor nos guiará e o momento é para que se tenha fé, esperança e que tudo vai passar!

Não é como um dia após o outro, cuidemos de sermos felizes e termos energias positivas para bem viver!

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O MENDIGO OSÉIAS - Alberto Landi

 




O MENDIGO OSÉIAS

Alberto Landi


Todos os mendigos são solitários pois a própria pobreza os faz desconfiar inclusive de outros também mendigos a sua volta.

Quando um tinha um cobertor melhor ou um apetitoso prato de comida, o outro já o olhava com inveja e raiva fazendo todo o possível para inverter a situação, até roubar do companheiro aquilo que lhe faltava. 

Oséias, um mendigo sofrido e bom, morando num canto sujo e úmido de um bairro fino, nunca levantou os olhos a quem quer que passasse ao seu lado mesmo porque ele era invisível aos olhos de quem não queria ver a decadência de um homem ainda jovem e aparentemente saudável naquele canto sujo e fétido.

Todo mundo o evitava, passavam longe. Era um dia lindo e ensolarado para todos, menos para Oséias.

Os dias eram sempre iguais, cansativos, tristes, monótonos, pois não tinha TV para se distrair, não tinha um sofá para descansar suas pernas ossudas e nem mesmo uma cama para seu corpo cansado!

A única vantagem de Oséias era que a noite ele tinha uma visão surreal do céu, que as estrelas pareciam saudá-lo. Ele conversava com elas, lhes dava nomes... Havia a Tiquinha que parecia estar sempre sorrindo pra ele, a Destreza que era muito séria, mas a mais brilhante, a lzinda que ficava o tempo todo apagando e acendendo parecia brincar de esconde-esconde com ele. Elas eram suas únicas amigas.

Só depois que clareava o dia é que Oséias pegava no sono já com os ossos tão cansados e doloridos de dormir no cimento duro e só acordava quando o sol já estava alto no céu.

Um dia, Oséias estava muito triste pois se sentia muito só e abandonado que resolveu andar...andar...  Até não aguentar mais, até suas pernas dobrarem pelo cansaço e ele partir desta vida. Estava resolvido. Quem iria se importar com ele, um sujeito sujo e fedido? 

Caminhando por aquele bairro de gente fina e inesperadamente à sua frente surge uma criança:

Um menino magro alto, de cabelos encaracolados, olhos muito claros encarou e disse:

— Tio, olha o brinquedo que eu ganhei.

E, ficou ao seu ado, sem nojo, sem a repugnância que eu causava dos adultos. O menino mostrava, com bastante euforia, tudo do novo brinquedo, como funcionava, como se Oséias amiguinho dele fosse. Com voz embargada e comovida o mendigo perguntou:  

— Qual é seu nome? 

— Gabriel  

Sem perceber essa criança pura e inocente mostrou-lhe o caminho a seguir.

Há anos Oséias havia deixado a mulher e filho, numa cidade muito longe dali. E na época Oséias achava que era um irresponsável e inútil, pois estava desempregado.

Envergonhado decidiu sair pelo mundo e nunca mais teve notícias da família. Resolveu voltar para casa, minha vida, minha família.

Ao chegar, de longe com os olhos embargados, viu o filho jogando bola e mulher ao portão, parecia estar a sua espera. Ao vê-lo, eles correram e o abraçaram. Oséias se sentiu tão acolhido e amado que não parava de chorar.

Aos prantos agradeceu aquele garoto que surgiu no seu caminho como por encanto mostrando sem perceber que ele tinha que voltar à vida, lutar e nunca, nunca desistir da vida.

 

domingo, 17 de janeiro de 2021

O TÍMIDO ESQUELETO BRANQUINHO Um conto bem infantil - Leon Vagliengo

 


O TÍMIDO ESQUELETO BRANQUINHO

Um conto bem infantil

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Branquinho é um esqueleto muito especial. Vive sozinho, não tem filhos, não é casado. Recebeu esse nome justamente porque é, mesmo, muito branquinho. Seu corpo é absolutamente magro, feito só de ossos, e ele não tem medo de engordar, como as pessoas geralmente têm, porque não come nada. Nada mesmo. Além de ser branquinho é também completamente careca, o que o deixa muito engraçado e simpático. É um pouco tímido, mas está sempre sorrindo, e os seus dentes brilham e se destacam em sua cabeça redondinha. Com essa aparência tão leve e inofensiva, não entende porque as pessoas fogem dele apavoradas quando o encontram pelas ruas em seus passeios. Isso o deixa muito triste, porque parece que ninguém gosta dele.

Para evitar que isso aconteça, sabendo que as pessoas geralmente têm medo de locais escuros, quando vai passear prefere sair à noite e andar por ruas menos iluminadas, tentando não cruzar com ninguém. Mas sempre aparece alguém que se assusta ao vê-lo e sai correndo, em desespero, deixando-o cada vez mais chateado.

Ele não, não tem medo do escuro. O que lhe dá medo, de verdade, é encontrar-se com algum cachorro faminto quando sai para passear. Na verdade, ele gosta de cachorros, e tem muita vontade de brincar com eles como fazia quando era uma pessoa inteirinha, mas para um esqueleto esses bichinhos são muito perigosos porque gostam de roer ossos. Sabendo como os cachorros gostam de roer ossos, Branquinho já imagina o quanto os cachorros gostariam dele. Mas, que pena! Desse jeito não, não é assim que ele espera ser querido.

Uma vez ele resolveu se aventurar. Aproveitou que estava chovendo um pouco, criou coragem e se arriscou a sair em plena luz do dia, pois estava com muita vontade de passear e não esperou o anoitecer. Para não ser visto e não espantar ninguém, como sempre, caminhou pelas ruas que lhe pareceram mais tranquilas, com a esperança de que as pessoas não estivessem circulando por causa da chuva. Levou um grande guarda-chuva preto, que serviria para que não se molhasse e também para escondê-lo, caso encontrasse alguém no caminho. Se surgisse alguém, abaixaria o guarda-chuva e ficaria atrás dele.

Quase deu certo. Passou uma pessoa, ele se escondeu atrás do guarda-chuva e não foi visto; depois passou outra, também não o viu escondido. Foi fácil porque eram poucas pessoas. Porém, com a atenção voltada para o movimento na calçada, não se lembrou de se esconder de quem passasse de carro.

E não é que vieram dois carros ao mesmo tempo, um de cada lado? Quando os dois motoristas viram aquele esqueleto, caminhando pela rua em plena luz do dia e ainda segurando um guarda-chuva, se assustaram, perderam o controle da direção e deram uma bela e barulhenta trombada: BLUUUM!

Percebendo que tinha provocado um acidente, Branquinho também se assustou, arrependeu-se de ter saído para passear durante o dia e resolveu correr de volta para casa; mas errou o caminho, entrou numa rua movimentada, cheia de gente. Naquela corrida maluca os seus ossos estalavam, fazendo muito barulho plec, plec, plec chamando a atenção de todo mundo por onde passava e causando um grande alvoroço, muita gente fugindo e gritando, assustada com aquele esqueleto que apareceu de repente correndo por ali.

Era tudo o que Branquinho não queria.

Nesse momento a chuva diminuiu e agora era apenas uma garoa, mas ele ainda estava longe de casa. Foi quando começou um vento muito forte, carregando muitas folhas das árvores bem na direção da sua casa. Então, teve a ideia de levantar o guarda-chuva para que o vento o carregasse também, pois é levezinho e iria muito mais rápido, sobrevoando aquela gente toda.

E assim foi.

Logo, ao passar por uma esquina voando pendurado no guarda-chuva, viu um jacaré verde que estava lambendo um sorvete de morango. Indignou-se com aquela invasão, mas não conseguiu parar para discutir, pois a ventania o levava. Porém, não conteve a exclamação:

Que atrevimento! Esta não é história de jacaré! E ainda mais de um jacaré tomando sorvete!  Será que eu vi direito? Que absurdo!

Por sorte, justamente aquele jacaré verde que apareceu de repente na história errada, todo lampeiro, chupando sorvete de morango sem ligar para a chuva, serviu para apavorar ainda mais as pessoas, que já estavam assustadas com o esqueleto e agora corriam e gritavam também com medo de levar uma mordida do jacaré. Bobagem delas, era um jacaré bem mansinho.

Foi a maior confusão!

Pendurado no guarda-chuva e levado pelo vento, Branquinho foi deixando tudo para trás e finalmente conseguiu chegar a sua casa, parar segurando-se no galho de uma árvore e aterrissar em seu quintal. Seu alívio foi tão grande que até achou graça quando se lembrou do jacaré e nem ficou bravo com a invasão de sua história. Mas desse dia em diante nunca mais se esqueceu do tremendo susto e das fortes emoções que teve ao sair à luz do dia. Agora só passeia à noite, mesmo.

            Por falar nisso, quem sabe você ainda se encontra com o Branquinho numa rua escura qualquer noite dessas, hein?     

RAIVA ARDE E NÃO ACABA BEM - Claudionor Dias da Costa

 

                                                 


RAIVA ARDE E NÃO ACABA BEM

Claudionor Dias da Costa            

                  

                    Sentado na varanda de casa naquela tarde quente e tranquila de verão, tomando gostosa cerveja gelada e olhando nuvens de formatos curiosos, as imagens de minha alegre infância vinham à mente aos borbotões. Fiquei matutando com a cara risonha do Zé Pudim, folclórico amigo de infância. Como era bom aquele menino tímido e, por ser um tanto quanto rechonchudo surgiu o apelido, pois quando corria balançava a barriga e era motivo de risadas da turma endiabrada de moleques daqueles bons tempos.

                     A nostalgia me faz cismar sobre a personalidade daquele amigo que sempre procurava ajudar e agradar e não fazia conta do apelido e das gozações. Ele participava de todas as brincadeiras e até no futebol não era tão mau jogador e, quando disputávamos partidas contra a turma da rua de cima aparentava ser forte e nossos adversários até o respeitavam.

                    Ele foi criado por sua tia Lilica, que por sua vez tinha três filhos e uma filha, tendo sido abandonada por seu marido, assumindo a responsabilidade de criar todos. Era uma mulher de fibra, trabalhadora e muito amorosa e conseguia manter a disciplina deles.

                     Assim, aquele garoto tinha a simpatia de nosso grupo e dos vizinhos adultos pela sua educação, amabilidade e sorriso franco. Enfim, o que se denomina “um boa praça”.

                     A seguir, conto o que aconteceu conosco e principalmente com o Zé Pudim.

                   Nesses pensamentos surgiu a aventura vivida por nossa turma num dia em que combinamos de provocar os cães do rabugento velho Menelau Ortega. Nós o apelidamos de Menelau “Urtiga”, aquela planta que arde demais quando tocada, devido ao seu temperamento. Muito raivoso, mal-educado, conservava sempre um olhar ameaçador. Este homem não se dava bem com nenhum vizinho e não tolerava proximidade dos outros. Casado com Dona. Hermengarda, que para variar, apelidamos de “Espingarda”. Formavam um casal perfeito, voltados para tudo que era ruim na nossa avaliação infantil e que se pudéssemos os expulsaríamos do mundo.

                    A antipatia daquele casal era um prato cheio para que em nossas maquinações do que aprontar, tivessem um sentido de vingança que nos dava mais satisfação por aumentarmos aquele rancor naquela pessoa ignorante.

                    Assim, à noite como era nosso costume fomos à rua brincar.

                    Com nosso plano perfeito, sorrateiramente nos dirigimos à casa do velho Urtiga. Nossos corações batiam mais aceleradamente e ficávamos empurrando uns aos outros para ver quem ia na frente. Sobrou para o Zé Pudim.

                     A casa antiga estava situada num terreno bem grande, possuía uma lateral de cada lado que ia ao fundo do quintal. Já sabíamos que do lado esquerdo, poderíamos ter acesso porque possuía um portão gradeado de ferro e os cães não teriam acesso. O muro de entrada na rua era baixo.

                    Desta forma, pulamos facilmente e caminhamos pela lateral até os fundos.

De repente, os cães nos viram e vieram correndo até o gradil latindo muito e rosnando com agressividade. É o que queríamos para provocar.

Aquele ruido agudo fez com que o velho Urtiga olhasse pela janela de cima do sobrado. Se deu conta do que acontecia, urrou como uma fera e principiou a descer ameaçadoramente. Disparamos desabaladamente, saímos à rua e quando olhamos para trás vimos o Urtiga com uma espingarda na mão, soltando muitos palavrões. O medo tomou conta da turma e tratamos de nos safar. O Zé Pudim, coitado ficou para trás e bem mais próximo do perigo. Só escutamos um tiro e vimos nosso amigo cair ao chão, gritando muito. Até paramos e pudemos ver o velho ir embora apressadamente, talvez por medo das consequências.

Nesse momento, o Sr. Álvaro, nosso vizinho se aproximou e fomos todos ver o que havia acontecido com o Zé Pudim. Ele chorava muito e o Sr. Álvaro examinou e viu que ele havia recebido um tiro nas nádegas. Para alívio nosso ele exclamou:

                        — Deve estar doendo muito, mas, foi um tiro de sal. Este era um procedimento usado para espantar intrusos.

                           Zé Pudim foi levado ao médico e tratado voltou para casa.

                           Nos dias que se passaram fomos visitar nosso amigo que nos contou a sensação de dor, precisava dormir de bruços e o bom tratamento que recebia da mãe.

                           Os protestos de todos contra o velho Urtiga foi se tornando intenso por esse fato e outros. Tanta pressão redundou na mudança dele para outra cidade. Trabalhou de meeiro numa fazenda e se meteu em brigas e confusões. Até que soubemos que foi morto numa dessas ocasiões devido ter agredido um outro agricultor.

                           Quanto ao Zé Pudim, teve que aguentar as gozações da turma que passaram a chamá-lo de “Bundão carimbado”. Até ele achava engraçado

                           Éramos felizes e esse personagem de nossa infância bondoso e amigo de todos surpreendeu mais ainda por ter se transformado num grande médico cirurgião.

AMADO, O JACARÉ PROTAGONISTA Versinhos infantis - Leon Vagliengo

 



AMADO, O JACARÉ PROTAGONISTA

Versinhos infantis

Leon Vagliengo

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Olá, meu amiguinho!

Permita que eu me apresente:

Eu sou um jacarezinho,

Mas sou muito diferente.

Não moro numa lagoa,

Nem mesmo moro num rio.

Não fico dormindo à toa,

Pode dizer quem me viu.

Mas onde será que eu moro?

Você vai me perguntar.

Tua paciência eu imploro

Para poder te explicar.

Eu moro nos livros de história,

Trabalho aqui como ator.

Você me terá na memória

Se eu despertar teu amor.

Um jacaré personagem

Parece um pouco esquisito.

Mas te oferece a viagem

A um mundo muito bonito.

Nesse mundo existe ilusão,

E há também muita alegria,

Que aquecem a imaginação

E alimentam a sabedoria.

 

Aqui não existe impossível.

Cada coisa que acontece!

Por mais que pareça incrível,

Você nunca se aborrece.

Onde mais você acharia

Jacaré lambendo sorvete?

Por mais que você sorria,

Saiba que tem no livrete.

Uma vez eu me enganei

E entrei na história errada.

Um esqueleto assustei

Que passava em revoada.

Ele pareceu não gostar

Dessa minha intromissão.

Nem pude me desculpar,

Parecia um avião!

Num guarda-chuva pendurado

E levado pelo vento,

Foi-se embora apressado

Sem nenhum entendimento.

Isso pode acontecer,

Mas não prejudica em nada.

A história dá mais prazer

Quando é assim contada.

 

Espero que tenha gostado

De minha apresentação.

Meu nome é Jacaré Amado,

A sua disposição.


sábado, 16 de janeiro de 2021

O confronto - Adelaide Dittmers

 



O confronto

Adelaide Dittmers

 

As vielas da grande favela estavam vazias.  Os moradores fecharam-se em seus barracos, assustados.  O medo pairava no ar.  Um tiroteio zumbia alto naquela tarde quente de verão.  Dois chefes, que controlavam o tráfico se enfrentavam.

Rato, cognome do maior traficante do local queria manter o seu poder diante de Dodó, um menino, que tinha sido seu aviãozinho e, agora, já um rapaz, desafiava-o para dominar o lugar.

Rato estava no alto de uma laje protegida por um muro de alvenaria.   Seus olhos eram frios, inquietos, atentos. Suas feições contraídas pelo ódio que sentia pelo antigo ajudante, distorciam seu rosto, transformando-o. Era um homem alto e forte.  Impiedoso, tirava com crueldade qualquer um que lhe entravasse o caminho.

De repente, outros tiros foram ouvidos.  A polícia subira o morro para acabar com o embate e tentar prender os traficantes. Dodó desviou sua atenção ao sentir que os policiais se aproximavam e, neste momento, Rato aproveitou para fuzilar o ex-companheiro.  Um sorriso de satisfação aflorou em seu rosto.   Era o chefe supremo daquele lugar.  Em seguida, rapidamente começou a fugir, saltando pelos barracos, desapareceu pelos becos da favela.

Pulou á frente de um barraco e com um pontapé abriu a frágil porta, entrando abruptamente na minúscula sala daquela casa pobre.

Uma mulher magra e três crianças soltaram um grito e assustados se agarraram uns aos outros, seus olhos estavam arregalados e tremiam de medo.  A criança menor, que devia ter perto de três anos desatou a chorar, um choro alto e descontrolado.

Rato gritou: ¨

— Faiz esse pirralho parar de berrar já, senão eu atiro.

 A mulher em desespero pegou o menino no colo com mãos trêmulas, abraçou-o fortemente e sem conseguir conter os soluços, cochichava ao seu ouvido, tentando tranqüilizá-lo.

O homem empurrou a mulher e o menino com força e segurou o pescoço da pobre criança.  As duas meninas, um pouco maiores, não se moviam, aterrorizadas.

A pobre mulher, com uma voz fraca, implorou:

— Não faiz mal a nóis!

— A polícia está atrás de mim e se esse filho da mãe não parar de gritar.  Vão me achar. 

— Para de berrar seu diabinho!  Gritou, com os olhos faiscando de ódio.

O menino, no entanto, não parava de chorar.  Então Rato, apertou o  pescocinho  da criança até  sua cabecinha cair  sobre o ombro da mãe.

A mulher despencou no chão da pobre morada.  As meninas se debruçaram e soluçando baixinho, abraçaram a mãe e o irmãozinho.

 Rato olhou a cena com desprezo.  Era um homem cruel demais para sentir piedade por quem quer que seja.  O silêncio era só quebrado pelo choro contido e abafado das crianças. 

Ao longe, os tiros cessaram. Parecia que nada se movia naquele lugar.  Depois de algum tempo, com muito cuidado, o homem abriu a porta e espiou para fora, olhando de um lado para outro.     Apenas um gato passou correndo e se escondeu embaixo de um carrinho de mão.

Sem olhar para trás, o criminoso saiu e correndo sumiu entre os becos da favela.

Dentro do barraco, Joselina começou a voltar a si.  As meninas choravam convulsivamente.  Aturdida, levantou-se com dificuldade e sentou-se no chão, olhou para o menino, que caíra ao seu lado, pegou-o, abraçou-o e desatou a chorar, um choro doído, revoltado, maior que ela, maior que o mundo que a rodeava e com um ódio e uma revolta jamais sentidos, grito então:

— Monstro, monstro, monstro!

Josué era um homem trabalhador, honesto e de bom coração.  Trabalhava como pedreiro em várias obras da cidade e muitas vezes ajudava os vizinhos e amigos, quando queriam melhorar alguma coisa em seus pobres barracos.  Era muito estimado e respeitado por todos que o conheciam.

Seu único objetivo era proteger sua família e fazer tudo ao seu alcance para não faltar o arroz e feijão de cada dia.  Sua companheira, Joselina, era diarista em casas de família.  Assim viviam com muita dificuldade, mas não lhes faltava o essencial.

Naquela tarde, subia o morro, depois de um longo dia de trabalho, quando viu uma aglomeração numa das ruelas da comunidade.  Todos falavam ao mesmo tempo.

— O que aconteceu? Perguntou.

Um rapazinho assustado respondeu:

— Rato e Dodó se enfrentaram e teve um monte de tiros.  Rato matou Dodó.  A polícia chegou e Rato fugiu por ali.  E apontou para a direção em que Rato tinha fugido.

— A polícia tentou caçar ele, mas não deu, completou o rapaz.

Josué estremeceu. Rato tinha ido para o lado de onde morava.  Um mau pressentimento o assaltou e com passos rápidos dirigiu-se para casa.  Odiava e temia aquele homem horroroso e cruel, que tinha matado e torturado tanta gente.  Sempre evitava passar por ele.

Quase correndo chegou ao seu casebre.  A porta estava aberta e várias pessoas estavam lá dentro.  Choros e lamentações eram ouvidos. Seu coração disparou, empalideceu e quase sem forças, com as pernas bambas, entrou. O que aconteceu, perguntou-se.

— Meu Deus! Gritou.  Lá estava Joselina sentada em uma cama, chorando copiosamente e sendo ajudada pelos vizinhos, que a abraçavam e a consolavam.  Tinham tirado o menino de seu colo e o colocado na cama. Uma das vizinhas havia levado as outras duas crianças para sua casa, afastando-as de tudo aquilo.

Josué ficou um momento paralisado e, depois, em desespero, compreendendo o acontecido, lançou-se sobre o corpinho do pequeno, gritando a sua profunda dor.

O rosto daquele bom homem estava transtornado. De repente, levantou-se e com uma voz cheia de ódio falou:

— Eu mato esse miserável!  Eu mato!

Os presentes se entreolharam.  Não podiam acreditar naquele desabafo.  Ele era muito bom para isso.  Acalmaram-no e deram-lhe algo forte para beber.

Quando a noite caiu, os amigos se juntaram.  Sabiam onde Rato costumava se esconder. Silenciosamente seguiram pelos becos, concentrados no seu objetivo.  Um deles levava uma lanterna, outros tinham armas escondidas em seus bolsos.

Chegaram a um lugar em que tinha uma pequena mata. No meio dela havia um casebre. Com muito cuidado, muito quietos aproximaram-se do esconderijo, Entreolharam-se. O lugar estava escuro.  A portinhola estava fechada e nenhum movimento era sentido dentro do lugar. Uma única janela estava entreaberta.  Postaram-se em frente a ela e com um gesto calculado e muito devagar para não serem ouvidos, abriram-na. Da escuridão Rato atirou.  O homem que havia aberto a janela foi atingido no braço. Uma rajada de tiros de ambos os lados ecoou e tudo ficou silencioso.  O homem da lanterna iluminou o interior.  Rato jazia no chão.  Os homens abriram a porta e se aproximaram.  Estava morto.  Satisfeitos, deram-se as mãos. A justiça tinha sido feita.  Tinham ajudado o amigo e evitado que ele sujasse suas mãos com o sangue daquele facínora.

No dia seguinte, uma multidão acompanhou o enterro do inocente menino.  Quando seu caixãozinho desceu a uma simples cova, a tristeza era geral.

Josué, Joselina as meninas abraçavam-se unidos pela mesma dor.  Josué olhou para os amigos, balançou a cabeça tristemente e seu olhar cansado dizia um muito obrigado.


O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...