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domingo, 17 de janeiro de 2021

RAIVA ARDE E NÃO ACABA BEM - Claudionor Dias da Costa

 

                                                 


RAIVA ARDE E NÃO ACABA BEM

Claudionor Dias da Costa            

                  

                    Sentado na varanda de casa naquela tarde quente e tranquila de verão, tomando gostosa cerveja gelada e olhando nuvens de formatos curiosos, as imagens de minha alegre infância vinham à mente aos borbotões. Fiquei matutando com a cara risonha do Zé Pudim, folclórico amigo de infância. Como era bom aquele menino tímido e, por ser um tanto quanto rechonchudo surgiu o apelido, pois quando corria balançava a barriga e era motivo de risadas da turma endiabrada de moleques daqueles bons tempos.

                     A nostalgia me faz cismar sobre a personalidade daquele amigo que sempre procurava ajudar e agradar e não fazia conta do apelido e das gozações. Ele participava de todas as brincadeiras e até no futebol não era tão mau jogador e, quando disputávamos partidas contra a turma da rua de cima aparentava ser forte e nossos adversários até o respeitavam.

                    Ele foi criado por sua tia Lilica, que por sua vez tinha três filhos e uma filha, tendo sido abandonada por seu marido, assumindo a responsabilidade de criar todos. Era uma mulher de fibra, trabalhadora e muito amorosa e conseguia manter a disciplina deles.

                     Assim, aquele garoto tinha a simpatia de nosso grupo e dos vizinhos adultos pela sua educação, amabilidade e sorriso franco. Enfim, o que se denomina “um boa praça”.

                     A seguir, conto o que aconteceu conosco e principalmente com o Zé Pudim.

                   Nesses pensamentos surgiu a aventura vivida por nossa turma num dia em que combinamos de provocar os cães do rabugento velho Menelau Ortega. Nós o apelidamos de Menelau “Urtiga”, aquela planta que arde demais quando tocada, devido ao seu temperamento. Muito raivoso, mal-educado, conservava sempre um olhar ameaçador. Este homem não se dava bem com nenhum vizinho e não tolerava proximidade dos outros. Casado com Dona. Hermengarda, que para variar, apelidamos de “Espingarda”. Formavam um casal perfeito, voltados para tudo que era ruim na nossa avaliação infantil e que se pudéssemos os expulsaríamos do mundo.

                    A antipatia daquele casal era um prato cheio para que em nossas maquinações do que aprontar, tivessem um sentido de vingança que nos dava mais satisfação por aumentarmos aquele rancor naquela pessoa ignorante.

                    Assim, à noite como era nosso costume fomos à rua brincar.

                    Com nosso plano perfeito, sorrateiramente nos dirigimos à casa do velho Urtiga. Nossos corações batiam mais aceleradamente e ficávamos empurrando uns aos outros para ver quem ia na frente. Sobrou para o Zé Pudim.

                     A casa antiga estava situada num terreno bem grande, possuía uma lateral de cada lado que ia ao fundo do quintal. Já sabíamos que do lado esquerdo, poderíamos ter acesso porque possuía um portão gradeado de ferro e os cães não teriam acesso. O muro de entrada na rua era baixo.

                    Desta forma, pulamos facilmente e caminhamos pela lateral até os fundos.

De repente, os cães nos viram e vieram correndo até o gradil latindo muito e rosnando com agressividade. É o que queríamos para provocar.

Aquele ruido agudo fez com que o velho Urtiga olhasse pela janela de cima do sobrado. Se deu conta do que acontecia, urrou como uma fera e principiou a descer ameaçadoramente. Disparamos desabaladamente, saímos à rua e quando olhamos para trás vimos o Urtiga com uma espingarda na mão, soltando muitos palavrões. O medo tomou conta da turma e tratamos de nos safar. O Zé Pudim, coitado ficou para trás e bem mais próximo do perigo. Só escutamos um tiro e vimos nosso amigo cair ao chão, gritando muito. Até paramos e pudemos ver o velho ir embora apressadamente, talvez por medo das consequências.

Nesse momento, o Sr. Álvaro, nosso vizinho se aproximou e fomos todos ver o que havia acontecido com o Zé Pudim. Ele chorava muito e o Sr. Álvaro examinou e viu que ele havia recebido um tiro nas nádegas. Para alívio nosso ele exclamou:

                        — Deve estar doendo muito, mas, foi um tiro de sal. Este era um procedimento usado para espantar intrusos.

                           Zé Pudim foi levado ao médico e tratado voltou para casa.

                           Nos dias que se passaram fomos visitar nosso amigo que nos contou a sensação de dor, precisava dormir de bruços e o bom tratamento que recebia da mãe.

                           Os protestos de todos contra o velho Urtiga foi se tornando intenso por esse fato e outros. Tanta pressão redundou na mudança dele para outra cidade. Trabalhou de meeiro numa fazenda e se meteu em brigas e confusões. Até que soubemos que foi morto numa dessas ocasiões devido ter agredido um outro agricultor.

                           Quanto ao Zé Pudim, teve que aguentar as gozações da turma que passaram a chamá-lo de “Bundão carimbado”. Até ele achava engraçado

                           Éramos felizes e esse personagem de nossa infância bondoso e amigo de todos surpreendeu mais ainda por ter se transformado num grande médico cirurgião.

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