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quarta-feira, 13 de março de 2019

MISTÉRIO - Hirtis Lazarin



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MISTÉRIO
Hirtis Lazarin


     Jerônimo é o nome do delegado de Matinhos, cidadezinha sergipana.

     Dois metros de altura e músculos avantajados, impõem respeito.  Os traços faciais mal delineados e grosseiros é confundido com a braveza de um touro nervoso aprisionado.

     A cidade conta com poucos habitantes e muita tranquilidade.  Exige pouca ação dos representantes da lei.

     É a briga no boteco, garrafas quebradas e gente ferida.  É o marido que chega bêbado, chuta tudo que vê pela frente: móveis, mulher e até filhos.  É a cachorrinha fujona que foi parar numa cratera aberta pelas águas de março.  É o galo poderoso que faz um escândalo na intimidade da noite, acorda vizinhos e o dono das galinhas avisando-o que larápios invadiram o galinheiro.

     No momento, Jerônimo está com um caso complicado pra investigar: é o Seu Jonatas, pai de dois meninos, que saiu pra trabalhar e há oito dias não volta pra casa.

     O delegado, sentado displicentemente em sua poltrona pesada e macia, pernas esticadas sobre a mesa, botas de couro com brilho de espelho, perdido em pensamento, arquiteta um roteiro de investigação.

     Era o meio da tarde.  Ele sente um cheiro ruim, mal-estar e náuseas.  Um frio gelado arrepiou todos os pelos que tinha no corpo.  Levantou os olhos e ficou assustado.  À sua frente estava um homem estranho.  Entrou sem ruído.  O rosto pálido, num amarelo-esverdeado, os olhos tristes e chorosos causavam dó.  Entregou-lhe um envelope cinza-chumbo bem amassado.  Saiu calado, apressado. 

      Jerônimo tem nome comprido, mas curto é o seu pavio.  Deu um pulo e com poucas passadas chegou à porta da delegacia.  O homem já havia desaparecido.  Lá fora, nem sinal...  A recepcionista, que controla entrada e saída das pessoas, jurou que esse homem não passou por ali.

     Lá fora de tão azul o céu ardia os olhos e o sol espirrava tantas cores e tanto calor que até derretia o piche do asfalto.

     Cabreiro o delegado voltou à sua sala, juntou o envelope, sem remetente nem destinatário, a outros papéis empilhados na mesa.  Tinha trabalho urgente a sua frente.

     Inesperadamente uma rajada de vento forte escancarou a janela maior da sua sala, sacudiu as cortinas e caminhou em direção à mesa.  Remexeu os papéis todos e apenas um deles voou.  Voou e parou no colo de Jerônimo que acompanhava tudo sem reação.  A ventania cumpriu sua missão e saiu por onde entrou.  "Como, se lá fora o céu continuava sem uma nuvem sequer?

     O homem apavorado e supersticioso tirou o terço da gaveta e se pôs a orar.  Fechou a porta da sala.  Não queria que ninguém o visse naquela situação.  Depois que recitou todas as orações que aprendeu no catecismo e ainda sabia de cor, sentiu-se aliviado e com coragem pra abrir o envelope.  Um bilhete:

Praia Pirambu
Casa amarela
Quadro na parede/ revólver
"SOCORRO!"

     Leu e releu as anotações, nem sei quantas vezes.  Decifrar não conseguiu, mas naquela mesma tarde, acompanhado de outros policiais, partiram pra Pirambu, a oitenta quilômetros de Matinhos.

     Já era noitinha quando chegaram.  Andando de lá pra cá, encontraram duas casas amarelas: uma iluminada e habitada.  A outra, abandonada.  Pintura desgastada, paredes com rachaduras de onde brotavam ervas daninhas.  Um empurrão mais forte abriu a porta.  A dobradiça enferrujada gemeu.  Lanternas nas mãos clarearam o interior da casa.  Muitas tralhas espalhadas pelo chão.  Na parede lateral o quadro.  Uma pintura surreal, assustadora, figuras enigmáticas e indecifráveis, domínio do absurdo, da imaginação fantasmagórica.  Era de arrepiar.

     Num puxão o quadro despencou desmontado.  No verso, outro envelope e outro bilhete.

Rua 7, número 177
Aracaju
Comunidade das Pedras

     Faltava o revólver.  Vasculharam cada canto e encontraram-no dentro de um saco de pão.

     Uma brincadeira de gato e rato?  Não importava.  Obstinado Jerônimo desvendaria aquele mistério.

     Na manhã seguinte, bem cedinho, deslocaram-se pra Aracaju.  Achar a comunidade foi fácil, difícil foi achar a rua 7.  Eram vielas e mais vielas, compridas e sinuosas.  Um labirinto.  Um rapaz sentado na soleira da porta, fumando maconha, orientou a equipe.  Era um barraco, quase não parava em pé.  A porta apenas encostada.  Tudo vazio, apenas um gato magricelo abriu os olhos com o barulho e voltou a dormir.  Num pedacinho de terra, uma imitação de quintal, uma bananeira morria às mínguas e um cheiro insuportável vinha de um poço fechado com tábuas pregadas.  Uma nuvem de moscas rodeava-o.

     Ali dentro apodrecia o corpo de um homem.  Junto dele uma caixa.  Dentro da caixa a foto embaçada de um casal e outro bilhete
                                                           

Jonatas

Meu amor era grande demais
Minha sede de vingança maior
Você mentiu, você me iludiu
Envenenou-me de amor
Como outro, jamais
Uma arma, um tiro, uma dor
Um choro sufocado, consolador.

Soninha


     Jonatas era o homem desaparecido há oito dias.  Morto pela amante Soninha.  A prisão da assassina foi questão de dias.

     Jerônimo, na paz do dever cumprido, estica as pernas sobre a mesa, acende um cigarro e pega o jornal semanal.  Primeira página, manchete:  "A morte de Jonatas e a prisão da amante"

     O delegado olha bem a foto do morto.  Não pode ser... Esfrega os olhos.  Põe e tira os óculos.  Troca de óculos.  Não havia dúvidas.   Jonatas era o homem que lhe entregou o envelope cinza-chumbo.  O envelope com as dicas pra que não só o seu corpo fosse encontrado, como também denunciar a assassina.

     Hoje Jerônimo tem dois grandes medos: ratos e fantasmas.  Tem certeza que existem.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

VIDA PERDIDA - Hirtis Lazarin





VIDA  PERDIDA
Hirtis Lazarin


     Conheci o Gino de ontem e conheço o Gino de agora.

     Há muito tempo, Gino abandonou a família, o trabalho estável bem remunerado e partiu sem rumo por este mundo de Deus.

     O que levaria um homem a fazer isso?   Um desgosto profundo?  Uma traição?  Um surto?  Loucura?  Todos esses pensamentos gritam quando se vê a vida do lado de cá.

     Aquela noite chuvosa estava muito... muito ...fria. Até o criquilar dos grilos saía congelado.

     A casa estava vazia.  Há horas, Gino angustiado caminhava incessantemente de um cômodo a outro seguindo o tic tac compassado do relógio.

     Ouvia-se lá de fora, o plim plim plim  ritmado dos pingos grossos da chuva batendo numa bacia de alumínio, como se uma música fosse começar. Até isso irritava-o, mas nada fazia pra interromper essa agonia.  Ao contrário, o seu ódio, o seu descontrole só fazia crescer.

     E foi assim, sem condições de pensar nas consequências, alucinado, desapareceu de casa sem levar nada.  Apenas um bilhete trêmulo e rasurado:  "Estou indo embora.  Não me procurem."

     Andou...andou...quilômetros por estrada desconhecida.  O cansaço parou-o num matagal espesso.   Desmaiou e só acordou quando, no dia seguinte, o sol forte que se esgueirava entre os galhos, por uma frestinha, encontrou seu rosto.  Cheio de dores e com muitos arranhões pelo braço, sabia o que teria que ser feito.  Era ali que queria ficar.

     Sem ferramentas e com pouca habilidade, abriu, ali mesmo, uma pequena clareira, espaço suficiente pra ele.  Aos poucos, recolhendo pedaços do que já foram portas, janelas e pés de mesa  armou sua barraca.  A chuva era impedida de entrar por sacos plásticos pretos e grossos.  Estava pronto o lugar onde passaria os últimos dos seus dias e, conscientemente, torcia pra que fossem poucos.  Não lhe importava mais saber  o dia, nem o mês, nem o ano.  Tinha o que precisava: "PAZ".

     As noites eram longas e silenciosas.  De vez em quando, acordava sobressaltado com o pio de uma coruja solitária e indefesa. O piar mais parecia o lamento de alguma alma perdida.   Durante o dia, o que realmente lhe incomodava, era o zum zum zum monótono e incessante de borrachudos loucos pra se alimentar do sangue da vítima.  Às vezes, varejeiras perigosas se fantasiavam  de verde azulado e se misturavam a esses mosquitinhos.

      Gino cobria-se com trapos que encontrava em suas andanças.  Muitos desses trapos tinham certos detalhes próprios de roupas que, um dia, fizeram parte de um guarda-roupa luxuoso.

       Hoje, os cabelos que já foram fartos e bem tratados, desapareceram.  Apenas alguns punhados de fios que teimam em resistir.  A barba crescida e desregrada esconde-lhe o rosto magro.  Visíveis apenas o nariz e os olhos claros lacrimejantes.

     Que sofrimento esconde essa criatura?  Quem tirou-lhe a esperança, o desejo, a mola propulsora da vida?  Quem ou o que o forçou à solidão?  Solidão que o tornou arisco, desconfiado e de pouquíssimas palavras.  Apenas dois gatos tinham o privilégio da sua companhia e de alguns gestos carinhosos. 

     Tudo tem uma explicação.  E eu fui em busca dela.  Desvendar esse segredo, o lado silencioso e obscuro dessa história.

     Gino era casado, tinha um menino e Vanda, a mais nova. Os traços da menina, delicados e bem torneados, chamavam a atenção.  E, ainda bem pequenina, já era requisitada pra comerciais de t.v.  Mas foi na adolescência que sua beleza explodiu.  E junto, explodiram a rebeldia e a vaidade exagerada.  Era a preocupação com os cabelos, com o corpo, com a pele.  Deixou os estudos pra trás e a vontade de ser advogada.   Os livros da escrivaninha deram lugar a cremes, shampoos, cosméticos e essa parafernália toda que promete a juventude eterna. 

     A família vivia um cotidiano fútil baseado em beleza, moda, tratamentos e dietas em busca da perfeição.  "Passarela", "modelo", "sucesso" "fama" e "dinheiro" eram as palavras mais pronunciadas naquela casa.

     O tempo corria veloz e a carreira de Vanda andava feito tartaruga.  Os esforços eram muitos, as oportunidades eram poucas.

    Enquanto o pai aconselhava, advertia, mostrava a efemeridade dessa carreira, a mãe não só apoiava como era a maior incentivadora das loucuras da filha. 

     Vanda já passara por vários procedimentos estéticos, mas não se satisfazia com o que o espelho lhe mostrava.  Insistia agora numa lipoaspiração abdominal.  As dezenas de" não" do pai geraram choro, gritos, brigas, muita confusão.   A casa enlouqueceu.

     Às escondidas do pai, Vanda chegou à mesa de cirurgia. e tudo correu conforme a previsão médica.  Ficou internada por dois dias apenas e a recuperação seria em casa.  Cinco dias depois, um mal-estar que seria passageiro levou-a à uma nova internação.  E, pra desespero da família, uma parada cardiorrespiratória tirou-lhe a vida.  E, hoje, um túmulo frio e cinzento acolhe os dezoito anos de uma jovem sonhadora, que sonhou o impossível.

     Gino não suportou, entregou-se à bebida, abandonou tudo e perdeu-se pela vida. 



Lisboa, 05 de dezembro de 1500 - Hirtis Lazarin





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Lisboa, 05 de dezembro de 1500
Hirtis Lazarin


                                                                 Pero (sem sobrenome)

    Homem maldito, despertaste em mim o inferno da ira.  A vontade de te destruir é tão forte que queima e explode dentro de mim.  Meu coração não pulsa mais no compasso;  ele corre desvairado atropelando meu equilíbrio e minha sensatez.  Faíscas de fogo brotam dos meus olhos e me deixam cego.  E tão ferventes são que, se lançadas em tua direção, derreter-te-iam em segundos.

     Eu, homem de pouca fé que sou, humilho-me, ajoelho-me e rogo a Deus que aquiete minha pessoa e permita a mim colocar neste papel o juízo que faço de ti.

     Quão insolente foste tu ao dirigir-te a este capitão-mor.   D. Manuel, nosso rei e soberano, lançou-me numa perigosa empreitada por águas bravias e pouco conhecidas.  Só confiou-me tal missão porque acreditava na minha bravura e destemor.  E, para glória do nosso povo, cheguei à Terra de Santa Cruz.  Mais uma conquista portuguesa.  A terra é tão fértil e pródiga que, por estas bandas de cá, já se ouve falar que "nela se plantando tudo dá".  As árvores do tronco vermelho são tantas, mas tantas... que não dá nem pra contar.  Até já posso vê-las, ora pois, transformadas em tantas novas embarcações, navegando por outros destinos.

     Quão insolente foste tu ao criticar o tratamento de meu feitio à tripulação que comandei.

     Quão insolente foste tu reclamando que trabalhava debaixo de tanto sol e que dos lombos escorria suor de raiva e rancor.  Esqueces-te por acaso de onde saíste?  Lembro-te: foi de um calabouço fétido, entalhado no mais alto da torre.  As paredes úmidas e emboloradas lá jazem inertes, arranhadas todas por unhas nervosas e desesperadas.  Paredes esburacadas que parem ratos e baratas.  Ratos que comem baratas e baratas que comem nada.  E famintas e enfraquecidas percorrem aqueles corpos quase nus, atraídas pelo cheiro forte e nauseante que exalam.   Ora pois, esqueceste também o terror que sentias dos gemidos sofridos, noite e dia, os gemidos dos que ali morreram de morte verdadeira ou de morte matada pela certeza do "nunca mais"?

     Quão insolente foste tu em não reconhecer o gesto piedoso do nosso soberano, libertando-os daquele inferno em troca do trabalho nas grandes expedições.

     Quão insolente foste tu em me maldizer com a certeza de que o nome deste servidor de Vossa Majestade jamais entraria para a história da Terra de Santa cruz.  Ah! Ignorante e petulante que tu és, informo-te que o nome de PEDRO ÁLVARES CABRAL já está agraciado, juramentado e lacrado nos compêndios da literatura de Portugal.  Morrerei em paz e com a certeza do dever cumprido.

     Informo-te que pela insolência da sua pessoa e pelo valor que represento ao meu povo, nosso Rei cobrar-te-á pagamento justo e merecido.  Perderás a liberdade e deixarás de desfrutar das maravilhas da Terra Nova.  Esqueça, ora pois, das índias formosas da pele de mel e dos cabelos negríssimos e de comprimento tal que se arrastam pelas costas e por toda frente, escondendo-lhes a parte da vergonha.  E que todos os homens machos rezam pra que uma ventania chegue sem aviso prévio e cumpra sua missão: varrendo folhas e jogando cabelos ao léu.

     O portador desta apresentar-se-á acompanhado de um homem de pele cascuda, grossa, mas de voz fina;  braços troncudos e firmes, mas de andar  cambaleante; de cabeça comprida e ideias curtas.  Leva algemas e uma missão: trazer-te de volta à masmorra, de onde nunca deverias ter saído, ora pois, pois.
     
        PEDRO ÁLVARES CABRAL  


Amizade curiosa - Ana Catarina Sant’Anna Maues



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Amizade curiosa
Ana Catarina Sant’Anna Maues
  

De: Paulo Vitor
Para: Pedro Álvares Cabral

     Olá Cabral! Desculpe a intimidade, mas te conheço há séculos. A aventura que protagonizastes fantasiou minha mente infantil e seguiu comigo. Eu vi as embarcações deixando o porto de Lisboa e tomarem rumo no mar; eu vi desaparecerem no horizonte as torres mais altas do Jerônimo; eu vi o nevoeiro de três dias, e logo após, o monte crescendo e crescendo conforme as naus aproximavam-se de terra firme. Eu senti o sal por todo o percurso; eu senti o aperto da saudade que chegava sem aviso; eu senti a vitória no grito Terra a vista! Eu ouvi os choros; eu ouvi os risos; eu ouvi as orações. Daí, Cabral, quero dizer que, por mais que não tenhas o prestígio que mereces como pioneiro na história daí, e não ocupes acentuado destaque na história daqui, tendo até quem trame retirar-te a conquista da terra, possuis minha total admiração e respeito, pois a aventura que vivemos determinou meu destino. Hoje sou comandante também, o turismo minha bandeira. Levo em média cinco mil passageiros e percorro em doze dias, o caminho que fizestes em quarenta e quatro. 
Sem mais despeço-me com apreço. Paulo Vitor.



De: Pedro Álvares Cabral
Para: Paulo Vitor

     Ora pois, pois, gajo. Não estou a lembrar-me de ti! Por certo recordar-me-ia. Eras, por acaso, um pirralho? Mas deixemos de lado tais coisas e vamos ao que interessa. Pois bem! Não sei do que estais a falare. Como pode ser cinco mil marujos? Isto é deveras gigantesco. Estupendo, pois não?  Mas dou-te vivas por abraçar carreira tão majestosa. Ao conversarmos sobre tempo tão longínquo, recordo-me de uma bela rapariga que tocou-me o coração. Era nativa da terra recém descoberta. De cabeleira negra, pele avermelhada e corpo nu, encantei-me com a visão logo de pronto. Mas tive que abandonar a bela cachopa quando retornei a Portugal. Cá chegando enfrentei repreensões de Dom Manuel, o Venturoso, devido a escassa quantidade de tesouro que trouxera da ilha de Vera Cruz. Furioso estava, pois destinou o envio de dez naus e três caravelas ao desconhecido, mantendo forte esperança por riquezas. Daí não agradei a Vossa Majestade, e fui punido. Em resumo foi isto que se sucedeu. Sem mais rogo abençoa de Deus na sua vida.

Pedro Álvares Cabral.                                                  

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

A ÚLTIMA CENA - Isabel Lopes



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A ÚLTIMA CENA
Isabel Lopes

O destino, esse brincalhão, parecia não se cansar de empurrar Jandira por caminhos controversos.

Outrora renomada atriz de teatro, hoje chafurdada em dívidas. Só lhe restava, sobreviver como sabia: criando e interpretando personagens.

A pobre cega viúva e desamparada era sua mais nova criação. Parada na Praça da Matriz, disfarçada em óculos escuros, lenço nos cabelos, bengala e trajes maltrapilhos, ela pedia esmolas com uma sugestiva placa na mão que dizia: Sou cega, mas vejo que seu coração é generoso. Uma esmola, por favor!

Era assim que, ilicitamente, Jandira garantia uns bons trocados naqueles tempos difíceis.

Só não contava naquela noite com o tumulto próximo a igreja! Falava-se em assalto, pessoas correndo assustadas...foi isso que a levou, de olhos bem abertos, a correr também.
Foi então que, reconhecida por populares, a pseudo-viúva cega estava prestes a ser linchada e, tudo levava a crer, que o povo ia ate o fim!




O COBIÇADO SINO DE OURO - isabel Lopes




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O COBIÇADO SINO DE OURO
isabel Lopes


Misteriosamente, o principal meio de comunicação daquela cidade era o sino de ouro, uma relíquia da cidade de São João del-Rei.

Através dos seus variados ritmos, além das horas, o sino anunciava a chegada das festas religiosas e suas badaladas fúnebres comunicavam o falecimento de alguma autoridade local. Ainda tinham os toques que alertavam sobre ocorrências de incêndios e outros infortúnios, como assaltos de grandes proporções.

Quando Sandoval traçou seu plano para sequestrar o sino de ouro, só pensava na comoção da cidade e no robusto valor do resgate que receberia das autoridades quando, dias depois, simulasse tê-lo heroicamente recuperado das mãos do salteador.

Não deu certo. Naquela noite o sineiro fez soar o sino de ouro, anunciando um mega assalto há duas quadras da igreja. A polícia cercou o quarteirão.

O plano de Sandoval foi frustrado e o sino, sem saber, salvou-se a si mesmo. Mistério!

O SEGREDO DE NARCISO - isabel Lopes



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O SEGREDO DE NARCISO
isabel Lopes



Abriu ruidosamente a encomenda e festejou: era sua “Secret Spy”!

Indecifrável câmera secreta, em formato de relógio de mesa, com inúmeros recursos: reprodução de áudio e vídeo em alta resolução, detector de movimentos, visão noturna infravermelha e bateria com duração estendida.

A mulher enfim iria descobrir se a empregada andava mesmo usando suas roupas. Havia alguns dias que estava dando falta de algumas peças...

Posicionou a câmera-relógio e saiu de casa, entre tensa e divertida, sentindo-se assim, meio 007.
Ao chegar da rua foi direto para o quarto, acionou a Secret Spy e começou assistir aos vídeos. Foi então que, atônita, não conseguiu acreditar no que via!

À noite, no quarto com o marido, clima tenso, a mulher pedia explicações, enquanto se lembrava da patética imagem de Narciso rebolando dentro de seu vestido, mal equilibrado sobre os saltos de seus sapatos preferidos.

Narciso só fazia chorar, desconcertado e a Secret Spy, esquecida ligada, flagrava sarcasticamente o fim de mais um casamento aparentemente sólido.


AMOR, ESSE IMENSO MAR - Isabel Lopes



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AMOR, ESSE IMENSO MAR
Isabel Lopes

Era um dezembro morno e as casas enfeitadas com sinos, guirlandas e pisca-piscas anunciavam a chegada de um Natal que eu queria evitar.

Mergulhada em minha rotina, eu me refugiava no quarto entulhado de livros e escritos ilegíveis, onde passava a maior parte do dia.

Na estante, um livro me escolheu (porque os livros fazem isso...) era Tudo e Todas as Coisas, de Nicola Yoon.

Li algumas páginas, buscando entender o que o titulo queria dizer. Depois, escorreguei na cama macia com o livro sobre o peito.

A campainha tocou e foi aí que, sem motivo aparente, uma alegria me tomou e, como uma criança espevitada, me enlaçou pela cintura fazendo meu mundo girar, embriagado por uma repentina felicidade.

O que aquilo queria dizer? A vida continuava tão igual.

A não ser pela chegada daquele inusitado visitante...

Minha mãe atendeu, era um amigo da família.  Quanto tempo, desde que se casou e depois mudou de cidade... soube que havia se divorciado.

Talvez estivesse se sentindo só. Procurava pelo meu irmão, eram amigos desde a adolescência.

Levantei-me e fui até a porta.  Fala “oi!”’, me obriguei um pouco desconcertada. Ele retribuiu e prosseguiu o diálogo com meus pais sobre os velhos tempos.

Eu acompanhava a conversa com os olhos, sem participar. Apenas sorrindo quando convinha, pois, precisava gastar a súbita carga de felicidade represada dentro de mim.

A vida seguiu sem novidade depois daquele dia, até quando ele fez o primeiro contato pelo serviço de mensagem instantânea.

Era o início de longas conversas sobre Tudo e Todas as Coisas, como o titulo daquele livro. Descobríamos semelhanças, afinidades, compartilhávamos paixões e desafetos... eram diálogos calorosos que não tinham pressa de acabar.

Falávamos apenas por mensagens... não tínhamos coragem de ligar! Medo de não saber o que dizer, da voz falhar, de escapar um suspiro que denunciasse aquilo que já sabíamos estar nos envolvendo.

Mas um dia ligamos! E foi na troca de doces palavras que tivemos a certeza que nos pertencíamos!

Então entendi aquela felicidade que havia se instalado previamente em mim. Era alegria que premonizava esse inusitado encontro que nos tornou adolescentes em plena maturidade!

Sem pudor, mergulhamos nas águas doces da paixão, até navegarmos pelas ondas profundas do mar do amor.

Hoje eu te olho e percebo que tudo tinha de ser como foi.

Seguimos velejando por esse imprevisível mar, sobrevivendo às ondas impiedosas, ousamos mergulhar cada vez mais fundo.


Belisa Poscam

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...