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quinta-feira, 28 de março de 2024

Quem era ela? - Hirtis Lazarin

 



Quem era ela?

Hirtis Lazarin

 

 

A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantinho. Não havia nenhuma estrela. Uma sexta-feira diferente. Bem que meu avô falava que não devemos andar em noite de sexta-feira, principalmente se não tiver estrela. Nessas noites, da escuridão vêm visões para assustar as pessoas.

Mas é claro que Rafa, doze anos, não sabia dessas coisas, quando resolveu partir pra uma aventura. Ou, se já ouvira falar, não acreditava. Morria de rir quando contavam histórias de fantasmas e ele caçoava dos amigos medrosos.

Naquela sexta-feira, os pais chegariam bem tarde.  Estavam na Capital resolvendo negócios do trabalho. O menino achou, então, que era sua oportunidade de conhecer uma tal casa abandonada. Fazia tempo que essa vontade não saía de sua cabecinha fantasiosa.

Já ouvira muitos comentários a respeito. Uma história que vinha sendo contada de geração a geração e que virou lenda na pequena cidade do interior.

A curiosidade do menino só aumentava a cada detalhe acrescentado ao que já sabia.  Há quarenta anos, aconteceram várias mortes suspeitas na família que lá morava.  Sobrou apenas o pai. Ele abandonou tudo e desapareceu. Nada foi levado. E nunca mais tiveram notícia dele.

As pessoas foram assassinadas ou contraíram alguma doença contagiosa? 

Não havia registros médicos nem na justiça.

E o povo foi inventando coisas e a história foi aumentando. Não tinha fim.

Rafa não podia deixar sozinha sua irmã Bia, de apenas cinco anos. É claro que não lhe contou a verdade. Seria apenas um passeio. A menina pulou de alegria e queria levar bichinhos de pelúcia. É lógico que o irmão proibiu, garantindo outras surpresas.

Estavam caminhando há mais de meia hora e já estavam bem longe. As casas da rua ficaram poucas. Os galhos de árvores muito altas e copadas atrapalhavam as luzes dos postes elétricos. E, ainda mais, um vento não muito forte balançava as folhas verdes. Nesse vaivém divertido, tênues sombras eram projetadas como se fossem fantasmas irreverentes e zombeteiros.  Bia, na sua inocência, brincava com eles. 

Ei… Afinal… Lá estava a tão famosa casa, bem afastada da rua e rodeada de mato alto. 

Não foi fácil chegar até a porta de madeira apodrecida. As paredes eram verdes por conta das ervas que foram crescendo ao seu entorno; cresceram agarradas à construção e se apoderaram dela. 

O trinco… Ah! O trinco… Não ofereceu resistência. Tudo escuro.  Não se enxergava e não se ouvia nada. A lanterna? O menino era precavido e não se esqueceu dela. Clareava muito pouco, talvez um palmo diante do nariz. Deu pra ver um rato magricelo e comprido correndo pela sala. Saiu debaixo de um sofá e, silencioso, desapareceu num raio só. Ainda bem que Bia nem viu, empolgada pela descoberta de coisas diferentes. Era tudo igual ao desenho animado do “Menino que morava sozinho na floresta” e ela adorava.


Os móveis estavam cobertos por panos que já foram brancos.  Era poeira e teias de aranha que não acabavam mais. O assoalho estalava a cada passo. Era o som desafinado da corda única de um violão guardado e esquecido no armário.

Os dois chegaram à cozinha. ENORME!  Um estival de baratas zanzava por tudo. Pareciam as donas do lugar e ignoraram os visitantes. Em cima do fogão enferrujado estavam panelas sujas e destampadas. O cheiro era forte.  As crianças tossiam sem parar e foi preciso interromper, por um tempo, a exploração. Mas a empolgação continuou firme e forte. Um armário alto estava aberto e cheio de louças e vidros. Tudo bem arrumadinho. Acho que não faltava nada. As cadeiras em volta da mesa estavam organizadas, mas faltavam duas delas, as da ponta. Um vaso que já viu uma flor estava no centro, sozinho e triste. 

Rafa, em algum momento, sentiu medo. Não medo de fantasmas, mas que aparecesse alguém. Faltavam os quartos, lá em cima, no primeiro andar. Eram vários. Tudo era muito espaçoso. Muita gente morou ali.

Ele tirou o celular do bolso e fotografou tudinho. Olhou as horas e se assustou: oito horas da noite. Não tinha tempo pra enrolação. Agarrou as mãos de Bia, prontos pra acessar a parte de cima. A esperança era que lá encontrariam coisas interessantíssimas.

Estavam ainda nos primeiros degraus da escada quando uma luz forte clareou tudo. 

Uma voz rouca e brava gritou:

— Quem são vocês? O que fazem aqui?

Era uma velha, mas tão velha, que seu rosto parecia jornal de ontem dobrado e amassado. O nariz era comprido, igual ao da bruxa que envenenou Branca de Neve. 

 

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