A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

DIREÇÃO ERRADA - Hirtis Lazarin




DIREÇÃO ERRADA

Hirtis Lazarin

 

A noite estava escura. Nem a lua nem as estrelas para clarear a estrada estreita e esburacada.  Apenas uma brisa irrequieta ciscando a relva esbranquiçada e miúda que se estendia a perder de vista. Árvores, muito poucas.

Depois de quilômetros e quilômetros rodados num carro velho e perdido no rumo, aparece uma placa indicando um restaurante de estrada.

Estaciono e observo detalhadamente tudo à minha volta. Nenhuma luz acesa, nenhuma voz. Parecia abandonado.

Senti medo, mas desci. Minhas pernas inchadas e cansadas doíam. Muito tempo na mesma posição tensa de gente que está perdida e não sabe onde vai parar. A garganta seca exigia água. Impossível não encontrar uma única torneira.

A recepção estava vazia. Sobre uma escrivaninha de verniz rabiscado, uma máquina Olivetti e numa folha de papel branco e intacto encaixada nela, uma palavra que não foi concluída.

Da janela envidraçada, coberta de gordura e pó, era impossível ver o que acontecia do outro lado. Uma porta que já foi pintada de branco está com a maçaneta quebrada.

Empurro-a cuidadosamente para não chamar a atenção, mas de velhice ela reclama. Nem vozes, nem barulho do outro lado, apenas a minha respiração ofegante. Um cheiro azedo de comida estragada.

Meus olhos, aos poucos, vão se acostumando com o escuro: uma cadeira caída, cacos do que já foi louça, roupas esparramadas e muitas moscas rodeando alimentos apodrecidos. O maior susto foi quando vi sobre a cama uma moça seminua, amordaçada, presa à cama, pés e mãos amarrados. Os olhos arregalados suplicam, pois acredita ela que chegou o seu fim.

Aproximo-me de um jeito cordial e transmito-lhe confiança. “Não se assuste. Vou ajudá-la. Sou alguém alheio a tudo que está acontecendo”.

Com dificuldade, liberto-a das amarras. Seus pulsos e tornozelos estão feridos, sangram.  Peço que não fale nada. “Temos que abandonar esse lugar o mais rápido possível, antes que apareça alguém”.

Ela está confusa e fraca. Não consegue dar um passo à frente. Carrego-a no colo e chegamos ao carro sem sermos incomodados. Reviro os bolsos da calça, do casaco e não encontro as chaves. Deito-a na grama quase desfalecida.

A noite está agora mais escura. Nuvens acinzentadas prometem chuva a qualquer momento.  ”Ótimo para assentar a poeira que levanta do chão seco e ataca minha rinite crônica”.

Olho o relógio e são vinte e duas horas e dez minutos. Já se passaram mais de duas horas desde que cheguei ali.

“Preciso voltar àquela casa e procurar as chaves. Corremos o risco de sermos surpreendidos a todo minuto perdido”.

Dou alguns passos rápidos e paro.

Ouço o trotar de cavalos que chegam cada vez mais perto...


Nenhum comentário:

Postar um comentário

DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.

As Meninas da Casa Verde – CAITANA - Adelaide Dittmers

  As Meninas da Casa Verde – CAITANA Adelaide Dittmers   Caitana, a mais velha das meninas da Casa Verde, muito religiosa e sóbria, er...