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quarta-feira, 4 de agosto de 2021

FOI POR UM TRIZ - Hirtis Lazarin

 




FOI POR UM TRIZ

Hirtis Lazarin

 

Foi por um triz, apenas dois minutos de atraso no táxi e ela não conseguiu embarcar no trem.  Até abandonou parte da bagagem no porta-malas do carro.   Naquela hora decisiva, perder parte das roupas era o que menos importava.  Pode, ainda, ver o último vagão acenando-lhe adeus e desaparecer no túnel que atravessava a montanha de vegetação castigada pelo inverno rigoroso.

Estava inconsolável.  Um plano estudado em todos os detalhes; um projeto fracassado.  Ajudada por um funcionário que se comoveu com o desespero daquela mulher chorando e gemendo, Florence deixou-se cair num dos bancos de madeira puída e desbotada no corredor da plataforma.

Era a viagem tantas vezes adiada.   A dúvida, o medo de trocar o certo infeliz pelo incerto cheio de esperança.  A possibilidade de libertar-se de um casamento sufocante que já durava oito anos.  Ronald adiava sempre a paternidade.  Um filho, um empecilho aos negócios naquele momento tão produtivo no “seu” mundo empresarial.   A vida do casal era viajar e viajar...  Hotéis e hotéis...

O marido passava o dia em reuniões, congressos, assembleias, e Florence vagava solitária pelos hotéis à espera dele que tinha hora pra sair e nunca pra voltar.  Não raras vezes, adormeceu com fome na mesa do jantar.

“A pior coisa não é ficar sozinha, é ficar sozinha ao lado de alguém” – pensamento que começou a ficar recorrente na mente de Florence.

Fingia que se acostumara à situação.  Não tinha porque reclamar, pois, aos olhos de todos, casara-se com um príncipe.  Homem poderoso, jovem e cavalheiro.  Aquele que presenteia flores, abre delicadamente a porta às mulheres e nunca se esquece das datas importantes.

A casa mais moderna e requintada, o reconhecimento das maiores autoridades, o paparico da alta sociedade, luxo e a inveja das moças casadoiras.   Quanta ilusão!

Florence levou um susto quando o segurança a acordou.  A estação ferroviária estava deserta e escura, prestes a fechar.  Lá fora, a neve caía em flocos, suficientes para amedrontar até aqueles que sempre conviveram com ela.

Florence saiu à procura de táxi.  Não seria nada fácil àquela hora da noite e com aquele tempo frio.  Esgueirando-se por entre toldos das lojas, cuidando-se para não escorregar na camada de gelo que ia se formando nas ruas e calçadas, viu uma única luz acesa perto da esquina mais próxima. 

Era o “Sweet Café”. Ela espalmou o casaco expulsando floquinhos de neve e entrou.  Uma única cliente sentada próxima ao balcão, papeando com o garçom.  Roupas apertadas e provocantes.  Espartilho apertadíssimo pressionava os seios volumosos que se viam obrigados a saltar aos olhos dos maliciosos.

Florence sentou-se afastada dele.   Um chocolate bem quente era o que mais queria naquele momento incerto e difícil.  Esquentar o corpo trêmulo de frio e esfriar a cabeça quente de medo.  Como voltar pra casa e enfrentar o marido?  Como contar a verdade?

Há mais de um ano, ela conheceu Will, um jornalista hospedado no mesmo hotel onde o casal estava.  Encontraram-se por acaso, duas vezes, no restaurante.  Uma conversa amistosa de pessoas inteligentes, amantes de um bom livro e um bom filme os aproximaram.  Depois, um café da manhã juntos, uma volta pelas cercanias, um passeio de barco, a proximidade cada vez mais próxima, a tentação e o encanto do proibido.  Um beijo de língua.  Paixão ardente incontrolável.  Outros encontros em outras cidades e em outros hotéis.

Will aguardava Florence naquele trem.  Depois de superadas tantas dúvidas e desafios, acertos e desacertos, finalmente se encontrariam naquele trem e juntos chegariam a Londres, com destino a Nova York.

Era o fim de um pesadelo e o começo de uma grande aventura de amor.

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