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segunda-feira, 24 de maio de 2021

AQUELE NAVIO - Claudionor Dias da Costa

 


AQUELE NAVIO

Claudionor Dias da Costa


Olhando o mar, voltou à minha mente a história ocorrida há mais de dez anos, quando eu e minha namorada, na época em férias, avistamos, encalhado junto às pedras e não muito longe da praia, aquele navio, partido ao meio, muito velho e enferrujado. Provavelmente acidente ocorrido a muito tempo.

Ficamos fixando o olhar nos detalhes daquela embarcação, quando naquela tarde quente e silenciosa escutamos vozes e gritos que vinham de dentro daqueles escombros. 

Aquilo nos intrigou e nos deixou amedrontados.

Voltando à nossa pousada, comentamos o fato com o Sr. Petrônio que pensativo e cuidadoso disse:

— Aquele navio afundou nos anos trinta e realmente muitas histórias são contadas sobre acontecimentos estranhos com ele. Também já falaram dessas vozes ...

O que nos contou só nos deixou mais pensativos. Como dono da pousada é residente há muito tempo na vila, e experiente com turistas, só aguçou nossa curiosidade com seu comentário curto e cuidadoso.

No dia seguinte voltamos ao local.

A nossa curiosidade era grande e aliada à coragem dos jovens que acreditam que nada lhes acontece por serem destemidos e corajosos, resolvemos ir até o navio.

Como estava partido ao meio, fomos na parte das cabines dos passageiros.

Caminhando por aqueles corredores escuros, úmidos, malcheirosos, nos assustamos quando surgiu uma figura estranha. Era um ser de estatura baixa, com asas, rosto parecendo de morcego, cor próximo do marrom.

Aquilo provocou a imediata reação de minha namorada que se agarrou fortemente em mim. Eu também recuei e nos encostamos na lateral do corredor tentando nos proteger.

O maior impacto veio quando ele se dirigiu a nós dizendo:

— Fiquem tranquilos. Sabemos quem vocês são e estamos aqui porque viemos para protegê-los.

Gaguejando e tentando manter a calma balbuciei:

— Para nos proteger?

— Sim. Eu e meus companheiros somos do planeta Bemfix que é de outra galáxia. Nossa civilização tem mais de quinhentos mil anos. Como observamos e exploramos o universo, vimos que na Terra, vocês estavam precisando de ajuda.

— Ajuda?

— Claro. Os habitantes de Endland, planeta que vive em conflito com muitos outros, e quer dominar, resolveu partir para cá e tentar escravizá-los. Procurariam estabelecer bases na Terra. Se alimentam de cápsulas que fabricam a partir de algas e alguns microrganismos marinhos e no planeta deles ficaram escassas porque os mares começaram a secar.

Conseguimos explodir a nave deles que afundou no mar. Se refugiaram neste navio e estão aguardando salvamento com grandes dificuldades de comunicação por enquanto. Com muita luta, aos poucos vamos eliminando estes Endlanders. Hoje, devem restar uns dez que se refugiam principalmente na outra metade deste navio que se encontra à frente.

Sem conseguir terminar o que dizia, ouvimos gritos ensurdecedores no convés e espreitando cuidadosamente vimos um horrendo ser também alado, assustador, grande, parecendo com um dragão.

Imediatamente o nosso novo amigo emitiu um estranho e sibilante som. Apareceram mais cinco iguais a ele e atacaram o dragão. Após uma luta intensa em que demonstraram muita agilidade desferiram um facho de luz com uma espécie de pistola, um pouco maior que consumiu o dragão numa nuvem de fumaça que cheirava a enxofre.

Vendo aquela cena dramática, escondidos e não acreditando, só nos acalmamos um pouco quando o Bemfixer chegou e disse:

— Podem ir sossegados. Acredito que nossa batalha estará ganha em pouco tempo. Aquele que vocês viram desaparecer é o líder. Logo, o grupo confuso tentará alguma medida extrema e conseguiremos nosso objetivo.

Mais que depressa nos despedimos porque já era noite e agradecendo muito a ele corremos para a pousada.

Mal conseguimos dormir naquela noite.

E no dia seguinte, pouco antes do almoço, alguns garotos vieram correndo da praia e ofegantes contaram que escutaram um grande estrondo e uma nuvem grande de fumaça subiu daquele navio com cheiro muito forte.

Várias pessoas foram, rapidamente, ver do que se tratava porque realmente haviam escutado o barulho. Quando chegaram só viram ao longe no céu uma nuvem escura. Pensaram que os garotos estavam fantasiando.

Eu e minha namorada sorrimos. Mais tranquilos e inspirados, voltamos à noitinha e fomos olhar aquele navio.

O silêncio era total. Só escutávamos o assobio do vento. A lua trazia uma agradável cor prateada sobre aqueles escombros.

Apaixonados e aproveitando aquele momento nos deparamos, num repente, com uma forte luz que surgia na montanha e se movia em nossa direção. Com muita velocidade uma grande nave parou ao alto sobre o navio. Eu e minha namorada, sentados na areia só tivemos tempo de olhar para cima porque um facho luminoso ficou sobre nós e ouvimos uma voz conhecida:

— Meus amigos, fiquem em paz. Agora nada temam. Tudo foi resolvido. Vocês ainda evoluirão muito. A Terra ainda surpreenderá o Universo. Ainda nos encontraremos um dia... Até breve.

Em segundos aquela visão desapareceu.

Até hoje esta história provoca olhares desconfiados quando conto.

Mas, eu me considero um privilegiado por ter vivido no presente um futuro promissor.

CONTO MEMORIALISTA - A BRUXA - Henrique Schnaider

 


CONTO MEMORIALISTA - A BRUXA

Henrique Schnaider


Eu tive uma infância inesquecível, com muitas peraltices, amor e carinho de meus pais, irmãos e amigos queridos. Formávamos a turma da rua Ezequiel Freire. Com quem eu mais me afinava, era meu amigo Carlos Azolini. No bairro onde nasci, as pessoas eram ou de descendência italiana como o Carlinhos ou judeu como eu.

Nós dois aprontávamos muito. Sempre dando dor de cabeça para nossos pais. Mas sempre sem maldade e sim ingenuidade. Acreditávamos em histórias de fantasmas, da mula sem cabeça e do Saci Pererê, de uma perna só fumando seu cachimbinho e que chegava num rodamoinho de vento.

Bastava a empregada da minha mãe, a Maria, sentar-se com a gente e lá vinham as histórias assombradas. Nunca saberei se ela inventava ou se também ouviu de pessoas mais velhas e passava para frente. Pois,  quem conta um conto aumenta um ponto.

Certo dia a Maria veio cheia de conversa fiada, pediu para a gente sentar-se ao redor. E nós com os olhinhos sem nem piscar, olhando curiosos, esperando o que ela tinha para nos contar. Era sobre a vizinha, a Cândida, que morava num barraco, na entrada da oficina mecânica do senhor Felício. Deixou-nos cheios de pavor. Contando que ela na verdade, era uma bruxa.

A noite ela se transformava e o seu rosto ficava enrugado. Tinha uma verruga na ponta do enorme nariz, tombado feito um rabo. Na boca havia um único dente. Uma risada horrorosa “hi hi hi hi”. Já estávamos tremendo de medo, encolhidos. E aí disse a Maria:

— Ela tem um tacho enorme de água fervente dentro de casa. Que está sempre no fogo e o cheiro que sai de dentro, é de carne humana. Contou que sumiram várias crianças. Os boatos foram que tinham sido raptadas pela bruxa, assadas e devoradas.

Criança é criança, crédulos e com muito medo, mas com espírito de curiosidade e peraltice, nos levava a fazer molecagens. Um atiçando o outro, lá íamos nós, bater na porta do barraco e pernas para que te quero.

Insatisfeitos atirávamos pedras na porta da bruxa. A Cândida se encheu da gente, “bruxinhos”, que não dávamos sossego para a pobre coitada e veio reclamar justamente com a Maria. Falou cobras e lagartos para ela e ameaçou dar queixa na delegacia. Enquanto isso eu e o meu amigo, ficamos quietinhos dentro de casa tremendo de medo.

Depois que a mulher foi embora. A danada da Maria veio procurar a gente e pôs fogo no caldeirão. Disse que a bruxa estava fazendo ameaças, dizendo que ia nos pegar num momento de distração. Nos levaria para dentro do barraco e nos jogaria no tacho fervente.

É evidente que a Maria estava inventando todas aquelas histórias, pois na verdade queria se divertir as nossas custas.  

Que saudades daquele tempo de inocência e peraltices. E da Maria que enchia nossa vida de histórias assombrosas e de amor e carinho. Nós adorávamos a malandra da empregada.

Como diz o velho ditado espanhol “Yo no creo en las brujas, pero que las hay, hay”. Quanto a nossa bruxa vizinha, nunca se provou nada contra ela, e realmente era apenas pura fama e maledicência.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

A CACHORRINHA MIMOSA - Dinah Choichit

 



A CACHORRINHA MIMOSA

Dinah Choichit


ERAM TRÊS IRMÃOS, UMA MENINA, LUCIA DE NOVE ANOS, ANDRE DE OITO ANOS E EU PAULO DE SEIS ANOS. TODOS GOSTAVAM DA CACHORRINHA, MAS ERA COMINGO QUE ELA FICAVA. ONDE EU IA ELA IA ATRÁS, PARA ELA NÃO IMPORTAVA O LOCAL POIS ELA SEMPRE IA ATRÁS DE MIM.

UM DIA, NO MEU QUARTO, EU A PEGUEI NO COLO E FALEI:

- GOSTO MUITO DE VOCÊ! PARACE SER MINHA IRMÃ.

- EU SOU. RESPONDEU ELA.

FIQUEI OLHANDO PARA VER SE NÃO TINHA NINGUEM ESCONDIDO E NOVAMENTE ELA FALOU:

- SOU EU QUE ESTOU FALANDO COM VOCÊ, SOU DE UMA RAÇA FALANTE. NÃO SE PREOCUPE, POIS EU SÓ FALO COM VOCÊ E OS OUTROS DA MINHA RAÇA. AGORA VOCÊ TAMBÉM PODE CONTAR AS HISTÓRIAS DE SUA FAMÍLIA QUE EU ENTENDO, ME CONTE PAULO COMO VAI NA ESCOLA? JÁ SABE LER?

PAULO NÃO SE MEXEU, NÃO ACREDITAVA NO QUE ESTAVA ACONTECENDO. LEVOU UM SUSTO COM

ELA MAS RESOLVEU FALAR:

- SEI LER E ESCREVER, SOU TAMBÉM UM DOS MELHORES ALUNOS E ADORO A ESCOLA. VOU PEDIR UMA LICENÇA PARA LEVAR VOCÊ LÁ ALGUM DIA, MAS NÃO ABRA A BOCA!

- NÃO FALAREI NADA, QUERO VER VOCÊ AINDA. VOU ENSINAR A VOCÊ ALGUNS TRUQUES QUE SÓ OS CACHORROS SABEM, AGORA ADEUS E BOM DIA.

O VIOLINO MÁGICO - Henrique Schnaider

 


O VIOLINO MÁGICO

Henrique Schnaider

 

Rodiac caminhava pelo deserto levando seu violino mágico, quando de repente ele tem uma visão extraordinária de um carro modelo Rolls Royce ano 1928 conversível.

O mais incrível é que o carro estava estacionado em cima de um monte e Rodiac, não conseguia entender, como ele chegou ali. Resolveu então tocar seu violino mágico, que lhe permitia saber como se deu tal fato inusitado.

Ele tocou o som mágico do seu violino, que lhe contou toda a história com detalhes. O carro foi roubado da garagem de um Lorde inglês, por duendes que como num passe de mágica, transportaram e colocaram o carro ali naquele monte.

O Lord Montbatem não conseguia entender como seu carro sumiu. Até que Rodiac, transportado pelo violino,  num passe de mágica apareceu para ele. Chegou tocando seu instrumento, numa imagem fantástica para o Lord. Contou-lhe como os Duendes haviam subtraído seu Rolls Royce e transportado até aquele monte a milhares de quilômetros distante.

Disse que com seu violino poderia ajudar Montbatem, a recuperar o seu carro. Mas para isso ele teria que pagar 50 moedas de ouro aos duendes. Assim eles liberariam e Rodiac tocando o seu violino traria de volta o veículo.

O Lord ficou pensativo, pois o seu carro não valia tantas moedas de ouro. Mas o valor estimativo não tinha preço. O rapaz sentou-se ao lado dele e pacientemente aguardou pela decisão do Cavalheiro.

Montbatem finalmente disse a Rodiac, que iria pagar as moedas exigidas. Queria garantias de que não seria trapaceado pela segunda vez,  pagar e não ter o carro de volta.

O violinista levanta-se e fala ao Lord, que a sua palavra e as dos duendes, valem mais do que as moedas de ouro. Diz que ele pode confiar que ele trará o carro de volta.

Montabatem abre seu cofre escondido, em um lugar que só ele sabe onde fica. Retira de lá as 50 moedas de ouro, confiando plenamente no em Rodiac e entrega nas mãos dele as moedas.

— Fique tranquilo Lord, pois vou entregar as moedas aos duendes que me deixarão, trazer o Rolls Royce de volta na sua garagem.

E lá se foi o rapaz encontrar-se com os duendes, para pagar o resgate, subindo aos céus, nas curvas das nuvens, dentro de um grande rodamoinho. Lá estavam os danados, que eram 4 e com sorrisos mais marotos do que sinceros, receberam de Rodiac as moedas de ouro com olhares gulosos.

Depois de receberem o pagamento, ficaram os 4 rindo entre dentes e olhando para Rodiac. Disseram que não estavam satisfeitos e agora queriam mais 50 moedas de ouro, senão não desmanchariam o feitiço.

O rapaz não tinha poder mágico para enfrentar os 4 duendes. Assim voltou cabisbaixo até a presença de Lord Montbatem. Contou tomado, de muita tristeza, que os duendes não cumpriram sua palavra e queriam mais 50 moedas.

O Lord foi tomado de muita fúria, deixando Rodiac constrangido. Aí ele tomou a decisão rara de pedir ajuda à sua mãe. A poderosa Fada Radia, contando-lhe a triste situação, de faltar com a palavra e não trazer o carro do Lord de volta. Já que os duendes não cumpriram a sua parte.

Radia imediatamente se dispôs a ajudar o filho. Lá se foram eles para as nuvens, encontrar os duendes trapaceiros. Assim que ela os encontra, se assustam, e temerosos, pois conhecem o poder da fada, não titubeiam. Imediatamente desfazem o feitiço. Permitindo que o filho levasse o carro para o Lord.

Assim Rodiac, graças à sua mãe, manteve a sua palavra e deixou Montbatem eternamente agradecido.

Esta história prova uma verdade, quem tem uma mãe poderosa, consegue sair de qualquer enrascada, tanto seja no mundo real ou o da fantasia.

 

 

Ciladas do destino - Adelaide Dittmers

 



Ciladas do destino

Adelaide Dittmers


Uma garoa gelada derramava-se pela cidade naquele fim de tarde de inverno.  Pessoas encolhidas debaixo de seus guarda-chuvas caminhavam rapidamente pelas calçadas escorregadias, saindo do trabalho e indo para casa.

Abrigados em um bar requintado, dois jovens tomavam vinho e petiscavam indiferentes a tudo a sua volta.

Soraya, uma bela moça, de cabelos negros e grandes olhos castanhos, dizia raivosamente:

— Não me conformo com o que querem fazer conosco.  Não aceito e não vou aceitar essa imposição de nossos pais.  Adoro você, primo, mas não quero me casar com você.

— Eu também não aceito.  Estamos no século vinte e um.  Exclamou Amir.  Essa história de que o dinheiro não pode sair da família é uma tradição ultrapassada e ridícula.

Bonito e elegante, sempre rodeado por lindas mulheres, adorava a vida de solteiro, que lhe proporcionava viver incontáveis aventuras amorosas.  Ficara furioso com a decisão dos pais de obrigá-lo a casar com a prima, com quem compartilhara a infância e adolescência, como grandes amigos.

Soraya, por sua vez, formara-se em direito e sempre sonhara com uma carreira brilhante na sua profissão.  Recentemente ingressara no departamento jurídico da empresa do pai.  Há algum tempo estava se relacionando com um rapaz, que cursara a faculdade com ela.

Revoltados, tentavam elaborar um plano contra a vontade dos pais.

— Eles sabem que estou com o Bruno e querem nos separar.  Exclamou, elevando a voz e pegando o cálice de vinho, que tomou de um só gole.

Eram muito unidos e viam-se como irmãos.

Por longo tempo conversaram e resolveram comunicar aos pais sua decisão.

No dia seguinte, Soraya pediu aos pais de ambos para marcarem um jantar na casa dela para discutir o assunto, o mais rápido possível e o encontro foi marcado para aquela noite.

Os jovens estavam tensos, ao contrário dos pais, que conversavam animadamente, servindo-se dos aperitivos. A governanta os chamou para jantar e eles foram até a mesa, que estava coberta por uma bonita toalha branca delicadamente bordada, em que brilhavam talheres de prata e composta de fina porcelana.  Rosas amarelas completavam a beleza e o requinte da mesa.

Mal o jantar foi servido e Soraya entrou no assunto, que os estava reunindo.  Ajudada por Amir, explicaram que não iriam se casar, não concordavam com essa decisão arbitrária.  Isso é um costume arcaico, incompatível com os dias de hoje.

Um pesado silêncio caiu sobre a sala.  Os pais se entreolharam e depois de alguns momentos, o pais de Soraya, levantando a voz e atravessando-os com o olhar se manifestou:

— Vocês vão se casar, sim. Na nossa família essa tradição, que chamaram de arcaica vai continuar e a fortuna, que temos deve-se a sempre nos unirmos entre nós.

— Já disse que não vou me casar com Amir.  Para o inferno essa tradição!  E levantou-se da mesa.

E o rapaz completou:

— Também não quero me casar com Soraya.  Sou muito jovem, quero aproveitar a vida e poder escolher no futuro minha companheira.

— Sente-se Soraya.  Amir acalme-se!  Ordenou o pai.  É o seguinte: ou vocês se casam ou vão ser deserdados, exclamou enfaticamente, olhando para o pai de Amir, que concordou:

— Michel está certo. Ou se casam ou são deserdados.  A escolha é de vocês.

— Vocês não podem nos deserdar.  É contra a lei, gritou Soraya.

— Ah podemos! Temos meios para isso.  A maior parte de nosso dinheiro está fora do país.  Além do mais, em testamento podemos deixar a quem quisermos o nosso dinheiro.  Michel exclamou, com a voz alterada.

— Não acredito que farão isso conosco.  Amir abanava a cabeça, desconsolado.

As duas mães entreolharam-se e seus olhares refletiam a pena, que sentiam dos dois filhos.  Também elas tiveram casamentos arranjados e não eram felizes.  Sabiam que os maridos ao longo da vida conjugal tiveram muitas amantes e sentiram-se muitas vezes solitárias e apenas um bibelô na vida deles.

— Soraya levantou-se e Amir a acompanhou.

— Não quero mais jantar! E saiu da sala seguida de Amir.

— Vamos continuar nosso jantar, disse Michel calmamente. Eles vão reconsiderar.  Estão muito acostumados com todos os luxos, que o dinheiro oferece.

O jantar transcorreu com conversas amenas, interrompidas por momentos de intenso silêncio.  A atitude dos jovens tinha azedado a reunião familiar.

No jardim da mansão, Soraya e Amir conversavam revoltados. Não saberiam viver sem as viagens e mordomias e tudo mais o que o dinheiro proporciona.  Subitamente tiveram uma idéia; e se casassem e mantivessem um casamento de fachada.  Cada um vivendo a sua vida. Sorriram e deram-se as mãos, firmando o pacto.

Seis meses depois, uma grande e suntuosa festa selou a união dos dois.  A noiva estava belíssima no seu magnífico vestido e noiva.  Os grandes olhos castanhos, o cabelo negro preso a uma linda tiara e a pele morena contrastavam com a alvura do vestido.

O noivo de fraque parecia o príncipe encantado das fábulas infantis.

No dia seguinte, partiram para uma viagem pelas ilhas gregas.  Apesar da beleza daquelas ilhas românticas, o casamento, como tinham combinado, não foi consumado.  Amigos que eram, passearam e se deliciaram com as paisagens pitorescas e a boa culinária grega.  Nadaram nas águas de um esplêndido azul, cercadas por encostas escarpadas, onde casas brancas e azuis completavam o esplendoroso cenário.

Depois de um mês voltaram para casa.  Tinham ganhado um enorme apartamento em um luxuoso edifício de um bairro nobre.

Amir carregou a recém-casada para dentro, ao som das gargalhadas de ambos pela farsa, que estavam vivendo.

Os dias se seguiram.  Cada um em sua rotina diária. Ele como diretor da empresa do pai e ela como advogada.

À noite, Amir saia para seus encontros clandestinos e Soraya mantinha longas conversas pelo celular com Bruno.

Com o tempo, no entanto, algo diferente na relação deles, começou a mudar.  Ao jantar, tinham longas conversas, riam, brincavam com as manias de cada um.  E aqueles momentos foram se prolongando e as noitadas de Amir foram ficando cada vez mais raras.

Por outro lado, as ligações de Soraya com Bruno foram diminuindo e ficando desinteressantes para ela.

A convivência diária foi se tornando cada vez mais prazerosa e aqueles belos jovens começaram a ser ver de uma maneira diferente.  O rapaz se surpreendeu ao perceber que começara a sentir uma forte atração pela prima.  Nunca se apaixonara de verdade por ninguém. Será que isso era paixão.

Soraya notou a mudança nas atitudes do pretenso marido e percebeu que estava adorando aqueles olhares intensos, que eram dirigidos a ela, arrepiando-a toda.

Certa noite, Soraya preparava-se para sair do escritório.  Tinha tido um dia exaustivo.  Já eram sete e meia e queria chegar logo em casa.  O celular tocou e ela o pegou com impaciência. Quando viu quem era, atendeu rapidamente.

- Olá Amir! Tudo bem?

- Tudo. Hoje não quero jantar em casa.

- Vai a algum encontro? Perguntou ansiosa.

- Vou... com você.  Estou com vontade de ir àquele bar, onde decidimos não casar e nos rebelarmos com nossos pais.

Soraya demorou um pouco a responder.  O medo apoderou-se dela.

- Ok! Estou saindo.  Me encontro com você lá!

Desligaram e a moça pensou: ¨Será que Amir queria pedir o divórcio e escolheu o bar, em que tinham resolvido enfrentar os pais.  Será que tinha se enganado sobre as atitudes de carinho, que ele estava demonstrando ultimamente? ¨

Saiu do escritório, pegou seu carro no estacionamento e foi para o encontro.  Estava muito curiosa e sentia o coração apertado em seu peito e tentava se convencer de que talvez fosse apenas uma saída para espairecerem.  Mas, por que justamente naquele lugar?

Quando chegou, olhou em volta à procura de Amir.  O bar não estava cheio e logo o avistou, sentado à mesma mesa daquele encontro de tempos atrás. Um arrepio a percorreu. O quereria dizer aquilo?   Com passos inseguros se aproximou de Amir, que se levantou, beijando-a na testa e puxando-lhe a cadeira para ela sentar.

Um bom vinho já estava sobre a mesa e com um estalo de dedos, ele pediu algo para comerem.

Nesse momento, Amir olhou para ela como se quisesse penetrar em sua alma.

— Hoje vamos resolver nossa situação.  Pensei muito sobre tudo o que nos aconteceu.  Aceitamos a decisão de nossos pais para não perdermos a herança.  Estamos juntos e nos damos bem, como sempre nos demos, mas isso não está sendo suficiente para mim.

Soraya estremeceu.  Ela estava certa.  Ele realmente queria o divórcio.  Uma expressão de desaponto estampou-se em seu rosto. Não o estava vendo mais como a um primo, mas como a um homem por quem se apaixonara.

— O que você quer dizer com isso? Estava assustada e novamente o medo tomou conta de sua alma.

— Naquela noite, fizemos um acordo e tivemos que desistir dele para não perder nossa fortuna.  Não quero mais manter essa relação de mentira.

— Mas nos damos tão bem.  A voz de Soraya saiu trêmula.

— Para mim, só nos darmos bem não sustenta um casamento.  Não sei quais são os seus sentimentos a meu respeito. Você sempre me viu como a um irmão, como eu a você.

— Então você quer acabar com essa farsa?

— Sim, não quero ser mais o primo querido.  A verdade é que estou apaixonado por você, como não estive por mais ninguém e não posso viver sob o mesmo teto com uma pessoa, que não sente nada por mim.

Soraya tampou a boca do rapaz com sua mão e seus lábios se entreabriam em um sorriso apaixonado.

— Eu também amo você. Tive medo de demonstrar o que sinto e você se afastar de mim.  Nem sei como aconteceu isso, mas adoro estar com você, compartilhar minha vida com você.

Os dois se olharam intensamente e deram-se as mãos sobre a mesa, apertando-as fortemente, como se quisessem confirmar que tudo aquilo era real.  Ele levou as mãos dela à boca e as beijou ternamente.  Em seguida, chamou o garçom e pediu a conta. O vinho e os petiscos ficaram intatos na mesa.

O casal se levantou e de mãos entrelaçadas saíram do bar.  O céu estrelado e a lua cheia pareciam cúmplices daquele amor que começava a se concretizar.

 

 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

GILDA A INJUSTIÇADA - Henrique Schnaider

 



GILDA A INJUSTIÇADA

Henrique Schnaider

 

Gilda trabalhava a trinta anos desde a fundação da Empresa, sempre com muita dedicação e fidelidade. O patrão Carlo sempre a tratou com nenhuma consideração. Muito pelo contrário, a tratava de forma ríspida com casca e tudo.

A infeliz da Gilda andava sem paciência e a explosão poderia acontecer a qualquer momento. Continha-se a muito custo e além do que Carlo nunca deu nenhuma demonstração de reconhecimento por tantos anos de serviços prestados.

Gilda sentia-se humilhada, já que o patrão a tratava mal na frente de outras pessoas e não pode haver coisa pior do que você se sentir diminuído na presença de outras pessoas.

Gilda continuava solteira e sozinha, além de não ter casado, sua mãe faleceu e ela pouco via seus irmãos que moravam em outro País. Amigas tinha poucas e nenhuma mais chegada.

Quando ia para a Empresa onde entrava as sete da manhã, já chegava pensando com o estomago embrulhado de ter que olhar e passar mais um dia com Carlo.

— Quem este sujeito pensa que é! Não aguento mais tanta desconsideração e qualquer dia destes ele vai conhecer a outra Gilda que existe dentro de mim e tenho certeza de que não vai gostar.

Dali para frente, o desgosto foi tomando conta dela na forma de ódio e crescendo cada vez mais à medida que era maltratada e não reconhecida. Carlo para ela, se tornou o diabo em forma de gente.

Ideias estranhas e perigosas, começaram a fluir na mente dela num verdadeiro turbilhão de ódio incontrolável. Tomava conta de todo o seu ser. Começou a tomar forma, uma ideia de vingança contra Carlo e Gilda não conseguia mais dominar seus mais baixos instintos.

A perfeita funcionária iniciou um trabalho de sabotagem na Empresa. Carlo, apesar de como a tratava, tinha a mais absoluta confiança e entregava todos os seus investimentos nas mãos dela.

Sorrateiramente ela iniciou um trabalho para afundar a vida financeira de Carlo. Investiu em Empresas na Bolsa de Valores que tiveram uma desvalorização grande, dando um enorme prejuízo ao seu patrão.

Enquanto Carlo dormia tranquilo e confiante aceitando as explicações esfarrapadas dela, Gilda tratava de dar um fim a todo Patrimônio Financeiro do patrão.

Quando Carlo finalmente caiu na realidade, já estava quebrado e com muitas dívidas, totalmente enrolado. Gilda fez questão de ela mesma dizer a ele, que assim como foi tratada durante trinta anos de bons serviços de forma injusta e desleal, ela pagou na mesma moeda e se vingou por tudo o que passou.

Carlo teve que fechar a Empresa, pois faliu e ficou na miséria. Gilda sumiu e nunca mais foi mais encontrada, deve estar vivendo uma vidinha boa aposentada e vingada por tudo que passou na vida sendo maltratada pelo patrão.   

A Bruxa - Alberto Landi

 



A Bruxa

Alberto Landi

 

Próximo a um bosque situado num pequeno vilarejo de Portugal, na freguesia de Chaves, vivia uma jovem bruxa chamada Helen. Muito bonita, tinha cabelos longos enrolados, pretos como o céu em noite sem luar e os olhos eram verdes como folhas de arvores. Estava sempre com um vestido preto comprido, andando descalça pelo bosque.

As crianças traquinas tinham horror dela, pois, diziam que ela as transformava em sapo. Morava numa casa próximo a um riacho, um lugar aprazível, com muitas flores, plantas e pássaros. 

Helen tinha um cachorro Galgo e não um gato preto e malvado como normalmente as bruxas têm. Vivia feliz, estudava biologia, gostava de dar suas caminhadas diárias, de ler, escrever e fazer suas magias.

Porém, havia uma coisa que a deixava muito triste, não ter amigos, porque as pessoas do Vilarejo falavam sobre sua maldade, somente pelo fato de ser bruxa. E ninguém queria se relacionar com ela.

Certo dia, um grupo de jovens estava passeando pelo bosque, na maior bagunça, quando a viram. Começaram a gritar:

— Olha a bruxa! E saíram correndo, nem deixaram ela se aproximar, nem sequer dar um oi. Dentre eles havia um rapaz que não acreditava em tudo que lhe falavam. Resolveu ficar e saber mais sobre a tal bruxa malvada.

Seu nome era Alan, cabelos castanhos, olhos verdes, alto, inteligente estudante de Direito. Ele a seguiu, para descobrir onde morava e saber um pouco mais sobre ela. Ela percebeu isso e aguardou para ver o que Alan iria fazer, e quem sabe ela finalmente teria um amigo.

Helen entrou em casa e ficou fazendo suas coisas, deixou a janela aberta, e assim o rapaz poderia ver que ela levava uma vida normal. Era muito esperta. Alan distraído nem percebeu que havia uma raiz de arvore a sua frente, andou um pouco, e enroscou o pé nela e caiu. Ficou tentando soltar o pé que estava preso. Helen escutou o grito e correu para ver o que havia acontecido. Se aproximou do rapaz e perguntou se poderia ajudá-lo. Receoso falou que sim. Ela soltou o pé dele da raiz. Ofereceu-lhe um remédio dizendo que era feito de folhas de arnica, e que todo mundo usava. Alan aceitou, e ela então o ajudou a levantar-se e caminhar até a sua casa.

Cuidou dele e ofereceu um suco de frutas com bolo. Perguntou a ela sobre o fato dela ser uma bruxa com fama de malvada. E descobriu, que ela era igual a todo mundo e acabaram, se tornando grandes amigos.

Ficou feliz por ter conhecido Helen e rumou para casa, prometendo a ela retornar em breve. Helen ficou feliz por finalmente ter conseguido um amigo. Mas os dias passaram......... e Alan não aparecia.

Até que um dia ele resolveu visitá-la e deu-lhe rosas vermelhas, se desculpando pela demora em revê-la. Helen ficou muito alegre e emocionada.

Os encontros se tornaram frequentes e a amizade aos poucos se transformou num grande amor. Passeavam constantemente no centrinho da freguesia. Com o passar do tempo, apresentou-a para a família, informando que ela era bruxa, mas do bem, fazia magias para ajudar as pessoas. A família de Alan até pedia a ela para fazer algumas magias e se divertiam com isso.

As crianças por serem muito curiosas, também foram se aproximando e como ela sabia contar um monte de histórias, foram se afeiçoando a ela. E assim todos descobriram que ela era muito legal.

Muito tempo depois, eles se casaram, muito felizes, em uma cerimônia bem simples. Não sei se esta felicidade durou para sempre. Porque desentendimentos fazem parte da vida de um casal, mas com certeza, tinham tudo para serem felizes, enquanto superassem os seus problemas.


INSÔNIA - Hirtis Lazarin


 


INSÔNIA

Hirtis Lazarin

 

Denise acorda chorando outra vez.  Sono conturbado.  O travesseiro e o edredom jogados ao chão.  Acende a luz fraca do abajur.  Olha para o relógio que marca dez os minutos da terceira hora.  Já virou rotina acordar àquela hora.  O lugar dele na cama está vazio.  Um nó aperta-lhe a garganta.  E dói.  Como dói... Uma reviravolta na vida quando achava que tudo estava tão perfeito!

A madrugada está fria.  Ela veste o roupão vermelho.  Descalça, desce as escadas.  Já na cozinha, abre metade da janela.  Observa a chuva fina.  Fecha os olhos e respira fundo.  O “vitrô” embaça.  Ouve o tilintar suave das gotas de chuva que batem na cobertura da garagem.

Lembra-se da guerra de travesseiros, do edredom estampado com coraçõezinhos brancos que ele achava tão infantil...

Lembra-se dele dormindo, olhos apertados, sobrancelhas grossas e lábios carnudos querendo ser beijados.

Lembra-lhe o corpo aquecido e suado.  Denise respira vagarosamente tentando encontrar seu cheiro.

Não consegue entender o que aconteceu.  Sem desentendimentos, sem brigas...Tudo estava tão perfeito.

Uma buzina incessante na rua, liberta-a daquele torpor tão sofrido.

Caminha até o fogão, aquece uma caneca de leite.  Volta à mesa da sala iluminada por lustres pendentes.  Fotos esparramadas, outras amassadas e muitas rasgadas nas horas de angústia e desespero.  Lembra-se de cada momento vivido intensamente e eternizado no papel.  Hoje, tão longínquos, tão frios quanto a máquina que os registrou.

O cheiro do leite queimado escorrendo pelas bordas da caneca acorda Denise.  Larga-a vazia na pia e resmunga.  Antes de apagar a luz, olha pra cadeira vazia à sua frente.

A saudade é tanta que sente chover dentro de si e a chuva transborda pelos olhos.  A saudade é tanta que a revira por dentro e tira tudo do lugar. Não há cheiro, nem olhares afetuosos, nem voz.  Um vazio só.

Sente náuseas.  Limpa a boca e o molhado do rosto na manga do roupão.

Os pés descalços sentem o gelado do piso de cerâmica.  Tão gelado quanto aquele espaço feito a dois para dois. Denise volta à cama, beija a foto dele na tela do celular, reza baixinho mesmo sem ter fé.  Fecha os olhos e, como já era esperado, não dorme. 

O dia já amanhece.  A moça toma alguns medicamentos e apaga.

O sol se põe.  Sonâmbula, deixa a cama.  Veste a camisola branca, a mesma usada na última noite que passaram juntos.  Vai até a praia.  A lua é cheia e lumeia seu caminhar solitário.  As ondas mansas chegam frias aos seus pés.  O corpo teso segue em frente como uma esfinge morena tendo as estrelas por testemunhas.

Seus pensamentos estão do outro lado do oceano.  Venâncio voou pra lá com a intenção de não mais voltar.  Não lhe deu chance, mesmo sabendo que levaria junto o coração de Denise.


LAMENTAR O PASSADO É CORRER ATRÁS DO VENTO - Claudionor Dias da Costa

 



 LAMENTAR O PASSADO É CORRER ATRÁS DO VENTO

Claudionor Dias da Costa


Romeu era um homem taciturno. Até demais para seus cinquenta e sete anos.

Vivia naquela casinha apertada localizada nos confins da Zona Leste de São Paulo numa vila de dez casas que se aglomeravam exprimidas num terreno em que caberiam no máximo metade delas. A dele era a última da esquerda com placa torta e apagada que mal dava para ver o número dez.

A morada de paredes de blocos sem revestimento não passava de um quarto, um sanitário minúsculo e um corredor que servia de cozinha com pequena pia e um vitrô que mal entrava a claridade e um fogão espremido. Vivia com sua aposentadoria por invalidez, devido a acidente em sua perna esquerda o que fazia com que andasse mancando.

Às vezes, sentava-se em sua única cadeira na porta e ficava observando a vida que corria na pequena comunidade à sua volta.  

Eram pessoas pobres, muitas sem mais nada a perder...

Contudo, havia uma viúva da casa 5 que começou a chamar sua atenção disfarçada. Ela saia as seis horas da manhã para trabalhar como faxineira, após atravessar a cidade enfrentando transporte lotado que custava quatro horas ou mais do dia. Era morena clara, por volta de seus cinquenta anos, cabelos na altura dos ombros e sempre com um sorriso cumprimentava os vizinhos. Aparentava felicidade e parecia não existir problemas para ela. Voltava para casa no final de tarde, com o mesmo sorriso que saia. Era a Marialva, pernambucana simpática e cativante.

Romeu ficava intrigado como poderia uma pessoa ser assim. Comparava com sua vida imersa no passado, após abandono de sua mulher que o traíra, empregos efêmeros e um acidente em sua perna que o empurrava por um abismo de pesadelos.

Os dias se sucediam e ele não via a hora da noite chegar e, se atirar numa cama tosca, como se pudesse renascer diferente.

Mas, aquela morena com seu belo sorriso e andar elegante e formoso começou a ocupar seus pensamentos.

Assim, tomou coragem e, toda a tarde procurava com seu caminhar lento, ficar na entrada da vila só para ver Marialva chegar. E, quando a via subir a pequena ladeira, virar no beco e ouvir “Boa tarde Romeu”, parecia que só os dois estavam no mundo e seus pés não estavam no chão. Os dias se sucediam nesse pequeno instante que parecia ser eterno para ele.

Numa tarde qualquer daquele quente verão, o encanto de Marialva com seu sorriso, provocou a coragem de Romeu a puxar conversa com ela. Palavras banais sobre o tempo e outras levaram-no a conhecer um pouco mais dela. Sua infância, adolescência e a perda prematura dos pais a tornaram sozinha com dezessete anos de idade. Veio de sua terra para São Paulo para trabalhar e morar em casa de família como doméstica. Não foi bem tratada e, sobreviveu residindo aqui e ali na imensidão da cidade grande. Seus amores, pouco ajudaram em sua vida, porque a maltratavam com agressões. Assim, passou a buscar a paz solitária.

Não foi uma vida fácil.

Romeu num rompante misto de indignação e curiosidade perguntou a ela:

“Como com tudo isto, você leva uma vida sempre alegre e cordial com todos? ”

Marialva sorriu e disse: “Por que deveria ser diferente? Eu tenho tudo que preciso.

Um teto modesto que me atende, a possibilidade de a cada manhã ver o sol, conviver com as pessoas e respirar a vida.... Lamentar o passado é tudo que não quero, com belos dias que ainda tenho para viver.

Aquelas palavras calaram fundo em Romeu. A partir daquele dia, parece que a vida começou novamente. Passou a se arrumar melhor, fazia a barba diariamente e até aquele xampu que escurecia os cabelos passou a usar. Tudo para ver Marialva e seu otimismo radiante, além daquele belo sorriso.

Suas tardes passaram a se chamar esperança e, quem sabe o despertar de um grande amor.

 

O CAPITÃO RAMOS - Claudionor Dias da Costa

 

 


O CAPITÃO RAMOS

Claudionor Dias da Costa

 

Esta história começa com Josué, homem forte, com mais de um metro e oitenta, pele morena enrijecida pelo sol em suas pescarias na luta pela sobrevivência dele e de sua família com esposa e quatro filhos.

Morava naquela ilha pequena, perdida a mais de uma hora de navegação do litoral com não mais do que duzentos habitantes que viviam basicamente da pesca e pequena agricultura.

Com quase sessenta anos, tornou-se um líder motivado por sua dura experiência de vida e sabedoria adquirida em conversas sozinho ou com poucos companheiros nas longas jornadas no mar. Era o Seu Josué Ramos, mestre navegador e amigo conselheiro para a gente do lugar. Conhecido por todos como o Capitão Ramos.

Naquele belo dia de outono, com seus dois fiéis companheiros Felício e Zé Pitéu, amigos de longa data, partiram para mais uma grande viagem em busca de pesca ambiciosa que ajudaria a suportar a vida por um bom tempo e alimentar a família e vizinhos.

Após uma semana, a pesca foi boa e propiciou uma carga bem grande que quase arriava aquela rústica embarcação como são todas a desses heróis anônimos pescadores valentes e esperançosos.

Radiantes viajavam cantando, porque  Zé Pitéu tinha grande repertório aprendido nas rodas de bar com os companheiros de cachaça e grandes filosofias.

E assim soltava a voz que encantava até as gaivotas:

− Vem comigo é só alegria nessa pescaria vamos viajar... Vida boa é pescar... Bem longe da cidade contemplando a mãe natureza com suas belas paisagens.

Aquela cantoria e os “causos” desses dois companheiros ajudavam a passar o tempo e traziam uma agradável sensação de conquista e realização.

O capitão Ramos, mesmo entretido naquele encontro gostoso com os amigos após o trabalho exaustivo da pesca, começou a se intrigar observando o horizonte ao sul. Aquelas nuvens mais escuras ao longe, não indicavam boa coisa. Experiente e tarimbado com sentido aguçado nos sinais do céu, sol, ondas e voo dos pássaros passaram a inquietá-lo.

Os companheiros entre alguns goles de cachaça para amenizar a viagem, não haviam percebido ainda.

 

Depois de algum tempo, virou-se para Felício e Zé Pitéu:

— Vejam ao longe... aquelas nuvens preocupam. E o vento passou a ser mais forte.

Concordaram com ele e passaram a ficar mais quietos e providenciar organização nos equipamentos, proteger apetrechos menores na pequena cabine do barco, amarrar as caixas dos pescados e outros objetos.

Sabiam que não viria boa coisa, pois já haviam passado por intempéries desagradáveis e não gostavam nem de lembrar.

E muito mais rápido do que imaginavam o tempo mudou e o vento forte assobiava trazendo uma tempestade violenta que começou a abalar a estrutura da embarcação, tornando-a instável e jogando-a em grandes saltos nas ondas gigantescas que se formaram.

Embora com medo, o sentido de sobrevivência falou mais rápido e procuravam um em cada ponta compensar os movimentos violentos que deixavam o barco parecendo feito de papel.

Os gritos e as chamadas de atenção do capitão pouco adiantaram e ficou ofegante quando em forte balanço viu Zé Pitéu cair no mar. O desespero de Felício o fez ir para o lado em que ele havia caído, mas, em novo solavanco, também foi jogado para fora.

Josué ficou apavorado e viu seus amigos desaparecerem ao longe com o barco à deriva em ondas gigantescas.

Nesse momento, só conseguiu se agarrar firmemente no mastro e com uma corda conseguiu se afirmar melhor.

Como num filme começou a vir em seus pensamentos a imagem da mulher e dos filhos, seguido de passagens de sua vida.

Antevendo que seria difícil se safar, olhou para o céu e rogou a Deus que o ajudasse.

Em constantes súplicas, resistiu firme na posição que estava e após algum tempo o vento e tempestade acalmaram.

Chegou após hora e meia à ilha, onde encontrou a família e vizinhos preocupados.

Exausto, mas aliviado, muito entristecido entre lágrimas contou o desfecho de Felício e Zé Pitéu o que deixou o pessoal arrasado.

No dia seguinte final de tarde, após homenagens aos amigos perdidos, sentou-se na praia a olhar o mar e com o coração apertado ainda, percebeu que dali a alguns dias deveria voltar a navegar e exclamou para si mesmo:

− É a vida ...a minha vida



O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...