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segunda-feira, 24 de maio de 2021

CONTO MEMORIALISTA - A BRUXA - Henrique Schnaider

 


CONTO MEMORIALISTA - A BRUXA

Henrique Schnaider


Eu tive uma infância inesquecível, com muitas peraltices, amor e carinho de meus pais, irmãos e amigos queridos. Formávamos a turma da rua Ezequiel Freire. Com quem eu mais me afinava, era meu amigo Carlos Azolini. No bairro onde nasci, as pessoas eram ou de descendência italiana como o Carlinhos ou judeu como eu.

Nós dois aprontávamos muito. Sempre dando dor de cabeça para nossos pais. Mas sempre sem maldade e sim ingenuidade. Acreditávamos em histórias de fantasmas, da mula sem cabeça e do Saci Pererê, de uma perna só fumando seu cachimbinho e que chegava num rodamoinho de vento.

Bastava a empregada da minha mãe, a Maria, sentar-se com a gente e lá vinham as histórias assombradas. Nunca saberei se ela inventava ou se também ouviu de pessoas mais velhas e passava para frente. Pois,  quem conta um conto aumenta um ponto.

Certo dia a Maria veio cheia de conversa fiada, pediu para a gente sentar-se ao redor. E nós com os olhinhos sem nem piscar, olhando curiosos, esperando o que ela tinha para nos contar. Era sobre a vizinha, a Cândida, que morava num barraco, na entrada da oficina mecânica do senhor Felício. Deixou-nos cheios de pavor. Contando que ela na verdade, era uma bruxa.

A noite ela se transformava e o seu rosto ficava enrugado. Tinha uma verruga na ponta do enorme nariz, tombado feito um rabo. Na boca havia um único dente. Uma risada horrorosa “hi hi hi hi”. Já estávamos tremendo de medo, encolhidos. E aí disse a Maria:

— Ela tem um tacho enorme de água fervente dentro de casa. Que está sempre no fogo e o cheiro que sai de dentro, é de carne humana. Contou que sumiram várias crianças. Os boatos foram que tinham sido raptadas pela bruxa, assadas e devoradas.

Criança é criança, crédulos e com muito medo, mas com espírito de curiosidade e peraltice, nos levava a fazer molecagens. Um atiçando o outro, lá íamos nós, bater na porta do barraco e pernas para que te quero.

Insatisfeitos atirávamos pedras na porta da bruxa. A Cândida se encheu da gente, “bruxinhos”, que não dávamos sossego para a pobre coitada e veio reclamar justamente com a Maria. Falou cobras e lagartos para ela e ameaçou dar queixa na delegacia. Enquanto isso eu e o meu amigo, ficamos quietinhos dentro de casa tremendo de medo.

Depois que a mulher foi embora. A danada da Maria veio procurar a gente e pôs fogo no caldeirão. Disse que a bruxa estava fazendo ameaças, dizendo que ia nos pegar num momento de distração. Nos levaria para dentro do barraco e nos jogaria no tacho fervente.

É evidente que a Maria estava inventando todas aquelas histórias, pois na verdade queria se divertir as nossas custas.  

Que saudades daquele tempo de inocência e peraltices. E da Maria que enchia nossa vida de histórias assombrosas e de amor e carinho. Nós adorávamos a malandra da empregada.

Como diz o velho ditado espanhol “Yo no creo en las brujas, pero que las hay, hay”. Quanto a nossa bruxa vizinha, nunca se provou nada contra ela, e realmente era apenas pura fama e maledicência.

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