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quinta-feira, 29 de abril de 2021

LAMENTAR O PASSADO É CORRER ATRÁS DO VENTO - Claudionor Dias da Costa

 



 LAMENTAR O PASSADO É CORRER ATRÁS DO VENTO

Claudionor Dias da Costa


Romeu era um homem taciturno. Até demais para seus cinquenta e sete anos.

Vivia naquela casinha apertada localizada nos confins da Zona Leste de São Paulo numa vila de dez casas que se aglomeravam exprimidas num terreno em que caberiam no máximo metade delas. A dele era a última da esquerda com placa torta e apagada que mal dava para ver o número dez.

A morada de paredes de blocos sem revestimento não passava de um quarto, um sanitário minúsculo e um corredor que servia de cozinha com pequena pia e um vitrô que mal entrava a claridade e um fogão espremido. Vivia com sua aposentadoria por invalidez, devido a acidente em sua perna esquerda o que fazia com que andasse mancando.

Às vezes, sentava-se em sua única cadeira na porta e ficava observando a vida que corria na pequena comunidade à sua volta.  

Eram pessoas pobres, muitas sem mais nada a perder...

Contudo, havia uma viúva da casa 5 que começou a chamar sua atenção disfarçada. Ela saia as seis horas da manhã para trabalhar como faxineira, após atravessar a cidade enfrentando transporte lotado que custava quatro horas ou mais do dia. Era morena clara, por volta de seus cinquenta anos, cabelos na altura dos ombros e sempre com um sorriso cumprimentava os vizinhos. Aparentava felicidade e parecia não existir problemas para ela. Voltava para casa no final de tarde, com o mesmo sorriso que saia. Era a Marialva, pernambucana simpática e cativante.

Romeu ficava intrigado como poderia uma pessoa ser assim. Comparava com sua vida imersa no passado, após abandono de sua mulher que o traíra, empregos efêmeros e um acidente em sua perna que o empurrava por um abismo de pesadelos.

Os dias se sucediam e ele não via a hora da noite chegar e, se atirar numa cama tosca, como se pudesse renascer diferente.

Mas, aquela morena com seu belo sorriso e andar elegante e formoso começou a ocupar seus pensamentos.

Assim, tomou coragem e, toda a tarde procurava com seu caminhar lento, ficar na entrada da vila só para ver Marialva chegar. E, quando a via subir a pequena ladeira, virar no beco e ouvir “Boa tarde Romeu”, parecia que só os dois estavam no mundo e seus pés não estavam no chão. Os dias se sucediam nesse pequeno instante que parecia ser eterno para ele.

Numa tarde qualquer daquele quente verão, o encanto de Marialva com seu sorriso, provocou a coragem de Romeu a puxar conversa com ela. Palavras banais sobre o tempo e outras levaram-no a conhecer um pouco mais dela. Sua infância, adolescência e a perda prematura dos pais a tornaram sozinha com dezessete anos de idade. Veio de sua terra para São Paulo para trabalhar e morar em casa de família como doméstica. Não foi bem tratada e, sobreviveu residindo aqui e ali na imensidão da cidade grande. Seus amores, pouco ajudaram em sua vida, porque a maltratavam com agressões. Assim, passou a buscar a paz solitária.

Não foi uma vida fácil.

Romeu num rompante misto de indignação e curiosidade perguntou a ela:

“Como com tudo isto, você leva uma vida sempre alegre e cordial com todos? ”

Marialva sorriu e disse: “Por que deveria ser diferente? Eu tenho tudo que preciso.

Um teto modesto que me atende, a possibilidade de a cada manhã ver o sol, conviver com as pessoas e respirar a vida.... Lamentar o passado é tudo que não quero, com belos dias que ainda tenho para viver.

Aquelas palavras calaram fundo em Romeu. A partir daquele dia, parece que a vida começou novamente. Passou a se arrumar melhor, fazia a barba diariamente e até aquele xampu que escurecia os cabelos passou a usar. Tudo para ver Marialva e seu otimismo radiante, além daquele belo sorriso.

Suas tardes passaram a se chamar esperança e, quem sabe o despertar de um grande amor.

 

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