O segredo da Confeitaria Colombo
Alberto Landi
Era um fim de tarde quando a Confeitaria Colombo, no
coração do Rio de Janeiro, começava a receber turistas curiosos e clientes
fiéis. O brilho dos espelhos belgas refletia o burburinho e o cheiro do café
misturava-se ao doce perfume de nata e dos bem-casados.
Sentada em uma das mesas centrais, Helena, uma jovem
restauradora de arte, examinava atentamente um mapa antigo que havia encontrado
nos arquivos esquecidos no antigo escritório do fundador.
O esboço parecia indicar a existência de uma sala
secreta, construída ainda na época de sua fundação em 1894.
Na mesa ao lado, um homem bem vestido com terno
escuro, Dr. Álvaro, advogado da família que herdara parte da Colombo, fingia
ler o jornal, mas seguia cada movimento dela. Ele sabia do que aquele
pergaminho se tratava.
O conflito se acendeu quando ele se aproximou:
— Esse mapa pertence à família Colombo. Não deveria
estar em suas mãos.
— Pertence à história do Rio de Janeiro, e a
história não tem dono — respondeu Helena, firme.
De repente, a luz oscilou e o supervisor do salão
deixou cair uma bandeja. Entre o barulho de porcelana quebrando, Álvaro
estendeu a mão, tentando arrancar o pergaminho, porém, ela segurou firme e a
folha se rasgou em dois pedaços. Cada um ficou com uma metade.
Uma sala oculta guardava os acordos da República
Velha. A história não se cala, apenas espera quem a conte.
Agora, entre os espelhos dourados e os vitrais
imponentes, a confeitaria guardava um novo segredo.
Quem conseguiria primeiro descobrir a sala oculta e
o que havia sido escondido nela há mais de um século?
Com metade do mapa nas mãos, ela saiu às pressas.
Ele a seguiu decidido a impedir que ela revelasse qualquer coisa. O que estava
escondido naquela sala poderia mudar não apenas a história da confeitaria, mas
também da cidade do Rio de Janeiro.
Naquela noite, cada um estudou sua parte do
pergaminho. Helena observou símbolos ligados à maçonaria, gravados nos
arabescos da folha.
Ele, por sua vez, reconheceu assinaturas de
políticos da República Velha, homens que costumavam se reunir em salões
discretos, longe dos olhos da imprensa.
No dia seguinte, ambos retornaram ao local,
disfarçados entre os turistas.
Um detalhe nos vitrais denunciava a entrada secreta:
um touro esculpido em mármore olhava para um ponto exato do chão de mosaico.
Quando se preparavam para mover a peça, surgiu o
maître. Não trazia bandejas nas mãos, nem o sorriso habitual que iluminava os
salões. Seu olhar firme e silencioso lembrava menos o de um garçom, e mais o de
um guardião antigo, como se a confeitaria fosse um templo e ele, o vigia de sua
memória.
— Vocês realmente acham que são os primeiros a
procurar? — Disse o maître com um meio sorriso. Essa sala guarda mais do que
podem suportar, pensou Helena.
Ela e Álvaro se entreolharam. A voz do maître, baixa
e firme, cortou o ar, mais um aviso do que uma saudação, rompendo o silêncio
que pesava sobre os salões.
— Há coisas que não devem ser movidas sem
compreender o que guardam.
— Esta confeitaria foi palco de encontros discretos
— disse. Aqui se tramaram acordos que nunca chegaram aos jornais. E a sala que
procuram guarda provas disso.
Sem hesitar, o maître moveu uma das pedras do
mosaico.
O piso se moveu, revelando uma pequena escada em
espiral, descendo as entranhas do prédio.
O ar era pesado, uma mesa de jacarandá ainda estava
posta como se tivesse acabado de receber senadores e ministros. Em um baú no
canto, Helena encontrou envelopes lacrados com selos da época. Ela leu em voz
alta um dos documentos.
— Acordo firmado entre industriais do café e
parlamentares, garantindo silêncio em troca de verbas para campanha
presidencial.
Álvaro empalideceu.
— Se isso vier a público, o nome de famílias
inteiras será destruído. Essas cartas falam de presidentes, de governadores,
até da política de café com leite.
Helena, no entanto, via ali a chance de revelar uma
verdade esquecida.
— Não são apenas nomes. É a história do Brasil que
foi escondida. O povo tem direito de saber, disse ela.
Álvaro segurou-a com o braço firme e disse:
— Se publicar isso, pode desencadear um escândalo. E
não se engane, ainda há descendentes poderosos desses homens, eles não
hesitarão em calar você.
O silêncio da sala secreta foi interrompido apenas
pelo ranger das tábuas antigas. Ali, sob os espelhos dourados da Colombo,
nascia um dilema: revelar a verdade e enfrentar os poderosos ou proteger um
passado sujo em nome da estabilidade atual.
Nos dias seguintes, ela começou a organizar o
material encontrado. Cada carta e envelope era uma peça de quebra-cabeça que
revelava como políticos e empresários moldaram a República Velha nos
bastidores.
Álvaro, por sua vez, não a deixava sozinha, seguia-a
nos momentos mais inesperados, em cafés próximos, em livrarias, até nas filas
de museus, sempre com a mesma pergunta silenciosa: Você vai mesmo divulgar
isso?
Helena percebeu que não precisava apenas proteger os
documentos, mas também agir com inteligência.
Começou a registrar cópias de cada carta, escondendo
uma parte em lugares diferentes. Cada movimento era calculado para despistar
Álvaro, que respondia com cartas anônimas, ameaças sutis e telefonemas
misteriosos.
Um dia, enquanto revisava os envelopes, ela
encontrou uma assinatura que não esperava, de uma figura ainda viva,
descendente direto de um dos senadores envolvidos.
Essa descoberta aumentou a tensão. Álvaro sabia
disso e agora ela tinha um trunfo poderoso: podia negociar a forma como a
verdade viria à tona, decidindo o momento certo e a intensidade do impacto.
O conflito atingiu o ápice quando ele a confrontou
na própria confeitaria, agora vazia após o expediente.
— Você não entende. Isso não é apenas histórico. É
poder!
— Pode destruir famílias, criar inimigos e até
colocar sua vida em risco.
— Entendo, respondeu Helena, firme, mas esconder a
verdade não devolve nada ao povo, e eu não temo enfrentar os poderosos.
Por um instante, o silêncio reinou, quebrado apenas
pelo tic-tac do relógio. Ali, sob os espelhos e vitrais da confeitaria, o que
repousava já não eram apenas documentos antigos, era algo que o tempo tentou
esconder. Tratava-se agora de um duelo de inteligência e coragem, cada decisão,
uma linha traçada entre o passado e o destino dos dois.
Meses se passaram desde que ela descobrira a sala
secreta. Helena havia reunido cópias de documentos mais importantes e
analisado cada detalhe. Ele continuou a observá-la, mas seus encontros se
tornaram menos agressivos, como se ambos soubessem que o verdadeiro poder
estava na informação e não na força.
Decidida, planejou sua jogada. Em vez de expor tudo
de uma vez, organizou uma exposição histórica em parceria com um museu do RJ.
Cartas e registros seriam apresentados como parte da história da República
Velha, desvendando os bastidores ocultos da política sem expor diretamente os
descendentes ainda vivos.
No dia da abertura, Álvaro compareceu. Observou em
silêncio enquanto ela conduzia os visitantes pelos documentos e
relatos da época. Havia conseguido transformar o que poderia ser um escândalo
em uma aula viva de história, revelando o passado com coragem, mas com
inteligência.
Ao final, se aproximou de Álvaro.
— Não destruí ninguém, mas todos aprenderam que a
verdade pode ser contada sem vingança.
— Você venceu, de uma maneira que não esperava,
admitiu Álvaro. Talvez exista um modo de usar o poder do passado sem criar
inimigos.
A confeitaria voltou ao seu brilho habitual. Entre
espelhos e vitrais, Helena revelou a história oculta daquele tempo: a verdade
triunfou sobre o silêncio, sem destruir ninguém.
Agora havia mais do que doces e café, e sim uma
história cuidadosamente revelada, que ensinava a coragem, estratégias e
respeito pela memória da cidade.
Ela sabia que às vezes, o verdadeiro conflito não é
vencer o outro, mas encontrar a maneira de contar a verdade!
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