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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

O Sequestro - Adelaide Dittmers

 



O Sequestro

Adelaide Dittmers

 

Aprisionado em um cubículo, cujas paredes, sem reboque, mostravam tijolos mal assentados, um homem estava sentado em um velho colchão. O rosto entre as mãos e os braços nos joelhos.

Seus pensamentos se atropelavam e tentavam reconstituir o que tinha acontecido.

O encontro com amigos. A saída do restaurante. O caminhar até o carro. O cano do revólver em suas costas. A voz do assaltante, áspera e incisiva.

— Me dá a chave!

O aparecimento de mais um homem, que o empurrou até a porta do passageiro. A surpresa e a impotência que tomou conta dele. A arrancada do veículo. O revólver encostado em sua nuca, na mão do segundo homem, sentado no banco traseiro.

O suor, que escorria pelo seu rosto. A sensação de irrealidade do que estava lhe sucedendo.

— O que vocês querem? Perguntou tentando mostrar uma falsa calma.

— Seu dinheiro! 

— Não consigo sacar dinheiro do banco a esta hora!

— Banco? Você acha que queremos seus trocados? Sabemos quem você é.  Queremos muita grana, ou você já era!

Um arrepio sacudiu o corpo do homem. Apesar do suor, que empapava suas roupas, as mãos estavam geladas.

O longo trajeto, que percorreram até a periferia do sul da cidade. A tapera, onde o colocaram, coberta pela escuridão da noite.  Os empurrões. As ameaças. Os telefonemas para a família. A tristeza pelo sofrimento da esposa e filhos. A incerteza de que mesmo que lhes fosse dado o resgate, ele sairia vivo dessa enrascada. 

A sensação de sufoco o tomou e ele sacudiu a cabeça para espantar a vulnerabilidade de sua situação.

A porta aberta com violência e a entrada dos dois sequestradores tiraram-no de seus pensamentos. O coração disparou.  Lá vinham com mais exigências.  Um deles tinha um celular e disse ameaçadoramente:

— Diga aí pro seu filho que, ou dão dez milhões, ou você vai para as cucuias!

As mãos trêmulas do refém quase não conseguiram segurar o telefone.

— Jorge, você ouviu o que ele disse. O celular estava com a viva voz ligada. 

— Dê um jeito de providenciar o dinheiro.  Aquele dos investimentos no sul.  Fale com Jarbas.  Ele dará o dinheiro a você.

O jovem do outro lado da linha franziu a testa.  Sul...Jarbas... O que o pai estava querendo dizer? Subitamente uma luz acendeu em sua mente.  Era um código.  Jarbas era o procurador da justiça, amigo de seu pai.  Colocaria toda a polícia à sua procura. E sul, sul?  Lógico, o pai deveria estar em algum lugar da zona sul da cidade.

O filho disfarçando respondeu:

— Como podemos saber que vão trocar você pelo dinheiro?

— Deem o dinheiro e seu pai sai com vida. Vamos dar as instruções, onde deixar a grana. E nada de surpresas, senão seu pai morre.

Passaram-se vários dias até o acerto do lugar e do dia em que a quantia seria entregue.

Enquanto isso, um grande esquema policial foi montado.  Na entrega do resgate, policiais à paisana estariam escondidos.  Seriam usados sinais eletrônicos para seguir os bandidos.

No dia e hora combinados, os criminosos foram até o lugar, uma estrada de terra, cercada por um matagal.  Saltaram do veículo, com olhos atentos, que espreitavam os arredores. A mala com o dinheiro estava lá.  Eles a abriram e se abraçaram, dando gargalhadas.

— Quanta grana, meu irmão!

— E agora, que vamos fazer com o homem? Damos conta dele assim mesmo? Perguntou o outro.

— Ele não viu nossas caras. A máscara nos escondeu.  Só que temos que ter atenção, porque podemos sofrer uma emboscada.  Não confio nessa gente.

Entraram no carro e aceleraram, apesar dos buracos da estrada, que os faziam sacudir.  Porém, ao lado do caminho, policiais escondidos acompanhavam o trajeto deles.

Uma hora se passou até alcançarem o casebre.  Entraram e logo apareceu o homem com os olhos vendados. Iriam deixá-lo longe dali.

Entraram no carro e desceram a estrada íngreme. O refém perguntou, forçando uma voz firme, embora seu corpo estivesse gelado:

— Onde estão me levando? O que vão fazer comigo?

— Cala a boca!  Sem perguntas!

O pobre homem se encolheu no banco.

Após rodarem por quilômetros e iam pegar a estrada principal, foram cercados por um forte contingente policial. Não podiam escapar e se matassem o refém, poderiam ser mortos também.

Desceram do veículo com os braços levantados. O homem foi retirado do carro. O corpo inteiro era sacudido por tremores e um choro convulsivo explodiu de seu peito.  Baixou a venda e fitou com ódio os malfeitores. Vencera.  Tinha conseguido escapar.

Conduzido pelos policiais, foi até uma das viaturas com passos trôpegos.  Estava muito fraco e abatido.  Saíra ileso e jamais se esqueceria daqueles dias terríveis em que a morte o espreitou em cada minuto, em cada segundo.

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