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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

COISAS DE CARNAVAL! - Dinah Ribeiro de Amorim

 





COISAS DE CARNAVAL!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Salão cheio, muita conversa, muito tititi... confusão. “Parece que deixam os arranjos para a última hora”, exclama Conceição, a dona, aflita. São cabelos com caracóis, apliques, sem contar unhas, cílios postiços, maquilagens e colocação das fantasias. Prontos para o desfile.

Nervosismo e animação correm soltos, falam ao mesmo tempo. Nada mexe tanto como o Carnaval. Meses preparando roupas, corpos em regime, ginásticas, claras-batidas, só para a apoteose de uma noite ou brincadeiras de três dias.

A cliente mais assídua é Irene, grande carnavalesca. Todo ano é destaque na escola. Quer ficar deslumbrante! Mulher bonita, morena – jambo, olhos verdes, revela a ascendência mista. De corpo escultural, samba como ninguém. Rodinhas nos pés

Irene e Valério conheceram-se numa noite de Carnaval. Ambos empolgados pelas escolas, defendiam com garra suas exibições.

Apaixonaram-se, sambaram muito, casaram-se. O amor ao Carnaval e às escolas, continuou. Chegavam os ensaios, esqueciam-se de tudo: trabalho, filhos, família, cada um pensando em defender a sua. Até serem marido e mulher, deixam de lado.

Com o tempo, Valério muda, o interesse diminui. As preocupações com trabalho, dinheiro, sustento da família, aumento de posição, deixam-no sério, altivo, não se agrada mais com bailes carnavalescos. Acha perda de tempo e dinheiro, grande desgaste e pouco retorno. Começa a sentir vergonha de aparecer em público e exibir a mulher. Que diriam os amigos!

Irene, ao contrário, com o aumento de responsabilidades, aguarda ansiosamente a chegada do Carnaval, para viver uma ilusão, um momento mágico, mesmo por pouco tempo. Começa a achar que Valério já não é o mesmo.

Iniciam-se as brigas do casal. Valério a proíbe de se desnudar no meio do povo e Irene o acusa de ciumento, agora é madrinha de bateria, lugar de honra na escola.

Contraria o marido, que a olha de modo estranho e vai aos ensaios. Prepara linda fantasia cravejada de lantejoulas e cristais, gasta uma fortuna. Plumas de pavão, verdadeiras, enfeitam sua cabeleira e descem até as costas.

Ajudada por Inês, a vizinha, que ama Carnaval, recebe alguns retoques. Inês não pode sair em escolas de samba. Cuida da mãe doente, mas ajuda Irene. Valério desiste de brigar, mas, no íntimo, condena a mulher, repudia cada brilho da roupa e movimento de dança.

Chega a hora do desfile e Irene, emocionada e nervosa, escuta aplausos e vê olhares de admiração. Entrega-se totalmente ao momento de glória, único, para muitos, durante o ano. Nem repara que, enquanto desfila, graciosa e com muito samba no pé, a acompanha um passista, desconhecido, fantasiado de Pierrô, mascarado e irreconhecível.

Chamam atenção, e ela acha ótimo ter alguém ao lado. Seria sua Colombina.

Suados e cansados, trocam olhares e sorrisos. Após o desfile, procuram lugar para beber e descansar.

Irene, ignora o acompanhante que lhe traz lembranças, aceita seus galanteios, entontecida pelo cansaço, emoção e bebida.

Ele se oferece para levá-la em casa. Escolhe um caminho afastado, meio vazio, longe do batuque das baterias. Irene deixa-se conduzir, certa de que seu par estava apenas sendo gentil.

Qual não foi a surpresa quando o Pierrô, segurando-a bruscamente pelo braço, tira a máscara e ela reconhece Valério. Este, carrancudo e magoado, ciumento da esposa que facilmente o trairia, aperta-lhe forte o pescoço e tira-lhe o ar. Irene desmaia.

Inês, a auxiliar de sempre, estando à janela, avista Valério quando sai fantasiado, logo após a amiga. Desconfiada, sabendo que ambos estavam brigados, chama um policial e vão atrás do Pierrô. Acompanham seus passos. Chegam a tempo de pegar Valério, mas não de salvar Irene das mãos que a sufocaram.

Em plena folia, misturado entre passantes bêbados e risonhos, jaz o corpo de Irene, uma eterna amante do Carnaval que, de tanto amar, acabou dando a vida.

         

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