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quinta-feira, 1 de julho de 2021

Viagem ao passado - Helio Salema

 



Viagem ao passado

Helio Salema

 

Recebi pelo celular a notícia de que a cidade dos meus avós, e de meus pais,  iria ressurgir com o esvaziamento da lagoa. Era minha prima me convidando para irmos assistir.

Embora eu não tenha vivido naquela cidade, me emocionei ao lembrar das histórias contadas pelos meus pais e alguns tios, todos já falecidos. Não imaginava ver a casa, a loja nem o colégio. Mesmo assim fiquei empolgado.

Fiz uma lista do que precisava levar. Liguei para um amigo que gostava de fotografar para lhe pedir sugestões. Expus com detalhes o motivo, ele prontamente me ofereceu uma câmera muito boa que não usava há muito tempo. Separei roupas, dinheiro para as despesas pois minha prima já havia reservado hotel numa cidade próxima. Meu irmão disse que até gostaria, mas estava ocupadíssimo na empresa e não poderia se ausentar. Pediu para tirar muitas fotos e enviar para ele.

 

Viajamos no carro da prima Laura. Ela explicou que sua mãe, tia Clara, devido à idade bastante avançada e muito doente, não foi informada. Duas irmãs de Laura tomariam conta da mãe, enquanto estivesse ausente. Durante a viagem conversamos muito. Como não tínhamos contatos frequentes, foi muito bom ouvir os planos dela para depois de formada em arquitetura. Fiquei sabendo que já trabalhava com arquitetos amigos. Falei do meu trabalho no escritório de contabilidade. Também de minha intenção de fazer Direito, depois de concluir o de Ciências Contábeis.

No hotel fomos muito bem recebidos, era administrado por uma família, que nos receberam como se fôssemos parentes. Depois de descansar, desci para o jantar. Uma comida simples mas muito boa. Ficamos por um bom tempo conversando. Laura disse estar ansiosa, pois nunca tinha visto de perto as ruínas de uma cidade inteira. Eu também estava ansioso pela oportunidade de uma experiência nova. Já com a hora avançada fomos dormir.

No dia seguinte acordei cedo, como de costume. Desci,  fiquei conversando com outros hóspedes aguardando Laura. Assim que desceu, juntou-se ao grupo. Tomamos café todos juntos. Pessoas agradáveis e divertidas. Foi uma boa conversa.

Saímos logo após o café, em poucos minutos chegamos ao local. A lagoa já estava vazia. Caminhamos juntos em silêncio naquilo que parecia ter sido uma rua.

Por todo lado o que se via eram pedras espalhadas pelo chão, eu não percebi o menor sinal de que algum dia ali existiu uma cidade.

Eu não reconhecia nada daquilo que descreveram nas histórias,  mas senti uma tristeza enorme por lembrar que ali nasceram e viveram pessoas  importantes na minha vida. Tiveram que abandonar tudo sabendo que nunca mais poderiam rever,  mesmo  estando vivas.

Minha prima Laura examinava longamente os vestígios de possíveis prédios. Como eu não havia usado a câmera ainda,  ela perguntou se eu não iria tirar fotos. Respondi que não sentia vontade. Entreguei a ela que imediatamente começou a fotografar tudo que via.

Eu continuava a pensar nas pessoas. Por mais interessante que fosse a paisagem nos morros ao redor, nada me alegrava. Por que destruir uma cidade, tirar o povo dali contra vontade?

Será que realmente não havia outra alternativa?

Fiz esta pergunta à prima.

 - Provavelmente sim, sempre há várias opções, mas não sabemos o real motivo da escolha.

Sentamos em um bloco de pedras e ficamos por muito tempo em silêncio olhando algumas  poucas pessoas que caminhavam  pelos escombros.

Falei que estava com fome,  ela disse que estava quase na hora do almoço. Caminhamos em silêncio até o carro.

O restaurante do hotel estava vazio. Almoçamos em silêncio.

Fui para o quarto descansar. Dormi o suficiente para recuperar as energias. Acordei com Laura me chamando para irmos embora e chegarmos em casa antes de anoitecer.

Na volta para casa conversamos sobre a oportunidade que tivemos de uma nova experiência. Tudo muito diferente e estranho. Certamente, vamos levar muito tempo meditando sobre tudo que vimos e sentimos. Ela prometeu imprimir as fotos, encaminhá-las para o seu tio.

Ao chegar em casa senti como se estivesse, nas últimas horas, vivido em dois mundos.

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