MUITO MAIS QUE AMOR
Hirtis
Lazarin
                                                                
Foi
num baile de formatura que conheci Lily. 
Destacou-se de pronto no salão de danças.  Dançava sozinha num ritmo cheio de graça,
sorrindo e cantarolando a letra da canção. 
Ao erguer os braços, mostrava os joelhos, balançava os quadris de tal
jeito que seu corpo bem modelado distribuía malícia.  Sabia que estava provocando e sentia prazer
com isso.  Seus olhos contavam.
 
Aproximei-me
num momento em que ela chegou ao bar e devorava uma taça de bebida.  Derreti-me só em ouvir sua voz.  O sorriso amplo parecia sair não só da boca e
dos olhos, mas também do nariz, da testa e das orelhas.  Eu não sabia se era de verdade ou de zombaria.
 
Encontramo-nos
outras tantas vezes, uma conquista que me deu trabalho.  Estar perto dela era tudo o que eu mais
queria.  Dominou-me inteirinho.
 
Eu,
de família culta; ela, filha de pescadores. 
Não escondia o fascínio que sentia pelo dinheiro, pelo poder.  Dizia sem restrições que o dinheiro dá
segurança, permite aproveitar a vida e que o futuro está garantido.
 
Mesmo
assim despertava-me desejo e ternura. 
Encantou-me feito cobra feiticeira e paciência não me faltava.
 
Aceitou
meu pedido de casamento quando meu tio Astolfo ofereceu-me trabalho num pequeno
escritório de advocacia nos arredores de Paris. 
Status e cifrão escreveram-se naqueles olhos que de tão claros pareciam
líquidos.
 
Tão
logo sentimo-nos bem instalados num pequeno apartamento, matriculei-a num curso
de francês.  Era inteligente e
comunicativa.  Familiarizou-se mais
rápido do que eu supunha com a cidade, os hábitos e o idioma.  Em poucos meses, já entendia o interlocutor e
se fazia entender.  Perdeu o medo e
sozinha tomava o ônibus e fazia um tour pela cidade.
 
Mas
Lily estava sempre insatisfeita e ansiosa. 
Sem me consultar, matriculou-se numa escola de artes.  Contou-me que sempre gostara de desenhar, mas
a dificuldade financeira da família nunca permitiu que estudasse.  Fingi que acreditei.  Nunca vi um desenho feito por ela. Em
semanas, o quarto de visitas entulhou-se de tintas, cavaletes, telas e até
livros de arte.  E eu trabalhava mais e
mais pra dar conta dos gastos.
 
Várias
vezes ela alterou o horário das aulas e começou a voltar pra casa cada vez mais
tarde.  Desculpas e explicações não a
embaraçavam.  Era muito criativa.
 
Discussões,
cenas de ciúmes tornaram-se frequentes. 
A minha confiança escapava  pelos
vãos dos dedos e eu não segurava mais tanta decepção e tristeza.  Palavrões já faziam parte do meu
vocabulário.  E ela, neutra e impassível.
 
Naquela
tarde de inverno rigoroso, eu estava esquisito e muito ansioso.  De repente, 
o escritório, as mesas, as pessoas começaram a girar.  Não enxerguei mais nada.  Quando acordei estava deitado num sofá
improvisado e rodeado pelo médico, 
enfermeira e colegas de trabalho. 
Minha pressão arterial andava descontrolada.  Um certo tempo depois, um táxi me deixou em
casa.  
 
Eram
quinze horas.  A casa,  solitária, desarrumada e triste.  Ultimamente Lily saía e não me dava
satisfação. Esperei inutilmente por ela e nada...   Acabei adormecendo...   Acordei assustado horas depois  e tudo continuava no silêncio e na
escuridão.  Amaldiçoei a correria dos
ponteiros do relógio.
 
Depois
de muitas taças de bebida, apertei tanto a última que estilhaçou entre meus
dedos.  Eram cacos de vidro por toda
parte.  Um corte profundo na palma da mão
esquerda sangrou...  Levantei-a tão
bruscamente que pingos de sangue mancharam minha roupa e o tapete.  "Como pude enganar a mim mesmo por tanto
tempo?"  A verdade, eu impedia-me de
ver."
 
Dez
horas da noite e eu cansado de tudo...
 
A
preocupação que tinha virado ansiedade que virou raiva.  Um calorão sufocante e irado obrigou-me a
arrancar a roupa. e atirá-la bem longe. 
Parei em frente ao espelho.  Não
me reconheci.  Na imagem refletida havia
um rosto de expressão selvagem,  de ódio,
os cabelos desgrenhados, as pupilas dilatadas, a boca seca e irônica.
 
Leônidas
está na UTI e respira através de aparelhos.