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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

MUITO MAIS QUE AMOR - Hirtis Lazarin



O que significa sonhar com olhos? - Sonhar com - Significado dos Sonhos

MUITO MAIS QUE AMOR

Hirtis Lazarin

                                                                

Foi num baile de formatura que conheci Lily.  Destacou-se de pronto no salão de danças.  Dançava sozinha num ritmo cheio de graça, sorrindo e cantarolando a letra da canção.  Ao erguer os braços, mostrava os joelhos, balançava os quadris de tal jeito que seu corpo bem modelado distribuía malícia.  Sabia que estava provocando e sentia prazer com isso.  Seus olhos contavam.

 

Aproximei-me num momento em que ela chegou ao bar e devorava uma taça de bebida.  Derreti-me só em ouvir sua voz.  O sorriso amplo parecia sair não só da boca e dos olhos, mas também do nariz, da testa e das orelhas.  Eu não sabia se era de verdade ou de zombaria.

 

Encontramo-nos outras tantas vezes, uma conquista que me deu trabalho.  Estar perto dela era tudo o que eu mais queria.  Dominou-me inteirinho.

 

Eu, de família culta; ela, filha de pescadores.  Não escondia o fascínio que sentia pelo dinheiro, pelo poder.  Dizia sem restrições que o dinheiro dá segurança, permite aproveitar a vida e que o futuro está garantido.

 

Mesmo assim despertava-me desejo e ternura.  Encantou-me feito cobra feiticeira e paciência não me faltava.

 

Aceitou meu pedido de casamento quando meu tio Astolfo ofereceu-me trabalho num pequeno escritório de advocacia nos arredores de Paris.  Status e cifrão escreveram-se naqueles olhos que de tão claros pareciam líquidos.

 

Tão logo sentimo-nos bem instalados num pequeno apartamento, matriculei-a num curso de francês.  Era inteligente e comunicativa.  Familiarizou-se mais rápido do que eu supunha com a cidade, os hábitos e o idioma.  Em poucos meses, já entendia o interlocutor e se fazia entender.  Perdeu o medo e sozinha tomava o ônibus e fazia um tour pela cidade.

 

Mas Lily estava sempre insatisfeita e ansiosa.  Sem me consultar, matriculou-se numa escola de artes.  Contou-me que sempre gostara de desenhar, mas a dificuldade financeira da família nunca permitiu que estudasse.  Fingi que acreditei.  Nunca vi um desenho feito por ela. Em semanas, o quarto de visitas entulhou-se de tintas, cavaletes, telas e até livros de arte.  E eu trabalhava mais e mais pra dar conta dos gastos.

 

Várias vezes ela alterou o horário das aulas e começou a voltar pra casa cada vez mais tarde.  Desculpas e explicações não a embaraçavam.  Era muito criativa.

 

Discussões, cenas de ciúmes tornaram-se frequentes.  A minha confiança escapava  pelos vãos dos dedos e eu não segurava mais tanta decepção e tristeza.  Palavrões já faziam parte do meu vocabulário.  E ela, neutra e impassível.

 

Naquela tarde de inverno rigoroso, eu estava esquisito e muito ansioso.  De repente,  o escritório, as mesas, as pessoas começaram a girar.  Não enxerguei mais nada.  Quando acordei estava deitado num sofá improvisado e rodeado pelo médico,  enfermeira e colegas de trabalho.  Minha pressão arterial andava descontrolada.  Um certo tempo depois, um táxi me deixou em casa. 

 

Eram quinze horas.  A casa,  solitária, desarrumada e triste.  Ultimamente Lily saía e não me dava satisfação. Esperei inutilmente por ela e nada...   Acabei adormecendo...   Acordei assustado horas depois  e tudo continuava no silêncio e na escuridão.  Amaldiçoei a correria dos ponteiros do relógio.

 

Depois de muitas taças de bebida, apertei tanto a última que estilhaçou entre meus dedos.  Eram cacos de vidro por toda parte.  Um corte profundo na palma da mão esquerda sangrou...  Levantei-a tão bruscamente que pingos de sangue mancharam minha roupa e o tapete.  "Como pude enganar a mim mesmo por tanto tempo?"  A verdade, eu impedia-me de ver."

 

Dez horas da noite e eu cansado de tudo...

 

A preocupação que tinha virado ansiedade que virou raiva.  Um calorão sufocante e irado obrigou-me a arrancar a roupa. e atirá-la bem longe.  Parei em frente ao espelho.  Não me reconheci.  Na imagem refletida havia um rosto de expressão selvagem,  de ódio, os cabelos desgrenhados, as pupilas dilatadas, a boca seca e irônica.

 

Leônidas está na UTI e respira através de aparelhos.

 


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