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quinta-feira, 1 de março de 2018

Evidências - Hirtis Lazarin



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Hirtis Lazarin


           Ouvi sussurros a minha volta.  Não identifiquei quem os emitia. 

          Tentei abrir os olhos.  Pesados demais.

          Tentei gritar.  Não consegui.

          Eu sabia que estava vivo.  Sentia o pulsar descompassado do meu coração.

          Eu estava em estado letárgico.... Eis que meus pensamentos começaram a fluir como filme em câmera lenta.

          Eu e meus amigos, mais dois monitores, fazíamos trilha na Mata Atlântica, Serra do Mar.  Era um sábado abundante de sol.  Passaríamos a noite acampados e a volta seria no dia seguinte.

          As tralhas pesavam às costas, mas nada  como o vigor físico que a juventude nos garante.

          Ao entardecer já estávamos armando nossas barracas.  Fui rápido.  Afastei-me do pessoal.  Queria curtir, lá do alto, o dia que já ia embora.  O sol escondeu-se deixando um rastro alaranjado.

          Lembrei-me de alguns versos:  "Quando a noite esconde a luz, Deus acende as estrelas".  E o céu pipocou mesmo de estrelas miúdas pra que a lua cheia imperasse majestosa.

          Perdi-me na paz do silêncio.  Apenas o cricrilar dos grilos em busca de suas fêmeas, cigarras alegres e um bando de vaga-lumes ziguezagueando.

          E assim, perdido no encanto, vi um feixe de luzes coloridas vindo lá de baixo em meio às arvores gigantescas.

          Os raios entrelaçados alcançaram-me rapidinho.  E, ligeiros, enlaçaram-me num laço perfeito.  

          Totalmente imobilizado, levaram-me ao interior de uma cratera incrustada na mata fechada.

          Senti o calafrio da morte.  Vi mamãe perdida em lágrimas, meu irmãozinho procurando-me pela casa toda, papai fingindo tranquilidade. 

          Vi até a galinha que eu crio, amuada no poleiro.

          Vi meu mundo desmoronar.  Fim de linha.

          Só abri os olhos quando senti o chão aos meus pés.

          Inacreditável o que vi...Criaturas estranhíssimas que viviam debaixo da terra.

Eram tantas que pareciam brotar do chão.  Ignoravam-me.

          De baixa estatura, quase anões, eram carecas, cor acinzentada, olhos imensos num rosto pequeno.  De tão leves até flutuavam.  Conversavam muito, mas não entendi uma palavra sequer.

          Estava perdido.  Tremia feito liquidificador em velocidade máxima.

          O que queriam de mim? Um garoto tolo que não gostava de estudar nem de ler e viciado em vídeo game.

          Tentei correr.  Um deles me impediu.  Não foi grosseiro.  Foi firme.  E num português arrastado acalmou-me.

          Eram seres intraterrestres do bem.  Milhões e milhões.  Viviam em cidades subterrâneas preparando-se pra salvar o planeta Terra.

          As guerras, o embate entre os poderosos, a corrupção, os descasos com a natureza cresciam de tal ordem que pouco tempo restava aos seres humanos.
          A humanidade estava prestes a ser aniquilada.  Eles, então, se apossariam do nosso planeta e uma nova Era viria.

          A última coisa de que me lembro foi quando dois deles me seguraram e um chip foi introduzido atrás da minha orelha esquerda. 

          "Por que isso?"  Ninguém me respondeu.

          Naquela hora apaguei.

          Só sei que agora estou aqui deitado.  A cabeça não dói mais.  Posso movimentar braços e pernas.  Reconheço as vozes que me cercam.  Senti até um beliscão que o Juninho gosta de me dar. 

           Abri os olhos e todos estavam ali.  Era espanto, incredulidade, alegria.  Tudo misturado.

          Recebi alta.  No caminho de casa, nada de perguntas.  Só festa.

          Lembrei-me do chip.  Arrepiei-me todo.  Existia ou não?  A esperança era que não.

          Cautelosamente passei o dedo atrás da orelha.

          E... E...   O chip estava lá. 

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