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segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Por que? - Hirtis Lazarin


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Por que?
Hirtis Lazarin

          Correram anos e anos até o término daquela obra arquitetônica, esbelta e poderosa, plantada no penhasco mais alto.  Destacava-se pelo isolamento e pelo branco radiante em meio a um verde intenso e misturado nos tons. 

          Muros altos protegiam a construção e um jardim imenso e bem cuidado por ambientalistas altamente remunerados.  Aves raras acordavam os moradores da mansão.  Era uma mistura de sons afinados e diferenciados que, juntos, se harmonizavam naturalmente.

          A família, descendente de nobres europeus, conhecia glória e poder.  O patriarca, Pierre Charleville era presidente de multinacional com sucursais em toda América Latina.

          O casal tinha dois filhos já crescidos quando Harriet chegou, uma bonequinha falante.  A casa perdeu austeridade e encheu-se de brinquedos e cantigas infantis. 

          A família era simpática e admirada pela sociedade local.  Patrocinava a cultura e obras filantrópicas.  Os amigos eram muitos e as festas também.  Cozinha comandada por "chefs" franceses e regada a vinhos de safras a perder de vista.

          Harriet crescia bela  e charmosa.  Quando os cabelos negros e cacheados libertavam-se das presilhas que os aprisionavam no alto da cabeça, seus olhos azul turquesa pareciam duas bolas de cristal.

          Muitos pretendentes para aquele coraçãozinho de ouro, mas foi Gustavo quem conseguiu entrar por uma porta bem estreitinha, trancá-la com cadeado e jogar as chaves desfiladeiro abaixo.

        Vinte de setembro.  Um sábado especial.  A mansão acordou alvoroçada.  Serviçais em todos os aposentos.  O casal completava vinte e cinco anos de um casamento que deu certo.  Amor e cumplicidade.  Motivos suficientes para uma grande celebração.  Até o padre da paróquia estava lá abençoando a família.

          Casa repleta de gente amiga, e jovens barulhentos que faziam a festa na pista de dança.  Harriet comandava uma coreografia ousada quando o salto de um dos sapatos se quebrou.

          Ofegante e com os sapatos na mão, deixou o salão.  Desceu as escadas de mármore saltando de dois em dois degraus. 

           A pressa desnecessária resultou num tombo feio.  Bateu a cabeça com força e o corpo já inerte rolou escada abaixo.

          Gustavo estranhou a demora e correu ao seu encontro.  Foi o primeiro a encontrá-la desmaiada e sangrando.

          Você, caro leitor, pode deduzir comigo os acontecimentos até a chegada da menina ao hospital.

          Harriet foi entubada com traumatismo craniano, fêmur fraturado e escoriações periféricas.

          Uma semana se passou.  A jovem não resistiu.

          Depois da cremação e com as cinzas guardadas numa caixinha de ouro  aquela mansão fechou-se na dor e no sofrimento.  A família deixou o Brasil pra nunca mais voltar.  As chaves foram entregues ao Seu Angelino, parente distante da família.

          Mais de uma década se passou quando o Sr. das chaves, sentindo o peso da idade e uma saúde frágil, decidiu abrir as portas da mansão.

          As fechaduras enferrujadas e emperradas teimavam em não abrir.  A força e a vontade do homem foram maiores.

          Momento muito difícil.  Mesmo sendo um homem corajoso e liberto de crendices populares, "tremeu nas bases", como um ditado diz e,  com um suor gelado descendo pelo corpo, deu os primeiros passos.  As luzes já estavam acesas.  Ratos e baratas que fizeram ali sua morada, assustados com a chegada do intruso, saíram de seus ninhos e  empreenderam fuga.

             A camada de poeira acumulada impedia que se enxergasse o colorido de qualquer peça ou móvel dali.  As cortinas leves e finas despencavam-se dos varões, rotas e rasgadas, pela exposição contínua ao sol.  As obras de arte mal se sustentavam nas paredes emboloradas e com infiltração de água. 

          Uma rede começou a balançar e os ferrolhos que a prendiam em colunas gemiam feito criança chorosa.  Sr. Angelino chegou perto.  Era um gato que acabava de acordar e se remexia treinando um salto.

          Fotos rasgadas e porta-retratos espatifados no chão indicavam que alguém no ímpeto do desespero, tentou descarregar um pouquinho da sua dor, como se possível fosse.

          Encoberto por cacos de vidro e pedaços de madeira, Sr. Angelino encontrou um quadro intacto.  Pra não se cortar, recolheu-o cuidadosamente.  E, ao virá-lo, soltou um grito.  Grito de pavor.

          Não sabemos quanto tempo se passou até que o Sr. Angelino voltasse a si.  Mas foram muitas horas porque a noite já havia chegado.

          Era uma pintura a óleo com muitas rosas brancas.

           Harriet e Gustavo juntos e abraçados. 


           Deitados no mesmo caixão...

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