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quarta-feira, 15 de junho de 2022

ZÉ DO GADO - Helio Fernando Salema



ZÉ DO GADO

Helio Fernando Salema

 

Hoje com mais de quarenta anos, morando sozinho numa pequena propriedade rural onde nasceu e cresceu. Quando ainda era criança, por volta dos 6 anos, sua mãe faleceu. O pai cuidou dos três meninos. Os dois mais velhos, assim que ficam adolescentes, decidiram morar na cidade, para estudar, trabalhar e por lá permaneceram.

Na companhia do pai até os dezenove anos, aprendeu tudo o que o pai sabia, fazia e fez questão de transmitir ao filho. Sempre juntos como anjo da guarda. Gostava e admirava o trabalho do velho cuidador de gados. Daí o apelido de ZÉ DO GADO pegou no ainda jovem, José Antônio dos Santos.

Com o falecimento do pai, continuou sua vida com poucas alterações. Manteve com a mesma frequência as visitas à casa da viúva D. Olga, que morava só com a mãe numa casinha humilde na fazenda vizinha do seu sítio. Estimado por ambas, algumas vezes passava a noite por lá. Por estar morando sozinho, D. Olga passou a retribuir-lhe as visitas e também a cuidar da limpeza da casa.

Nas fazendas da região ele era solicitado sempre que havia algum problema com os animais, seja de doença ou de nascimento, ou para conduzi-los para outra propriedade. Assim ganhava seu sustento. Nas horas vagas cuidava da sua propriedade, plantando e vendendo seus produtos aos moradores do povoado.

Exímio atirador, quando via uma cobra rastejando, mesmo no meio do mato, poucos segundos eram suficientes para pegar seu revólver e liquidar com a serpente, pois era o único animal que ele não gostava e nem protegia, pois ela matava os bovinos e os equinos que ele tanto “corujava”.

Não se metia em brigas, nem aceitava covardias, e quando necessário as resolvia logo com a sua boa pontaria. Assim era admirado e respeitado. Muitos moradores ainda comentam sobre o dia em que ele, ainda muito jovem, mostrou do que era capaz.

Com a presença, na principal venda do povoado, dos IRMÃOS TORMENTOS, apelido dado a dois irmãos de sobrenome TORRES, e pressentindo confusão, alguém foi correndo até o sitio do ZÉ DO GADO. Ao vê-lo, deu-lhe logo a notícia ainda bastante assustado.

Ele só fez um sinal com a cabeça. Guardou suas ferramentas, arreou o cavalo e saiu num galope, produzindo poeiras como uma manada.

Ao se aproximar do local viu dois homens fortes batendo num rapazinho. Um socava e empurrava para o outro, que também golpeava. O jovem cambaleando era agredido por todos os lados, sangrava que dava dó.

As pessoas que estavam vendo aquela covardia, mas com medo de intervir, logo que viram quem se aproximava, ficaram aflitos e esperançosos para ver com os próprios olhos, aquilo que outros já relataram.

Ele parou. Pegou o revólver, e a uma pequena distância com dois disparos acertou a perna direita de cada um dos agressores, que caíram no chão feito jaca madura…Gritando palavras de ofensas, seguravam a perna ferida e se contorciam de dores.

Desceu do cavalo e foi até onde estava o rapaz ferido. Perguntou onde ele morava. Com uma das mãos, este indicou a venda, onde seu pai na porta, com um medo maior que a covardia dos agressores, olhava tudo, sem ter pernas para se mover.

Pegou-o pelas pernas e braços, carregou-o para dentro da venda e o colocou sobre o balcão. Retornou para onde estavam aqueles por ele baleados, ainda no chão reclamando das dores. Encostou seu chicote no rosto de um deles e avisou com ímpeto e bem alto:

— Eu sei quem são vocês… Agora vocês sabem quem eu sou…Na próxima vez que vocês voltarem por aqui…Será bala na cabeça. Entenderam?

Duas cabeças resignadas balançaram afirmativamente.

ZÉ DO GADO montou e voltou para casa. Nunca mais alguém teve notícias dos IRMÃOS TORMENTOS naquele tranquilo e harmonioso ARRAIAL DAS ÁGUAS MANSAS.

A JANELA ABERTA - Leon Vagliengo

 


A JANELA ABERTA

Leon Vagliengo

 

Uma historinha sobre circunstâncias da bravura doméstica. ___________________________________________

 

         Tarde da noite, hora de dormir, Maria foi fechar a janela do quarto. De repente, deu um grito selvagem de pavor, saltou para trás e pediu socorro, com a voz trêmula, alterada:

         — João, me ajuda aqui! Uma barata enorme! Entrou voando pela janela, foi para trás do armário! AAAI, MEU DEUS!

         João estava saindo do banho. Ouvindo o apelo de sua esposa, secou apenas os pés, prendeu rapidamente uma toalha na cintura, calçou as havaianas e correu, com o corpo ainda molhado, para acudi-la. Sabia como ela tinha medo de baratas, um medo absurdo, incontrolável, verdadeiro pânico, coisa de mulheres.

Nem pensou, mas sentiu; seria um bom momento para demonstrar a ela o seu destemor e valentia ao resolver essas situações caseiras, fortalecendo assim, de maneira subliminar, o respeito e a admiração que ela lhe dedicava, apenas matando uma barata.

         Chegando ao quarto encontrou Maria espremida num canto, em seu rosto a expressão do medo; dirigiu-se corajosamente ao pesado armário, conseguindo, com muito esforço, arrastá-lo um pouco, até poder espiar no vão formado entre ele e a parede, pensando com seus botões “eita armário pesado, sô! Quase passei vergonha”.

         Iluminou o local com uma lanterna, com muito cuidado para não ser surpreendido por uma possível investida da barata voadora que procurava; inconscientemente, temia que a atrevida avançasse sobre ele e o assustasse, comprometendo o seu ato de bravura; assim, examinou aquele espaço cautelosamente, nada encontrando. Depois, mais confiante, conseguiu puxar o armário um pouco mais, examinou melhor todo o espaço, centímetro a centímetro; verificou também embaixo e no outro lado do móvel, também nada encontrando.

Finalmente, com muito orgulho pronunciou o seu veredicto:

—Aqui ela não está. Venha ver.

         — EU NÃO! — Bradou Maria, sem superar o medo, como seria de se esperar.

         Mesmo porque o problema não estava resolvido. Onde estaria a temível barata voadora? João, então, afastou-se um pouco para melhorar a perspectiva e poder prescrutar mais completamente todo o cenário, tentando entender o caminho que poderia ter sido percorrido pelo repugnante inseto.

         Sua força e valentia já haviam sido demonstradas para Maria ao deslocar o pesado armário e assumir o risco de enfrentar o perigoso animal. Mas uma barata de paradeiro incerto e não sabido, esgueirando-se pelos cantos mais escondidos, é sempre uma ameaça muito grande. Poderia aparecer de repente no chão, subir-lhe pelas pernas por baixo da toalha sabe-se lá até onde, enfim, provocar nele alguma atitude menos viril, algum gritinho comprometedor irrefreável, daqueles em que a voz até sai fininha.

 Esse pensamento passou pela cabeça de João, que logo o afastou. Resoluto, agora já dominava a situação e era chegado o momento em que poderia mostrar para Maria a sua inteligência, se conseguisse desvendar o mistério da barata desaparecida. “Onde se enfiou essa miserável? ”, pensou. Observando detalhadamente todo o cenário por alguns longos minutos, finalmente, com muita perspicácia, decifrou o enigma. Aliás, não apenas o decifrou como, também, caiu na risada.

— Do que você está rindo? – Perguntou ela, surpresa, ao que lhe respondeu João, detalhadamente:

— Veja, meu bem. A janela aberta deixa passar uma brisa, fazendo balançar um pouco o lustre, projetando-se assim uma sombra, uma pequena sombra em movimento, em direção ao armário. Engana, sim, parece mesmo uma barata — completou, mostrando-se compreensivo com o medo de sua mulher.

Maria, então, ficou um pouco mais tranquila. Só um pouco. E curiosa. De longe, ainda temerosa, observou aquela pequena sombra que se movia tal qual uma barata voadora. Então, depois de confirmar a brilhante descoberta de seu marido, agora sim, aliviada, abraçou João, numa romântica atitude de agradecimento.

— Como eu sou medrosa, meu bem. Ainda bem que tenho você aqui para me proteger.

Com esse gesto de Maria, abriu-se o espaço para um compreensivo João, em tom superior e professoral, mais uma vez demonstrar carinhosamente a sua sabedoria, explicando algumas coisas para ela, feliz e envaidecido com a sua própria performance:

— Isso que acaba de acontecer com você, meu amor, chama-se pareidolia. Pode acontecer com qualquer um. E acontece quando uma pessoa vê alguma coisa que parece outra, mas não é, mas porque parece, a interpreta como se fosse. Ficou claro? Portanto, não se amofine. Neste caso, envolvendo a imagem de uma barata, você não está sozinha. É natural para qualquer mulher cometer esse equívoco, pois as mulheres mantêm em seu subconsciente um medo atávico, doentio e permanente desse inseto, que aflora incontrolavelmente nesses momentos. Foi o que aconteceu com você: viu a sombra em movimento, e já foi achando que era mesmo uma barata. É muito divertida, e até graciosa, a maneira como se manifesta a fragilidade feminina nessas situações. É por isso que é importante que as mulheres sempre tenham por perto um homem que as socorra nessas horas...

A toalha que o cobria soltou-se e caiu ao chão com o salto repentino de João para trás, uma das havaianas voou longe, ao mesmo tempo em que seu grito alto, agudo, fininho e desonroso, nada viril, interrompeu a sua pregação de herói, quando a barata de verdade, finalmente, resolveu voar do lustre onde se alojara, diretamente para a sua careca. Num reflexo desesperado João se abaixou, procurando proteção, e assim ficou: mãos nas orelhas, encolhido, de cócoras, pelado, um pé descalço, imobilizado pelo pavor.

Ao ver a cena Maria fugiu incontinenti, manifestando toda a sua fragilidade feminina ao correr desesperada para fora do quarto, confirmando aquela maneira divertida e graciosa que seu marido lhe dissera. Mas recobrou-se num instante e, num repente, extraiu de seu âmago toda a coragem necessária para voltar ao quarto, armada de um poderoso aerossol de inseticida que pegou de passagem no armário do banheiro, com o qual encharcou a cabeça de João, que ainda permanecia com as mãos nas orelhas, agachado, pelado, um pé descalço, com a barata na careca.

A enorme barata reagiu no mesmo instante, e ainda voou um pouco, até cair ao chão, debatendo-se. Maria deu-lhe mais uma longa, nervosa e vingativa borrifada de aerossol, e ela finalmente se rendeu, estirada com as pernas para o ar. Superado com sucesso aquele momento de ação e bravura, Maria respirou fundo, encheu-se de mais valentia e correu para fechar a janela, que ainda estava aberta.

Finalmente sentia-se segura.

Mais calma, olhou para o marido e, mesmo com muita vontade de rir, sabiamente Maria se conteve; ajudou João a levantar-se, encontrar e calçar a havaiana, cobrir o corpo novamente com a toalha, e procurou restabelecer a sua combalida dignidade, dizendo, bem séria, com muito cuidado para não parecer irônica:

— Nossa, João! Que bicho enorme! Até você se assustou! Mas manteve corajosamente a barata na cabeça, quietinho, para eu poder acertá-la com o aerossol! Isso é o que eu chamo de sangue frio! Ainda bem que você estava aqui para me proteger. Agora vá tomar outro banho e lavar essa cabeça ensopada de mata-baratas; depois a gente vai para a cama e comemora o sucesso dessa caçada. Com um bom sono, claro, porque já é tarde.

A tentativa foi boa, mas as palavras enaltecedoras de Maria não tiveram nenhum efeito para elevar o moral de João. Jururu e calado, ele limitou-se a obedecer. Tomou um novo banho e foi mesmo para a cama, sempre bem quietinho, juntar-se a Maria, para dormir.

Atualmente, a casa de João e Maria é dedetizada a cada seis meses e há telas contra insetos em todas as janelas.

 

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quarta-feira, 1 de junho de 2022

O SILÊNCIO DO CASTELO - Helio Fernando Salema




O SILÊNCIO DO CASTELO

Helio Fernando Salema

 

A jornalista IRENE e também fotógrafa e escritora, conseguiu comprar uma casa por um Euro numa pequena localidade. Não foi atraída pelo valor simbólico, sabia muito bem, que teria gastos com a propriedade, pois estava sem morador há alguns anos. O que mais lhe chamou a atenção foi o conjunto. Cidade medieval lindíssima, muito bem conservada, atrativa, população minúscula, mas hospitaleira e, principalmente, as lendas relacionadas a um castelo antigo.

No bagageiro do carro acomodou apenas o indispensável para uma vida simples numa pequena cidade. A maior parte foi ocupada pelos instrumentos de trabalho. Bem cedo iniciou a viagem com muitas expectativas e fantasiando. Acostumada a criar histórias, deixou que sua alma livremente lhe revelasse as mais variadas abstrações.

Ao chegar ficou fascinada por tantas e maravilhosas surpresas. Cada casa era um deslumbre. As ruas antigas, conservadíssimas. Tudo lhe parecia diferente e primoroso, a ponto de parar o carro e ficar admirando, como uma criança diante de um novo e desconhecido brinquedo.

Embora a casa estivesse, como era de se esperar, sem os cuidados adequados, não lhe causou nem um sopro de desalento. Abriu as janelas e admirando com mais atenção cada detalhe, sentiu que até o final do dia estaria a seu gosto e desejo. Depois de contemplar o céu:

— Mãos à obra!!!

A noite suavemente intervinha quando ela sentiu a satisfação do dever cumprido. Era necessário uma boa refeição e um sono prolongado e repousante. Nada difícil para quem estava prevenida quanto à alimentação e num local de tranquilidade absoluta.

Ao vivenciar os primeiros clarões do amanhecer, sentiu seu corpo dolorido pelo esforço enorme empenhado no dia anterior. Satisfeita pela aparência que observava em cada canto do seu sonhado lar, não demorou muito para recobrar o ânimo, e com tamanha euforia levantou-se, e mais ágil ficou ao se recordar de que ainda tinha muito o que descobrir naquele lugar pelo qual se encantara através de fotografias.

Ao transpor a porta, sentiu-se diante de um colossal, mas agradável, desafio. Conhecer profundamente, nos mínimos detalhes, a cidade e seus moradores.

Saiu fotografando tudo que lhe era novidade, e havia muitas. Casas de construção não habitual, bonitas e muito bem enfeitadas, ruas estreitas com formato diferente, que impressionaram até aos olhares menos atentos, gerando bela e generosa paisagem.

Conversando com os simpáticos e educados moradores foi colecionando farto material para várias histórias.

Meses depois recebe uma visita surpresa de uma colega de infância, Shiela. Aquela que sempre chegava sem ser convidada, quando ninguém esperava e nem desejava.

Nome de batismo Shirlei Elena, ganhou o apelido porque quando se aproximava as pessoas diziam:

— Xi! Vem ela!

Detentora de uma personalidade fortíssima e curiosa. Logo que chegou, nos primeiros contatos com o material coletado com esmero por IRENE, imediatamente começou a questioná-los. Chegando em alguns momentos a irritar a amiga pesquisadora.

Em outros momentos, no entanto, ajudou com suas observações e elogios sinceros. A ponto de Irene sentir que o material, colecionado até aquele momento, era de grande valor.

Quando Shiela acompanhou a amiga pela primeira vez ao castelo, ficou assustada, tremendamente aterrorizada, ao ouvir sons estranhos. Agarrou-se à amiga e quase chorando a chamou para irem embora.

Em casa, examinando as fotos, depois de passado o susto, estranhou que numa delas, um pequeno detalhe no canto da parede. Algumas paredes eram de pedras irregulares, mas naquele canto o que chamou a atenção da curiosa foi uma minúscula e quase imperceptível fresta. Logo veio a hipótese de ser uma entrada, provavelmente secreta.

Alertou a amiga, que embora não aceitasse aquela hipótese, resolveu voltar ao castelo no dia seguinte. Irene sem a presença da amiga, se sentia mais corajosa, pois já havia captado sons estranhíssimos, algumas vezes, quando se aproximava daquela mesma parede que ficava num pequeno corredor.

Novamente fotografou e observou, mas tudo aparentava natural. Examinou o local suspeito e não havia nada que se assemelhasse a uma porta, possivelmente, era apenas uma sombra naquela foto. Nas paredes próximas não havia nem uma pequena janela. A porta mais próxima ficava distante.

Subitamente, Irene começa a ouvir um som incompreensivo e desta vez assustador. Às vezes um suspiro ou gemido, intercalados por estranhos barulhos. Momento seguinte nada. Por muito tempo somente o silêncio reinava naquele magnífico castelo.

Em seguida percebeu passos de alguém que se aproximava e vinha em sua direção. Assustada e não querendo ser vista naquele local, foi lentamente se deslocando em outra direção.

Mais distante, junto às janelas abertas para a entrada de ar e iluminação, se acalmou ouvindo piados de pássaros anunciando a primavera.

O som dos passos não foram mais ouvidos. Mesmo assim continuou bastante preocupada. Caminhou em direção à saída olhando para os todos os lados. Temerosa e com o coração desenfreado foi pisando suavemente para não fazer barulho, porém com passadas cada vez mais estendidas. Até chegar à saída, foram momentos de terrível aflição.

Shiela aguardava em casa, andando sem parar de um lado a outro. Esfregando as mãos como se assim pudesse ajudar a amiga distante, ou quem sabe fazer o tempo passar mais ligeiro do que o impossível. Arrependida, em alguns momentos, por não ter ido em companhia da amiga.

Ao ver Irene entrando bastante aterrorizada, pressentiu que poderia ter acontecido o pior.

Um copo com água ajudou bastante. Irene sorveu cada gole lentamente, deixando a amiga ainda mais angustiada. Ao dar conta de que estava novamente em casa e segura, foi aos poucos relatando o ocorrido.

Até findar o dia foram muitas conversas e planos. Dúvidas sobre o que poderiam fazer de melhor. Irene decidiu que não iria mais àquele castelo. Nem mesmo em companhia de outras pessoas do lugar. Shiela afirmou que iria embora na manhã seguinte.

Assim que amanheceu o dia, Irene foi à rua fazer compras para o café. Percebeu um movimento anormal de pessoas, movimentando-se, gesticulando e se comunicando de maneira discrepante. Enquanto escolhia as suas mercadorias, ouviu alguém falar que um homem bastante idoso havia falecido. Mas ninguém o conhecia. Também não o virão chegar na cidade e jamais no castelo.

Mais estranho ainda foi quando entrou um antigo morador dizendo que pela manhã um corpo fora encontrado dentro do castelo, a porta estava meio aberta. E o selador havia desaparecido.

Chegando em casa, ao relatar o que havia escutado, Shiela mais uma vez teve um ataque de espanto e susto exacerbado e prolongado. Afirmou, categoricamente, que jamais pisaria naquele castelo ou em outro qualquer.

IRENE num lampejo de intuição e de coragem sentiu-se impelida a constatar se alguma coisa havia mudado dentro do castelo. O que poderia esclarecer o ocorrido no dia anterior e também servir para uma história ainda mais empolgante. Sem falar com a amiga, saiu apressadamente. Cada passo lhe parecia que a distância não diminuía, mas a angústia sim, aumentava e muito.

Ao longe notou que algumas pessoas estavam em pé junto à porta fechada. Aproximou-se e em conversa com os presentes também ficou impressionada com o aviso que dizia. FECHADO POR TEMPO INDETERMINADO.

Desanimada e preocupada, retornou a casa.

  Depois de tantas aventuras, quase todas inesperadas, Shiela resolveu ir embora. À medida em que enchia as malas, seu coração também se enchia de lampejos de saudades envolventes, deixando sua mente em hesitação.

Com a chegada do táxi não lhe restava opção. Despediu-se com um forte e alentado abraço, o que deixou ambas em lágrimas.

Durante a viagem de retorno, cada cena que deixava para trás, lhe trazia à memória, que nunca imaginara encontrar o que presenciou ali, quando pensou em simplesmente fazer uma  surpresa à amiga.

Depois de algumas semanas, Irene toma conhecimento da abertura do castelo, quando estava caminhando sem qualquer preocupação. Não querendo perder tempo vai apressadamente, só quando já estava dentro do castelo, lembrou-se de que não levava nenhum material para registrar qualquer possível mudança.

O castelo estava vazio. Nem uma alma penada para lhe fazer companhia, nenhum som por todos os cantos que passava. Mesmo com as janelas abertas não se ouvia o som dos pássaros. Sentiu arrepios estranhos e uma intuição lhe ocorreu. Saiu imediatamente.

Ao entrar na casa pegou a caixa em que estavam as fotos e examinou cada uma, atentamente.

Durante alguns minutos observou cada detalhe daquela que lhe prendeu a atenção. Era a fotografia do castelo de perto e mostrava nitidamente sua imponência. Pegou a caneta e com todo o cuidado escreveu na foto o nome do seu próximo livro.

O SILÊNCIO DO CASTELO.

 

 

 

 

PROVOCANDO RISOS E FELICIDADE - Helio Fernando Salema

 



PROVOCANDO RISOS E FELICIDADE

Helio Fernando Salema

 

Senhor Helio, que não gosta de ser chamado de senhor, às vezes respondia que o Senhor é quem está lá em cima olhando por nós.

Há alguns anos comemorou a entrada na casa dos sessenta, não nega e não tem como negar, sua aparência revela de maneira clara e sólida. Cabelos brancos e barba grisalha, não deixam dúvidas. Mas como gosta muito de brincar e provocar risos, costuma dizer sempre com uma postura de muita seriedade, que tem 28. Em seguida explica:

— Isso provoca risos sutis de uns e gargalhadas, por vezes escandalosas, de muitos outros.

E complementa:

— É muito bom e saudável estimular risos nas pessoas. Elas mudam de fisionomia incrivelmente, e na rapidez de um raio em tempestade. Muitas vezes ficam mais bonitas e demonstram estarem saudáveis mesmo quando, pouco antes, reclamavam de doenças ou ainda pior, da vida.

Algumas vezes provoca risadas quando alguém, querendo participar da brincadeira, diz que ele parece ter vinte e cinco ou vinte e seis, no máximo. Rapidamente responde:

— Não, não! Tenho vinte e oito e não admito que reduzam minha corretíssima idade.

Pronto. Era mais uma enxurrada de risos.

 

No início do ano era a viagem à Guarapari que enchia seu peito de esperança e perspectivas.

Tudo começava por volta de outubro ou novembro. Quando em contato com os amigos, principalmente Carlos e Luiz.  Alguém lembrava que o verão já dava os primeiros sinais, e logo vinha a lembrança de estarem juntos naquela bela e tranquila Praia do Morro.

Eram dias de reuniões na praia desfrutando tudo de bom que havia. Sol, mar, paisagens aprazíveis, cerveja, boa comida…e aquelas conversas longas que sempre eram interrompidas por brincadeiras ou deboches, terminando em hilaridade.

Outro momento importante era o contato com algum mineiro e ouvir histórias das Minas Gerais. A boa prosa lhe era bastante agradável, talvez por ser meio mineiro, também aprecia os “causos” narrados nos contos do amigo Milton.

Foi num desses dias, que o senhor Helio passeando pelas ruas do centro de Guarapari, avistou numa das vitrines uma camiseta regatas, por coincidência azul, sua cor preferida. Parou e ficou admirando. Lembrou que dos dez dias programados ainda restavam oito e uma camiseta a mais poderia lhe ser útil. Ao perceber o preço não teve dúvidas. Sem tardar, entrou e foi logo perguntando ao rapaz que estava no balcão:

— Posso ver aquela camiseta azul?

— Sim. Vou pegar para o senhor.

O rapaz colocou no balcão a camiseta junto de outras duas, uma branca e outra amarela clara. O sr. Helio pegou as três e se dirigiu ao provador.

Minutos depois voltou ao balcão e disse ao funcionário que levaria a branca e a amarela. O funcionário assustado:

— O senhor não vai levar a azul que escolheu?

— Não. Quando a vesti me vi como um velho de cinquenta anos.

O funcionário espantado ficou tentando disfarçar um riso, abaixou a cabeça. Mas não adiantou nada, senhor Helio percebeu e também, sem nenhuma intenção de disfarçar, soltou uma risada.

O rapaz colocou as duas camisetas numa sacola e recebeu o pagamento.

Ao sair, o senhor Helio próximo da porta, virou-se rapidamente e ainda pode ver os três funcionários em comunhão de risadas, uma secava os olhos de tanto que ria. Aquele que lhe atendeu, com as duas mãos segurava a barriga, que certamente doía de tanto rir.

Na calçada o senhor Helio rindo, disse em voz alta, como se quisesse comunicar a todos os passantes:

— Como é bom atiçar risos. As pessoas ficam mais bonitas, os problemas desaparecem, a vida agradece e Deus abençoa.

 

O Despertar - Adelaide Dittmers

 


O Despertar

Adelaide Dittmers

 

O rapazinho de treze anos apertou os olhos feridos pela claridade súbita.  Quando conseguiu abri-los maravilhou-se com o que viu.  Muitas descrições, tinha ouvido sobre o lado de fora, mas o que estava vendo a tudo superava.  Era como se acabasse de ter saído do útero materno.  Como se nascesse naquele momento.

Árvores floridas, um céu vestido de um azul intenso, onde nuvens brancas desenhavam diversas formas.  Abaixo, um rio esverdeado e vigoroso correndo pelo seu leito pedregoso.

O jovem sentiu-se aturdido e sentou-se para recuperar o fôlego e as forças.  Lágrimas cristalinas rolaram de seus olhos. Ele perdera tudo isso por tantos anos.  Vivera na obscuridade ouvindo as diversas histórias dos mais velhos.

Um homem estendeu-lhe uns óculos escuros.

— Coloque isso! Você precisa se acostumar com a claridade!

O menino o pegou e o colocou, mas o retirou.

Queria sorver toda aquela luz, queria sentir aquele mundo, que estava experimentando pela primeira vez.

O vento que lhe desmanchava o cabelo era uma dádiva inesperada e balançava a cabeça para senti-lo como se fosse uma carícia.

Saíra de uma caverna para outra realidade. E uma pergunta imperiosa surgiu em sua mente.  O que lhe reservaria esse novo mundo... Imenso demais. Misterioso demais. Inesperado demais.

Levantou-se e com passos incertos começou a descer a encosta da montanha.  O rio o atraía como um imã.  Abaixava de quando em vez para pegar uma flor e a cheirava como um animalzinho fareja algo delicioso.

Os outros, que com ele haviam saído do frio e triste bunker, pararam e o deixaram seguir.

A água fria do rio molhou os pés descalços e encharcou-lhe a roupa. Um arrepio de prazer percorreu-lhe o corpo.  O menino pisava com cuidado no solo de pedras lisas, apreciando cada contato com aquela natureza, que desconhecera até agora.

Uma voz feminina ecoou à distância:

— Venha, filho.  Temos que ir.

Ele voltou-se vagarosamente.

— Posso ficar mais um pouco?

— Seu avô está sendo esperado.  Precisamos partir já.

O jovem saiu devagar da água e dirigiu-se para o grupo de pessoas, que o esperavam mais acima.

Na sua cabecinha fervilhavam lembranças desencontradas.  Os dias em que homens traziam suprimentos para o bunker e reuniam-se com o avô sob as lâmpadas, que espalhavam uma luz tênue no ambiente. Momentos únicos, em que traziam notícias do mundo exterior.

A guerra, na qual o país mergulhara na tentativa de conter a invasão por outro povo.  A fuga desesperada do avô, que governava a nação, juntamente com a família e componentes do governo.  O esconderijo naquele lugar escuro.  A resistência daqueles, que queriam libertar a terra nativa dos opressores e a fidelidade ao avô, escondida no coração de cada combatente. Histórias que ouvira e tivera dificuldade de entender.

Mergulhado nesses pensamentos, chegou perto do grupo.  Olhos emocionados pousaram sobre ele.  Um senhor de cabelos prateados aproximou-se e acarinhou-lhe a cabeça.

— Pedro, você tem muito a descobrir.  Vamos até a estrada.  Carros nos esperam.

Umas trinta pessoas começaram a caminhar até a estrada.  Já tinham lhe contado que os rebeldes conseguiram expulsar os invasores após tantos anos de lutas e armadilhas ao inimigo e que o país fora libertado.  O que aconteceria, agora?

Ao alcançarem a estrada, vários carros os esperavam. Os olhos de Pedro arregalaram-se.  Pela primeira vez, via um carro.  Um ähhh¨ de surpresa escapou-lhe da boca e deu uma volta pelos veículos, admirando cada detalhe.  O menino estava admirado diante daquela realidade, que conhecera apenas pelas descrições e fotografias.  Tudo era muito maior, mais impactante.    As longas conversas com os adultos, as perguntas constantes, que fizera resultaram em uma pálida idéia do mundo exterior.

Sorrisos estamparam-se nos rostos das pessoas.  O jovem tinha sido o filho de todos durante os longos e tenebrosos anos, que viveram naquele lugar inóspito.  Ele fora a única alegria e um dos fortes motivos de manterem a esperança de lá sair.

De repente parou.  A alegria e o espanto diante das descobertas chocavam-se dentro dele.  Correu para  perto dos pais e abraçou-os como um bebê que pede colo para se sentir protegido.

O avô derramou um olhar carinhoso sobre o neto, compreendendo os sentimentos contraditórios que o deviam estar sacudindo.

— Vamos, Pedro! Entre no carro.  Precisamos ir para a cidade.  Estão nos esperando.

Todos tomaram seus lugares e seguiram pela estrada estreita de terra.

O menino tinha os olhos pregados na janela, observando a paisagem que desfilava rapidamente.  O sacolejar do veículo, as curvas do caminho o nausearam e a comitiva  parou para ele pôr para fora todo o espanto e emoção, que aquele mundo novo estava lhe causando.

Algumas horas passaram e pequenas habitações surgiram.

— Casas! Estamos chegando?

— Ainda não!  Veja, vamos pegar aquela estrada!

Uma estrada asfaltada estendia-se a perder de vista.  Os carros a acessaram, aumentando a velocidade.  O mau estado da pista fazia com que desviassem dos inúmeros buracos, mas mesmo assim tudo parecia voar ao lado de Pedro.  Ao longe, plantações de diversas cores passavam por eles simetricamente alinhadas.  Aqui ou ali, viam-se construções em ruínas.

Muitos quilômetros depois, surgiu mais abaixo de uma colina, uma grande cidade.

— Agora estamos chegando, não é?

— Sim, Pedro.  É a nossa cidade.  A capital do país. Respondeu o avô, com os olhos marejados de lágrimas.

 Nesse momento, seus pensamentos voaram para a companheira de muitos anos, que não resistiu ao longo tempo de confinamento e que não compartilharia com ele a emoção de retornar ao que tinham deixado.

A cidade os recebeu engalanada.  Bandeirinhas agitavam-se nas mãos do povo para receber o chefe da nação, que a maioria julgara que estava morto.

Espantado, o menino encolheu-se no banco do carro.  As surpresas estavam sendo demasiadas para um único dia de sua curta vida.  A angústia dele foi percebida pela mãe, que o enlaçou com um dos braços e acalmou-o com palavras ternas.

Edifícios destruídos eram avistados ao longo trajeto.  Eram os vestígios da guerra e essa triste realidade abalou o jovem mais uma vez

Mais adiante, chegaram a uma grande praça, onde uma bela construção se erguia.  O cortejo parou.  Uma multidão lotava o lugar e o nome do avô era ouvido em altos brados.  Saíram dos carros.  O avô subiu as escadas lentamente.  Soldados enfileirados prestavam-lhe continência.  Ao chegar a um patamar, no topo das escadas, um microfone o esperava.  Virou-se devagar para o povo e acenou.  Alto, rosto traçado por vincos profundos e olhar intenso.  Transpirava carisma e integridade por todos os poros.  A voz firme, mas emocionada soou pelo lugar e um grande silêncio apagou o burburinho que reinava.

Em um discurso breve, ele agradeceu a todos a luta pela liberdade e lealdade ao país e a seus princípios mais profundos.  Ao terminar, uma ovação explodiu.  Ele curvou a cabeça em sinal de agradecimento e respeito à coragem daquele povo sofrido. Acenou mais uma vez e virou-se, entrando no palácio. Os companheiros de exílio e aqueles que o ajudaram a reconquistar o país o seguiram.

Na grande sala, abraçaram-se emocionados.  Uma mesa posta, com várias iguarias os esperava.  O avô, porém, recusou a refeição. 

— Estou exausto.  Preciso descansar.  Vejo vocês amanhã para traçarmos os próximos passos para reerguer o país.  Há muito trabalho a fazer.

E levantando uma das mãos, cumprimentou a todos com um sorriso e saiu da sala.  Os presentes o acompanharam com olhares de respeito.  Admiravam a bravura daquele homem, que mantivera a nação unida, oculto e preso em um bunker no âmago de uma distante montanha, orientando seus homens a resistir e lutar pela expulsão dos invasores.

Quando toda a população soube que o seu líder estava vivo e mesmo escondido ajudou a alcançar a vitória, o orgulho despedaçado pelos anos de submissão acendeu-se em cada homem, em cada mulher, em cada velho, em cada criança.

A refeição transcorreu em um clima festivo, que disfarçava uma certa tensão em cada participante, afinal o desafio de ora em diante seria enorme e já pesava nos ombros dos que ajudariam a levantar o país.

Pedro não escondia a agitação que lhe sacudia o íntimo.  Para os seus verdes anos, tudo era muito desafiador. Olhava de um lado para o outro, sentindo a emoção contraditória de cada um, ao mesmo tempo que se surpreendia com o brilho dos talheres de prata, com a louça de filetes dourados e com a alvura da toalha.

Quando o jantar terminou, já os últimos raios de sol incendiavam a sala de tons avermelhados.  O jovem correu para a janela.

— O que está acontecendo no céu?

Os pais aproximaram-se:

— É o pôr-do-sol! Não é maravilhoso? Perguntou o pai e completou: Está anunciando o cair da noite. 

Pedro estremeceu;

— Não quero ver a noite! É muito escura!

Na sua memória, surgiu a imagem negra de uma tempestade que atingiu a montanha e do vendaval que abriu e quase derrubou a porta oculta do bunker.  Pessoas correndo para fechá-la.  O susto e o medo que se apoderou de todos. A confusão que lhe permitiu ir até a entrada e presenciar a escuridão, o forte aguaceiro e os raios que riscavam o céu. O pânico que o paralisou e o contato com uma mão que o levou para dentro, onde a avó o acolheu em seus braços.

O pai tirou-o dos seus pensamentos.

— Sei do que você está recordando.  Aquela escuridão foi consequência do temporal.  Hoje o dia foi claro e ensolarado. Você vai ficar surpreso ao apreciar a noite.

 — Vamos subir, exclamou a mãe. Você precisa tomar um banho e descansar. Foram muitas as emoções. Mas antes de ir para a cama, vamos admirar a noite do terraço para afastar a má impressão, que ficou daquela tempestade.

E pegando o filho pela mão, subiram a escada. Mas, Pedro virou-se:

— Pai, você sobe depois para vermos a noite juntos.

O medo ainda pairava sobre ele.

As luzes piscantes das estrelas e uma enorme e alaranjada lua cheia enfeitavam o céu quando saíram para o terraço.

— Meu Deus! Quantas estrelas!  A lua é linda!  Estou vendo o universo, não é?

— Sim, uma pequena parte dele.  Respondeu o pai.

Um profundo suspiro exalou das mais profundas entranhas do menino.  Um torvelinho de pensamentos tentava processar tudo o que estava vivendo e descobrindo em um único dia.  Sacudiu a cabeça, tentando ordenar o que lhe passava pela mente.

— Estou cansado!

— Vamos entrar! Você precisa de um bom sono!

Já deitado, recebeu os beijos dos pais.  A cama macia o abraçou e o aconchegou.

— Deixem a porta do terraço aberta!

O luar prateado, salpicado de estrelas iluminou e embalou os sonhos de Pedro.

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...