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quarta-feira, 1 de junho de 2022

O SILÊNCIO DO CASTELO - Helio Fernando Salema




O SILÊNCIO DO CASTELO

Helio Fernando Salema

 

A jornalista IRENE e também fotógrafa e escritora, conseguiu comprar uma casa por um Euro numa pequena localidade. Não foi atraída pelo valor simbólico, sabia muito bem, que teria gastos com a propriedade, pois estava sem morador há alguns anos. O que mais lhe chamou a atenção foi o conjunto. Cidade medieval lindíssima, muito bem conservada, atrativa, população minúscula, mas hospitaleira e, principalmente, as lendas relacionadas a um castelo antigo.

No bagageiro do carro acomodou apenas o indispensável para uma vida simples numa pequena cidade. A maior parte foi ocupada pelos instrumentos de trabalho. Bem cedo iniciou a viagem com muitas expectativas e fantasiando. Acostumada a criar histórias, deixou que sua alma livremente lhe revelasse as mais variadas abstrações.

Ao chegar ficou fascinada por tantas e maravilhosas surpresas. Cada casa era um deslumbre. As ruas antigas, conservadíssimas. Tudo lhe parecia diferente e primoroso, a ponto de parar o carro e ficar admirando, como uma criança diante de um novo e desconhecido brinquedo.

Embora a casa estivesse, como era de se esperar, sem os cuidados adequados, não lhe causou nem um sopro de desalento. Abriu as janelas e admirando com mais atenção cada detalhe, sentiu que até o final do dia estaria a seu gosto e desejo. Depois de contemplar o céu:

— Mãos à obra!!!

A noite suavemente intervinha quando ela sentiu a satisfação do dever cumprido. Era necessário uma boa refeição e um sono prolongado e repousante. Nada difícil para quem estava prevenida quanto à alimentação e num local de tranquilidade absoluta.

Ao vivenciar os primeiros clarões do amanhecer, sentiu seu corpo dolorido pelo esforço enorme empenhado no dia anterior. Satisfeita pela aparência que observava em cada canto do seu sonhado lar, não demorou muito para recobrar o ânimo, e com tamanha euforia levantou-se, e mais ágil ficou ao se recordar de que ainda tinha muito o que descobrir naquele lugar pelo qual se encantara através de fotografias.

Ao transpor a porta, sentiu-se diante de um colossal, mas agradável, desafio. Conhecer profundamente, nos mínimos detalhes, a cidade e seus moradores.

Saiu fotografando tudo que lhe era novidade, e havia muitas. Casas de construção não habitual, bonitas e muito bem enfeitadas, ruas estreitas com formato diferente, que impressionaram até aos olhares menos atentos, gerando bela e generosa paisagem.

Conversando com os simpáticos e educados moradores foi colecionando farto material para várias histórias.

Meses depois recebe uma visita surpresa de uma colega de infância, Shiela. Aquela que sempre chegava sem ser convidada, quando ninguém esperava e nem desejava.

Nome de batismo Shirlei Elena, ganhou o apelido porque quando se aproximava as pessoas diziam:

— Xi! Vem ela!

Detentora de uma personalidade fortíssima e curiosa. Logo que chegou, nos primeiros contatos com o material coletado com esmero por IRENE, imediatamente começou a questioná-los. Chegando em alguns momentos a irritar a amiga pesquisadora.

Em outros momentos, no entanto, ajudou com suas observações e elogios sinceros. A ponto de Irene sentir que o material, colecionado até aquele momento, era de grande valor.

Quando Shiela acompanhou a amiga pela primeira vez ao castelo, ficou assustada, tremendamente aterrorizada, ao ouvir sons estranhos. Agarrou-se à amiga e quase chorando a chamou para irem embora.

Em casa, examinando as fotos, depois de passado o susto, estranhou que numa delas, um pequeno detalhe no canto da parede. Algumas paredes eram de pedras irregulares, mas naquele canto o que chamou a atenção da curiosa foi uma minúscula e quase imperceptível fresta. Logo veio a hipótese de ser uma entrada, provavelmente secreta.

Alertou a amiga, que embora não aceitasse aquela hipótese, resolveu voltar ao castelo no dia seguinte. Irene sem a presença da amiga, se sentia mais corajosa, pois já havia captado sons estranhíssimos, algumas vezes, quando se aproximava daquela mesma parede que ficava num pequeno corredor.

Novamente fotografou e observou, mas tudo aparentava natural. Examinou o local suspeito e não havia nada que se assemelhasse a uma porta, possivelmente, era apenas uma sombra naquela foto. Nas paredes próximas não havia nem uma pequena janela. A porta mais próxima ficava distante.

Subitamente, Irene começa a ouvir um som incompreensivo e desta vez assustador. Às vezes um suspiro ou gemido, intercalados por estranhos barulhos. Momento seguinte nada. Por muito tempo somente o silêncio reinava naquele magnífico castelo.

Em seguida percebeu passos de alguém que se aproximava e vinha em sua direção. Assustada e não querendo ser vista naquele local, foi lentamente se deslocando em outra direção.

Mais distante, junto às janelas abertas para a entrada de ar e iluminação, se acalmou ouvindo piados de pássaros anunciando a primavera.

O som dos passos não foram mais ouvidos. Mesmo assim continuou bastante preocupada. Caminhou em direção à saída olhando para os todos os lados. Temerosa e com o coração desenfreado foi pisando suavemente para não fazer barulho, porém com passadas cada vez mais estendidas. Até chegar à saída, foram momentos de terrível aflição.

Shiela aguardava em casa, andando sem parar de um lado a outro. Esfregando as mãos como se assim pudesse ajudar a amiga distante, ou quem sabe fazer o tempo passar mais ligeiro do que o impossível. Arrependida, em alguns momentos, por não ter ido em companhia da amiga.

Ao ver Irene entrando bastante aterrorizada, pressentiu que poderia ter acontecido o pior.

Um copo com água ajudou bastante. Irene sorveu cada gole lentamente, deixando a amiga ainda mais angustiada. Ao dar conta de que estava novamente em casa e segura, foi aos poucos relatando o ocorrido.

Até findar o dia foram muitas conversas e planos. Dúvidas sobre o que poderiam fazer de melhor. Irene decidiu que não iria mais àquele castelo. Nem mesmo em companhia de outras pessoas do lugar. Shiela afirmou que iria embora na manhã seguinte.

Assim que amanheceu o dia, Irene foi à rua fazer compras para o café. Percebeu um movimento anormal de pessoas, movimentando-se, gesticulando e se comunicando de maneira discrepante. Enquanto escolhia as suas mercadorias, ouviu alguém falar que um homem bastante idoso havia falecido. Mas ninguém o conhecia. Também não o virão chegar na cidade e jamais no castelo.

Mais estranho ainda foi quando entrou um antigo morador dizendo que pela manhã um corpo fora encontrado dentro do castelo, a porta estava meio aberta. E o selador havia desaparecido.

Chegando em casa, ao relatar o que havia escutado, Shiela mais uma vez teve um ataque de espanto e susto exacerbado e prolongado. Afirmou, categoricamente, que jamais pisaria naquele castelo ou em outro qualquer.

IRENE num lampejo de intuição e de coragem sentiu-se impelida a constatar se alguma coisa havia mudado dentro do castelo. O que poderia esclarecer o ocorrido no dia anterior e também servir para uma história ainda mais empolgante. Sem falar com a amiga, saiu apressadamente. Cada passo lhe parecia que a distância não diminuía, mas a angústia sim, aumentava e muito.

Ao longe notou que algumas pessoas estavam em pé junto à porta fechada. Aproximou-se e em conversa com os presentes também ficou impressionada com o aviso que dizia. FECHADO POR TEMPO INDETERMINADO.

Desanimada e preocupada, retornou a casa.

  Depois de tantas aventuras, quase todas inesperadas, Shiela resolveu ir embora. À medida em que enchia as malas, seu coração também se enchia de lampejos de saudades envolventes, deixando sua mente em hesitação.

Com a chegada do táxi não lhe restava opção. Despediu-se com um forte e alentado abraço, o que deixou ambas em lágrimas.

Durante a viagem de retorno, cada cena que deixava para trás, lhe trazia à memória, que nunca imaginara encontrar o que presenciou ali, quando pensou em simplesmente fazer uma  surpresa à amiga.

Depois de algumas semanas, Irene toma conhecimento da abertura do castelo, quando estava caminhando sem qualquer preocupação. Não querendo perder tempo vai apressadamente, só quando já estava dentro do castelo, lembrou-se de que não levava nenhum material para registrar qualquer possível mudança.

O castelo estava vazio. Nem uma alma penada para lhe fazer companhia, nenhum som por todos os cantos que passava. Mesmo com as janelas abertas não se ouvia o som dos pássaros. Sentiu arrepios estranhos e uma intuição lhe ocorreu. Saiu imediatamente.

Ao entrar na casa pegou a caixa em que estavam as fotos e examinou cada uma, atentamente.

Durante alguns minutos observou cada detalhe daquela que lhe prendeu a atenção. Era a fotografia do castelo de perto e mostrava nitidamente sua imponência. Pegou a caneta e com todo o cuidado escreveu na foto o nome do seu próximo livro.

O SILÊNCIO DO CASTELO.

 

 

 

 

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