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quarta-feira, 10 de maio de 2017

Princesinha do Oeste - Ana Catarina SantAnna Maues


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Princesinha do Oeste
Ana Catarina SantAnna Maues

      Princesinha do Oeste, era nome nada adequado daquele vilarejo constituído de vielas e casebres onde barro e lixo faziam parte do cenário. Em contraste, um único imóvel de imponente construção no alto do morro, com visão privilegiada de toda aquela miséria. A economia do lugar girava em torno da casa grande, que era como os habitantes denominavam a mansão de Dona Santinha, proprietária de tudo por ali,  e que gostava de ser chamada assim, usando isto como artificio para camuflar seu caráter frio, que dissimulava com maestria.


Os homens do vilarejo trabalhavam com as inúmeras cabeças de gado e também com os cavalos puro sangue árabe, as mulheres na vasta plantação de arroz, horta e pomar, e as crianças, mesmo as bem novinhas, na casa grande, fazendo todo o trabalho doméstico, supervisionado de perto pela própria Dona Santinha.  Todos naquele lugar viam como natural os maus tratos sofridos pelas crianças. Dona Santinha sabia seduzir pais e avós que silenciavam em total aprovação aos mais cruéis castigos que aplicava em filhos e netos de seus empregados. Ninguém ousava argui-la quando  chegavam em suas casas com marcas de chicote ou queimaduras que pareciam ser de cigarro. Tratadas com chutes e puxões de cabelo era assim o dia a dia delas, mesmo com  tarefas bem realizadas. Quando alcançavam certa idade deixavam a casa e iam para os outros trabalhos, porém totalmente alquebradas com olhar sem vida, como robotizadas. As idas de Dona Santinha até o vilarejo só aconteciam, segundo ela, por uma boa causa,  visitar os mais idosos e os doentes. Para estes ela levava um chazinho especial, e isto significava muito para as famílias, era verdadeira glória, receber a visita de Dona Santinha, pois podiam ouvir as mais doces palavras ficando envoltos numa atmosfera mística num quase torpor e assim ficavam até sua saída.  Dali a algum tempo os visitados faleciam e todos  conformavam-se com a partida deles. 

A rotina da senhora de vida e de morte,  já perdurava  por décadas, mas certo dia entrou pela porta principal da casa grande, Martinha, menina  de aspecto franzino e tez pálida que despertou algo em Dona Santinha, que parecia ter sido contagiada por um sentimento, diferente dos que nutria. Sem saber definir, aproximou-se da menina e colocou-a no colo, acariciando seus cabelinhos cor de fogo, naquele instante decidiu que Martinha iria ser sua sucessora na administração da casa e dos negócios. E foi assim que todos  passaram  a ver a menina, como continuação de Dona Santinha. Martinha experimentava o poder a cada dia, e se fortalecia com isto, tornando-se com o tempo uma pequena tirana.  Certa noite, conversando com seus botões, chegou a conclusão  de que nada mais havia para aprender com Dona Santinha, e nesta hora  decidiu  ir  até o quarto  e   oferecer a ela  o chazinho especial, que a mesma  bebeu placidamente, confiando no sentimento que acreditava ter a menina  por ela. Com a morte de Dona Santinha, Martinha adotou o pseudônimo de Princesinha do Oeste, pois dizia a si mesma e a todos que ela era a cidade. Aquele vilarejo estagnado recebera por herança, novo período de dominação.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Metáforas e outras Figuras














CUMPLICIDADE DE AMIGO - Do Carmo


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CUMPLICIDADE DE AMIGO
Do Carmo


Fiquei sabendo, pelo meu filho, de uma ocorrência com um de seus amigos, que me emocionou deveras.

Os jovens são, em sua maioria, desligados e talvez negligentes com os problemas que parece que realmente não os atingem.

O que meu filho contou-me, demonstrou exatamente o inverso, pois Rafael, garoto charmoso e muito galanteador, sabendo de seu prestígio entre as meninas, assumira uma postura de cumplicidade.

Estava ele conversando com um dos colegas de classe da faculdade, quando um  professor os abordou, dizendo ao seu colega que ele tinha colado durante a prova, que o vira remexer nos bolsos.

Imediatamente, Rafael adiantou-se dizendo que ele havia pedido emprestado uma caneta, pois a dele falhara.

— Solícito, ele procurou nos bolsos e entregou-me uma caneta com a qual consegui terminei a prova.

O professor olhou-o fixamente, ao que ele sustentou o olhar.

Dirigindo-se ao transgressor, o mestre estufando o peito, disse:

— Rapaz, você é um afortunado. Atualmente é muito difícil  se encontrar uma pessoa tão fiel e cúmplice como esse seu amigo.

Conserve-o para sempre.

FIGURAS DE LINGUAGEM


AMIGA DE VERDADE - Do Carmo


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AMIGA DE VERDADE.
Do Carmo

É muito difícil se certificar de que você tem um verdadeiro amigo. Para tal, se faz necessário a pessoa possuir alguns requisitos sendo que, ao meu ver, os essenciais e difíceis de encontrar são:  sinceridade, lealdade, fidelidade e cumplicidade

Na maioria das vezes, convivemos com pessoas que, embora muito próximas e compartilhando o dia a dia, nada conhecemos de sua essência, sentimos sempre uma dúvida sobre seus sentimentos.

Em contra partida, há outras que mesmo não sendo tão presentes, sentimos que podemos confiar plenamente e recorrer ao seu auxílio a qualquer momento.
Esse comportamento está presente em minha vida, através da Raquel, desde nossos seis anos de idade, quando ela veio ser minha vizinha na época.

Não  morando próximas, não nos vemos amiúde porém, nossa sintonia é imensa. Sempre que alguma de nós precisa de um abraço, de uma palavra amiga, sem motivo  telefonamos e muito rápido, estamos uma ao lado da outra.
Já houve um episódio, há alguns anos, que ela deixou um jantar com parentes para socorrer uma vizinha que se encontrava em apuros.

É raríssimo conquistarmos uma pessoa que se torna nossa amiga tão sincera, leal, fiel e cúmplice, como eu tenho a ventura de possuir.



UMA TURMA NOTA DEZ! GENTE NOVA CHEGANDO NA TURMA





ICAL COM GENTE NOVA NO GRUPO!
Oba, a turma está cada vez maior.

Seja bem vindo Henrique Schnaider.


Que este grupo lhe traga muita sorte e criatividade.



Henrique Schnaider




Rejane Martins




















quinta-feira, 4 de maio de 2017

O diário proibido - Christianne Vieira


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O diário proibido
Christianne Vieira

Valéria entrou em casa feito um tufão, estava muito atrasada, e ainda tinha muitas trabalho para entregar.

A agência de publicidade tinha enxugado o quadro de funcionários, e os que ficaram agora  acumulavam funções. Melhor é ter  emprego, pensava todos os dias, e  paciência, tinha que correr mais.

Sempre foi uma mulher ativa, acumulava um milhão de atividades em um único dia, agora, mãe de dois meninos, e trabalhando dobrado, parecia uma formiga atômica.

Deixava os meninos bem cedo na escola, e iniciava uma agenda, que só iria ser encerrada, após colocá-los na cama, lá pelas nove da noite.

Sobrava um tempinho para ela conversar com seu marido, antes de se jogar ,  um zumbi, na cama.

Arrumou uma nova empregada, e explicou várias vezes a rotina, mesmo assim não conseguia encontrar nada. Precisava achar uma caixa que trouxe da casa dos seus pais, da época da faculdade.

Depois de revirar, alguns armários, encontrou a caixa, com a tampa entreaberta, o que lhe pareceu muito estranho, e para a sua surpresa, seu diário da adolescência, estava, aberto.

Poderia perder alguns minutos, abriu-o e começou a ler. Nas primeiras páginas,   bateu o maior pânico, esse diário era do seu pior ano, onde sua rebeldia fez com que tivesse feito coisas terríveis, caso alguém soubesse, seria a maior vergonha. Pensava que ele tinha sido jogado fora, justo esse, o pior, estava ali na sua frente. Naquele ano, seus amigos foram  a turma do fundão, o terror da escola, seu rendimento escolar fora péssimo, seu namoradinho, uma tranqueira, e provavelmente tudo que escrevera naquelas páginas, lhe dariam enxaqueca. Gastou muitos anos de terapia, para esquecê-lo.

Era casada com Artur, um homem muito sério e tradicional, ele nem sequer poderia sonhar, que a mãe de seus filhos fora capaz de fazer tudo aquilo.

Mas, quem poderia ter o encontrado o diário antes dela? Só  poderia ter sido ele, ou a Nete.

Artur estava viajando a trabalho durante a semana toda, não seria bom  conversar sobre isso à distância. Toda vez que ela tinha algum assunto delicado para tratar com seu marido, procurava uma boa hora para fazê-lo. Definitivamente essa semana não teria esse momento.

Teria que se livrar daquele diário.

Primeiro, rasgou suas primeiras páginas, onde tinham seus dados pessoais, picou em vários pedaços, em seguida folheou, e  as que considerou serem  piores, arrancou, e picou também. Achou melhor levar o que sobrara para um lixo distante de casa, colocou dentro de uma sacola preta, lacrou com fita crepe, e jogou no porta-malas de seu carro.

Sua semana foi intensa, e passou rapidamente. Quando chegou a sexta feira, seu marido pediu que ela o buscasse no aeroporto,  estava com saudades.

Qual foi a sua surpresa quando abriu o porta-malas para guardar a mala, e encontrou o pacote, ela olhou para ele, desconcertada, e disse que mais tarde conversariam.

Artur achou a atitude estranha, mas estava cansado da viagem, e concordou em esperar.

Enquanto isso Valeria pensava  como poderia explicar, que  fizera tantas coisas erradas, no seu passado. Ela o amava demais, não queria carregar marcas de um passado sem juízo.

Tinham um combinado, deveriam ser  honestos e sinceros, um com o outro, naquelas páginas, um mundo distante de sua vida atual, como se relatasse os dias de uma estranha. No dia seguinte, encontrou um momento bem calmo, sentou no sofá ao lado de Artur , e lhe contou, omitindo várias partes, que aquele era seu diário, que encontrara e ela havia escondido, para que os meninos não o lessem.


Ele  a ouviu, calmamente, a abraçou e disse não se importar com esse assunto, recomendou que ela o jogasse fora. Valéria respirou aliviada, talvez seus segredos continuassem seguros e distantes, mas a dúvida, de quem o lera permaneceria para sempre. Por mais que tentasse, sabia que não poderia fugir daquelas páginas.

O DIÁRIO DE GLAUCIA - Christianne Vieira



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O DIÁRIO DE GLAUCIA
Christianne Vieira

Uma  tarde chuvosa, um dia tristonho com cara de inverno, bom para dormir a tarde toda, se entupir de chocolates, assistindo a um bom filme. Teria uma tarefa muito chata pela frente, desmontar a casa de seus pais. Já empacotara  quase todos os objetos, roupas, utensílios de cozinha, jardim, e mais um monte de cacarecos acumulados ao longo de muitas décadas.  Olhava ao redor e parecia que nunca conseguiria dar um fim.

Glaucia já estava muito cansada, cheirava a pó, e naftalina, não sabia porque os antigos gostavam de encher os armários  com elas. O ar parecia ser ainda mais velho, dentro deles.

Ela odiava essa tarefa, e tudo que se relacionava a ela. Arrumação era a atividade número um, na sua lista de coisas odiosas. Seus irmãos viviam ocupados, ela foi a intimada. Teriam que entregar o imóvel em poucos dias, e empacotar três décadas, de história.

Tentou muito se esquivar, fingiu estar em crise de rinite, simulou uma virose, mas nada adiantou. Bom, sem saída, foi para lá e resolveu que terminaria logo com essa chatice.

Agora, só restava, o último e temido cômodo, o quarto de despejo, lugar esse que todos, por vários anos, despejaram tudo aquilo  que não gostavam, ou queriam , na verdade se livrar.

Entrou com cuidado, devido a pilha de badulaques jogados, prontos para espatifarem, ou até mesmo soterrá-la em escombros.

Como o passado pode ser tão pesado?! Como pode carregar tantas angústias? Mexer nessas pilhas, era o mesmo que cutucar feridas ainda abertas, ou questões mal resolvidas.

No entanto, ela não tinha mais o que fazer? Uma vez, que se encontrava sem saída, teria que começar. Uni duni te, a escolhida foi você. Apontou na direção da pilha sorteada ao acaso, e retirou a raquete de tênis, sem cordas, que estava no topo... embaixo encontrou uma caixa lacrada com durex, era tanto durex, que se alguém tivesse que se enforcar, talvez conseguisse.

Era muito velho, parecia verter uma gosma, fantasmagórica assustadora. Imaginou-se entrando em coma, em contato com tantos ácaros.

Foi soltando toda aquela meleca, até que liberou a tampa da caixa. Primeira parte concluída. Ufa, já era algum progresso, continuava viva.

Encontrou então livros, cadernos, todos encapados, com plástico colorido, veja bem, não era contact, ultra moderno, era o velho plástico mesmo, que dava o maior trabalho na hora de embalar. Ela lembrava da dificuldade!

No fim da pilha, surpresa, um diário rosa, gordo,  tão gordo que nem fechava. Tinha tantas coisas coladas entre as paginas, que se assemelhava a listas telefônicas.

Essa história de remexer no passado estava ficando alucinógena. Se contasse para algum jovem, eles achariam que ela estava realmente pirada.

Respirou fundo. Quantas lembranças ele havia guardado ao longo desses anos?
Fazia tanto tempo, que ela não se lembrava. Abriu a contracapa, nome, Glaucia, idade, 14 anos.

Meu Deus, já fazia quase quarenta anos... Quantas coisa ela vivera depois disso! Talvez até gostasse de ler.

Essa época em sua vida, fora repleta de descobertas, a primeira paixão, a mudança de escola, o turbilhão de hormônios que faziam da sua vida uma montanha russa.

Seria uma forma de chacoalhar sua vida monótona. Fazia tempo que não encontrava cor e alegria.

Aqueles anos, de adolescência cheios de cor, planos, quando  amava cada embalagem de chup chup morango  colado, se preocupava com cabelo, ou com espinhas. Chorava escutando na vitrola musicas  românticas. Distante, mas muito  vivo dentro dela.


Como se um portal tivesse sido aberto, o passado  e o presente andassem lado a lado. Sentou em um cantinho,  parecia ter encontrado um pote de ouro no fim do arco-íris, aquele diário estava salvando sua vida, descortinando sua alma. Quem sabe, seria seu passaporte para uma nova chance de ser feliz?!

O diário. - Amora


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O diário.
Amora

Hábito comum havia antigamente, fazer diário. Era uma forma de expressar sentimentos, comunicar-se, registrar momentos importantes e inesquecíveis. Ou escreviam cartas longas, ou marcavam em seus diários, o que não queriam esquecer.

Eu mesma, na infância e adolescência, fiz um diário. Não escrevia à máquina nem, atualmente, em computadores. Já estamos até entrando em nova era, quando só basta “pensar” que  fica registrado. Não entendo muito sobre isso, mas será num futuro bem próximo.

Sinto falta daquele tempo, quando a única preocupação era esconder o diário para que ninguém o lesse.   Hoje, a invasão da nossa privacidade é muito maior. Triste isso! Parecemos robôs ou marionetes manejados nem sabemos direito por quem? Suas intenções! Qualidades! Objetivos!

Controlados, talvez por máquinas! Sem vida. Sem alma. Falta espiritualidade.

Gosto das coisas antigas, dos costumes, linguagem, educação, respeito, atraem-me. Apego-me a filmes, livros, objetos, museus, até vestuário. Espero que sejam preservados para sempre!

Ah! Lembro-me, agora! Entrei, certa vez, numa casa velha, vazia, colocada à venda para demolição. Talvez um novo prédio, cheio de divisões ou compartimentos. Mania perigosa que tenho!

Sua construção antiga, arquitetura refinada, lembrando estilo barroco, período rococó, revelou mais ou menos a personalidade da família que ali morou. Gente abastada! Nobreza! Bairro de São Paulo considerado muito chique, em tempos passados, Campos Elíseos.

Visitei os cômodos enormes, tetos altos, algumas pinturas existentes, desenhos descascados que ainda se viam sob o desgaste aparente.

Muito surpresa, verifico, num dos quartos, uma velha cômoda de cerejeira, estilo Luís XVI. Cheia de gavetas enfeitadas com puxadores de cobre. Com certeza, não despertou interesse de ninguém,  ou não a tenham visto. Deve valer muito nas  lojas de antiguidades, apesar do estado.

Curiosa desde menina, sempre sonhadora e romântica, verifico se as gavetas ainda abrem. Sim, uma delas, a última,  não está emperrada. Abre facilmente.
Entre alguns papéis irreconhecíveis e jornais esmaecidos, o que vejo? Um caderno capa dura, amarelado pelo tempo, com folhas rasgadas nas pontas. Abro-o e percebo ter sido um diário. Alguém deixara nele, com tinta nanquim, ainda visível, escrito à pena, com certeza, impressões de uma vida.

Emocionada, sem que ninguém visse, apanho-o, fecho silenciosamente a gaveta, coloco-o na sacola e saio, às pressas, com medo de ser interceptada.  Senti-me carregando um tesouro, a ser escondido e revelado em minha casa, meu sofá, local predileto de leitura e filmes.

Feliz por morar sozinha, dessa vez, pois não seria importunada por ninguém!  Era um sábado, 18 de março de 2000.

Sento-me de modo confortável e, com mãos trêmulas,  controlando meu coração acelerado, folheio, delicadamente, as primeiras páginas. A tinta muito clara e a letra leve, redonda, formando pequenas curvas mais acentuadas, demonstram ser de mulher. Realmente, mulher jovem, alegre e apaixonada, percebo  logo. Seu nome, Valéria.”

São Paulo, 25 de maio de 1912, 8,00 h.
Hoje, levantei-me contente, querido diário, meu amigo mais íntimo, de todas as horas. Dia claro, ensolarado, céu sem nuvens, novidades boas no ar. Soube,  ontem, por papai, que meu prometido, Alfredo, está para chegar da Europa. Acompanhado pela mãe e irmãos, findou seus passeios e estudos em Paris, após rumores de guerra, principalmente França.
Finalmente, vou rever meu quase noivo, escolhido por nossas famílias, entre tantos primos e conhecidos que temos.
Gostei muito dele, colocando em Alfredo minhas aspirações de felicidade.
O meu dia hoje será de preparativos, idas a costureiras,  enxoval, muitas coisas que mamãe irá resolver. Sinto-me feliz.
Após algumas interrupções, voltei à leitura no dia seguinte.

São Paulo, 05 de junho de 1912, 10,00h 
Querido diário. Não tenho escrito muito nesses dias, porque a correria está sendo grande.
Amanhã, iremos a Santos esperar Alfredo e família que chegarão no vapor das cinco. Meu entusiasmo é grande e minha saudade também. Estou muito ansiosa com tantos preparativos e não vejo a hora de repousar em seus olhos claros, desmaiar no seu sorriso bonito, seu porte elegante e calmo. Ele é diferente dos rapazes que conheci até hoje.

Continuo lendo, bastante interessada, em outro momento.

São Paulo, 20 de junho de 1912, 9,00h
Alfredo chegou! Sua aristocrática família, também. Alegre, saudoso, gentil, encheu-me de carinhos e presentes, demonstrando que não me esqueceu, apesar dos anos fora e tantos conhecimentos adquiridos.  Morria de medo que, com o tempo, esquecesse do seu compromisso aqui, no Brasil. Quanto a mim, bastou um sorriso seu para voltar todo o meu entusiasmo e amor por esse homem que preenche tudo que penso em assuntos românticos e sentimentais. Gosto dele e, se não casarmos, não quero mais ninguém!
“novo dia, nova leitura.”

São Paulo, 09 de julho de 1912, 9,00h
Querido diário, sempre apaixonada, espero Alfredo todas as noites. Tem vindo jantar e passa horas conversando com papai, no escritório. Acho que conversam sobre sua viagem e estudos realizados.  Ambos são advogados e têm muita coisa em comum. Logo marcaremos uma data para o nosso noivado que, segundo ele, será rápido, marcando o casamento quase em seguida. Será mais uma satisfação à sua mãe e à sociedade, amigos que frequentamos.

Vejo-me envolvida com Valéria.

São Paulo, 01 de agosto de 1912, 10,00h
Hoje o dia amanheceu lindo. As rosas do jardim parecem mais brilhantes e vivas, combinando com o meu coração.
Querido amigo diário! Meu noivado foi ontem, maravilhoso, sentindo-me a mais feliz das mulheres. Alfredo nunca foi tão amoroso e gentil! Nossa festa deu certo, meu vestido ficou muito bom, os convidados estavam alegres, participando da nossa felicidade. Os familiares contentes, confirmando ser a nossa união do agrado geral.
Nunca me senti tão segura e  certa do passo sério que é um casamento.  Já me sinto unida a Alfredo como se nunca tivesse separado.
Algumas amigas que hoje são casadas, não sentiram essa segurança. Pareciam estar nervosas e indecisas até o grande dia, quando se acalmaram. Marita foi uma delas, minha melhor amiga, nervosa como só ela. Será minha madrinha. Ela e o marido Leandro, que é tão bom quanto Alfredo será.

Que interessante! E agora, o que virá, tantos anos antes?

São Paulo, 04 de setembro de 1912, 9,00h
Meu casamento foi marcado para 12 de dezembro, dia do aniversário da minha futura sogra. Os preparativos são muitos, roupas, moradia, móveis, presentes, convites, escolha da igreja, ensaios, número de convidados. Eu e Alfredo estamos meio estressados. Mal temos tempo par conversar,  namorar como fazíamos antes. Nunca pensei que um casamento desse tanto trabalho. Ele, coitado, começou a trabalhar, montando um escritório de advocacia na Rua Direita, em sociedade com um amigo. Seus momentos de lazer terminaram. Ultimamente, temo-nos visto pouco. Sinto sua falta e espero que o casamento chegue logo.

Entusiasmada e emocionada, continuo lendo seus relatos como se fosse um romance.

São Paulo, 12 de outubro de 1912, 8,00h
Meu diário, meu companheiro. Escrevo aqui minhas preocupações também. Ando entristecida porque não tenho visto meu noivo como queria. Como nos víamos antes. É tanto trabalho, tanta coisa para resolver, que vou acabar ficando igual às minhas amigas, nervosas até a cerimônia. Marita tem me ajudado  vindo várias vezes fazer companhia. De vez em quando, olha-me assustada, como se quisesse me  dizer alguma coisa. Acho que é preocupação demais. Sempre foi meio cismada. Logo chega dezembro e tudo se resolve.


Novas palavras no diário: percebo, preocupada... Tudo indica alguma modificação no assunto.




São Paulo, 15 de novembro de 1912, 10,00h
Tenho escrito pouco. Até vontade e tempo de escrever está sumindo. Faz uma semana que Alfredo não aparece, alegando muito trabalho e pequenas viagens. Parece que a guerra na Europa está começando mesmo e isto o tem preocupado. Medo que atinja também o Brasil. Meu pai também anda preocupado e olha-me compadecido. Sinto algo no ar! Alguma notícia estranha. Desabafo-me com você, coloco minhas preocupações nessas linhas estreitas, em você, meu diário. É a única maneira que tenho de falar, sem causar constrangimento.

Entristecida, prevejo outro final para a linda história de Valéria!

São Paulo, 28 de novembro de 1912, 10,00h
Não tenho vontade de escrever! Sinto que amadureci ou endureci de repente, querido diário. Minha angústia e tristeza é tanta que, acredito, seja o dia de hoje, uma despedida. Deixo aqui gravadas, em você, meu amigo, como se fosse alguém e não um objeto de expressão.
Após algum tempo de pequenas frustrações, ausências repetidas e desculpas de Alfredo, recebo a visita de Marita que, muito reservada, chama-me ao meu quarto para conversarmos. Com muita delicadeza e mágoa, prepara-me para uma notícia triste. Soubera, pelo marido, que Alfredo se apaixonara por uma mulher humilde, muito bonita, com um filho a caminho, querendo desfazer o compromisso de noivado, mas não tem coragem. Abriu-se com a mãe que, de desgosto, mudou-se para outra cidade. Não poderá haver mais casamento, nessa situação. Alfredo sempre foi um homem sentimental, um pouco fraco e  sensível, colocando a beleza e a arte como qualidades principais em sua vida. Gostou de outra, trocando  cultura, posição e riqueza por simplicidade e beleza de outra pessoa. Uma costureira.
Desfaleci e Marita me amparou. Nem coragem de vir me contar, teve.
Acho que vou morrer! Não acredito em mais ninguém!
                                  

Após ler tantas folhas espaçadas e interrompidas por minhas atividades, comovo-me e choro, percebendo que o diário de Valéria  mexeu comigo, fazendo um diário na minha vida também, levando alguns meses para sua leitura.

Guardei-o amorosamente em minha gaveta. E, meses mais tarde, folheei-o, vendo uma página solta, escrita às pressas, pelas poucas palavras e entusiasmo.

São Paulo, o2 de abril de 2013, 8,00h
Meu diário, estou me despedindo, virando sua última página em minha vida. Após o rompimento com Alfredo, sofri uma grande depressão, pensando em acabar com tudo. Felizmente, fui salva por meu médico que me encaminhou a um serviço voluntário com crianças doentes. Conheci Roberto, um médico pediatra.  Apaixonamo-nos e devo casar em breve. Minha lua de mel será nos Estados Unidos! Encontrei novamente a  felicidade. Adeus!




O fio. - Amora


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O fio.
Amora

 Pessoas passam por nossa existência, deixando vários tipos de marcas! Boas ou más! Prefiro recordar as boas.

 Tenho setenta e quatro anos e, acho a vida muito rápida, percebo agora.  É curta demais! Gostaria de ter feito mais coisas.

Alguns conhecidos foram importantes, mudaram meus caminhos, outros, deixaram lembranças, sem muito significado.

Recordo-me de todos. Não memorizo muito os nomes, mas rostos são difíceis de esquecer.

Uma colega de escola, no Bairro do Limão, minha primeira classe causou-me profunda impressão. Dela, lembro-me do rosto simpático e do nome: Claudete Barbosa Hirsh.

Eu era muito tímida, recém-casada, tive dificuldades de relacionamento. Grande número de professores e diretor bravo e exigente.

Ela me procurou com delicadeza, orientou-me, tornando-se grande amiga. Devo-lhe muita compreensão, bondade e colocação no ambiente escolar.

Mais tarde, soube que nossos maridos eram colegas de profissão, conheciam-se e, ela, também professora de evangelização espírita, dizendo sempre que havia um fio espiritual entre nós. Uma ligação. Eu ria, não acreditava muito, mas respeitava sua crença.

Quando pedi demissão dessa escola, despedimos-nos com tristeza. Sem eu saber, continuou acompanhando minha vida, mesmo sem nos vermos.

Anos mais tarde, por necessidades financeiras, precisei voltar a trabalhar e, espantada, recebo um telefonema de Claudete, preocupada, informando-me que haveria um novo concurso na prefeitura e que eu poderia prestar. Pergunto-lhe como sabia de minha situação e ela responde rindo: é o fio, lembra-se?

Inscrevi-me, prestei o concurso, passei, reiniciando como professora em Guaianazes, às sete horas da manhã. Fui me removendo aos poucos, até a aposentadoria, no Bairro da Casa Verde.

Devo, atualmente, minha posição, ao trabalho na prefeitura, e, meu retorno à carreira de professora, a essa amiga que nem sabe o bem que me causou!

Pessoas passam pela nossa vida e, felizmente, deixam marcas suaves de solidariedade e amor ao próximo! Nem percebem!

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...