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quarta-feira, 3 de agosto de 2022

O fantástico resgate do amor de uma mãe - Alberto Landi

 



O fantástico resgate do amor de uma mãe

Alberto Landi

 

Charlotte, nascida em 1920 em Castle Combe, interior da Inglaterra, pertencia a uma família de protestantes.

Ela tinha sonhos frequentes que a deixavam triste, deprimida, sonhava com seu próprio falecimento.

Estava desesperada, pois com quatro filhos não tinha o suporte e orientação necessária do marido, ex combatente da primeira Guerra mundial, que após retornar da guerra se entregou a bebida, um pai infeliz  e marido ausente.

O sonho, ao lado de certas lembranças que surgiam no estado de vigília, fazia parte de seu quotidiano, influenciando desta maneira o seu desenvolvimento psicológico, emocional e social.

Aconteceu que prematuramente o sonho tornou-se realidade, deixando os filhos pequenos.

 

Muitos anos se passaram...

Marta, americana natural e moradora de San Diego, tem dois filhos.

Sua profissão jornalista, fotógrafa e escritora.

Num determinado dia, viu um anuncio no jornal local: Vende-se uma casa no interior da Inglaterra, por um euro, no pequeno vilarejo de Castle Combe.

Como requisito seria necessária uma pequena reforma e fixar residência pelo menos por seis anos.

Como ela sempre quis conhecer esse país, entusiasmou-se pela publicação e começou a pesquisar.

Por ser uma escritora, achou que seria o local adequado para exercer a profissão.

Nesse lugar havia um pequeno castelo, que os moradores diziam ser rico em historias e lendas imaginarias.

Castle Combe se assemelhava a um cenário visto em filme de suspense, Psicose, ficava no alto de uma colina, com características bem sinistras. Um vilarejo que nasceu com os celtas e que até hoje nenhuma construção foi alterada e ou complementada.

Aproveitou um programa de incentivo do governo e adquiriu a casa.

Ela desde criança tinha visões com Charlotte e vivia dividida entre uma vida atual e passada. Era como um quebra-cabeça com certas peças apagadas, outras fora de lugar e outras nítidas, mas fáceis de se encaixarem.

Geralmente, nas pessoas as lembranças de infância assomam de forma desordenada sem nenhuma cronologia.

Dentre suas lembranças, destacava-se um chalé onde morava com filhos e marido.

Lembrava com muita clareza o lugar em que vivia bem como suas ocupações diárias.

Esses sonhos passaram a dominar sua vida, pois eram imagens claras de uma família, num pequeno lugar da Inglaterra.

Ela procurou um terapeuta. O analista, após submete-la a sessões de regressão, concluiu:

--Não são sonhos, são lembranças de vidas passadas!

Com o apoio da família, Marta viaja para averiguar a casa, em busca de pistas de seu passado.

Ela pressentia que os filhos de Charlotte que apareciam nos sonhos poderiam estar vivos e ela teria um papel relevante junto àquelas crianças de ontem. O sonho mostrava o local, justamente o mesmo do anuncio do jornal. 

O objeto central de suas preocupações eram os filhos deixados. Ela tinha lembranças de pessoas, lugares....

A dor da separação dos filhos devia ter sido tão intensa, aflitiva por deixá-los no mundo tão grande, o sentimento de culpa por não conseguir superar a morte e deixá-los desprotegidos.

Penso que o passado espiritual interfere diretamente sobre nossa existência atual.

Ela se recordava de que Charlotte gostava de ler, escrever pequenos contos infantis.

A jovem escritora, por sua vez sem muita aprendizagem escrevia desde pequena e demonstrava com livros, habilidade que constituía herança da existência anterior.

Tinha necessidade de encontrar sua família da vida passada.

Aquelas crianças tinham sido privadas ainda na infância daquilo que seus filhos atuais estavam desfrutando agora, por isso, sentia que tinha que fazer algo a respeito.

A intensificação das lembranças ocorreu na mesma faixa etária, 32 anos quando Charlotte faleceu.

Com o material recolhido das regressões e das lembranças espontâneas, deu inicio a uma grande busca, os filhos de sua vida anterior.

O quebra cabeça começava a mostrar contornos mais nítidos.

Escreveu várias cartas para os moradores locais, indagando sobre uma mulher chamada Charlotte, que teria vivido num chalé na década de 30, num determinado lugar do vilarejo.

Com o passar do tempo, apenas uma carta foi respondida e decisiva.

A mulher foi identificada como, Charlotte e os filhos tinham sido enviados para orfanatos diferentes.

A sua busca mostrava algum resultado.

Conseguiu o nome e data de nascimento dos quatro filhos: George, Oliver, Elizabeth e Bridget.

Certo dia recebeu um telefonema inesperado, de um de seus filhos da sua existência anterior, George.

O encontro com ele foi com muita emoção, ela com apenas 32 anos seria uma revelação um tanto quanto alucinatória para qualquer pessoa.

Apesar de certa confusão no inicio, este forneceu o endereço e numero do fone de Oliver, mas o paradeiro das meninas naquela ocasião era desconhecido, pois foram para outro orfanato diferente dos irmãos.

George então com 71 anos, demonstrou grande reserva e ceticismo diante desses fatos.

Ela revelou coisas que somente ele, seus irmãos e a mãe sabiam, como que levava as crianças para passear num pequeno lago, contava historias infantis, e que George, uma ocasião trouxera para casa uma pequena cabra, e ainda que uma das meninas havia se ferido na perna subindo a colina.

Ele ficou atônito com tudo que ela contava em detalhes. Não teve dúvidas, é minha mãe que voltou!

As irmãs foram localizadas e já com idade acima de 60 anos.

O contato presencial com George foi na pequena igreja local. As pessoas mais chegadas e até o pároco, ficaram conhecendo a historia e compareceram a esse encontro. Num longo abraço caíram num choro emocionado. Após algumas horas chegaram Oliver e as irmãs, e as emoções continuaram.

Conseguiu reunir em torno de si, os filhos de outra vida, reatando laços que nem o tempo nem a morte, foram capazes de extinguir.

É uma historia de busca e amor de uma mãe pelos seus filhos!

Abelha rainha - Hirtis Lazarin

 

Abelha rainha

Hirtis Lazarin

 

Quem diria que aquela garotinha se transformaria numa jovem tão inconsequente?  Uma garotinha que chegou a esse mundo pra trazer esperança, alegria e vida a um casal que a esperou por quase dez anos?

Uma criança mimada que cresceu não num quarto infantil rodeada de brinquedos, mas num aposento de princesa.

Ana Vitória descobriu bem cedo que tinha superpoderes naquela família. Usou e abusou deles.

Aos quatro anos, quis muito fazer balé,  igualzinho à menina do desenho animado.  Mas não entendia que bailarina não combina com pratos de macarronada acompanhados de brigadeiro.  A sapatilha de ponta sofria cada vez que era obrigada a acomodar aqueles pesinhos gorduchos. Vi muitas e muitas delas descartadas no cesto de lixo, boca aberta pedindo socorro. A desistência só aconteceu depois de uma queda roliça no “PLIE”.

Na adolescência foi a vez do piano.  “Quero um piano.   A Júlia tem piano. Adoro o som do piano. Quero também tocar piano”.   A ladainha  durou alguns meses,  até os pais conseguirem a quantia necessária.  Professores?  Vários.  Impossível tolerar tanto capricho e nenhum talento.

Depois veio a pintura e outras artes...

Eu me angustio quando me lembro daquele corpinho jovem e gracioso carregando uma menina que não sabia ouvir Não;  que esperneia  e dá vexame se contrariada. Pais batendo a cabeça nas paredes e cheios de culpa  quando o erro foi só amar demais.

Ana Vitória não se dava por vencida. A mente criativa e alerta, um farol iluminando o mar bravio, criou um perfil falso nas redes sociais, uma rede de intrigas e fofocas que se tornou a brincadeira mais gostosa de jogar. Misturava verdades e mentiras, um jogo de xadrez onde movimentava as peças ao seu bel prazer. Criar conflitos, brigas, inimizades era muito divertido.

Além de embaralhar a vida dos amigos e colegas, mirava também a vida dos vizinhos. Da janela do seu quarto de frente pra rua e protegida pelas cortinas, ela via, ouvia e arquitetava planos. Bisbilhotar era o verbo que movia suas ações.

Era uma noite chuvosa. Ela abriu parte da janela para o último cigarro. A rua arborizada cobria-se de folhas soltas e levadas pela ventania intensa e passageira. Um carro com faróis desligados apontou na esquina. Deslizava silenciosa e morosamente. Parecia à procura de algo sem chamar a atenção.  Ana Vitória apagou a luz e o cigarro. Escondeu-se atrás da cortina. Não perderia essa oportunidade de ouro, uma boa história de suspense pra espalhar. Do seu jeito, é claro.

O carro parou onde havia sacos de lixo empilhados à espera do coletor que viria só ao amanhecer.  O ouvido  aguçado prestou atenção no “tec tec” da maçaneta que se abria. O motorista olhou pra todos os lados, rua vazia e silenciosa;   abriu a porta e desceu.  Conferiu novamente a solidão,   tirou uma mala grande do banco de trás e escondeu-a  entre os sacos de lixo acumulado.

Ao retornar ao veículo, relâmpagos simultâneos fotografaram, detalhadamente, o rosto do rapaz.  Ana sufoca um grito antes que ele denuncie sua presença ou acorde os pais. Ela conhece o rapaz que, sorrateiramente, entra no carro e desaparece na escuridão. Aquilo não lhe cheirava bem. Ali rolava um mistério.

Ela reacendeu o cigarro não fumado. Mil pensamentos... O primeiro foi sair e abrir a mala. Caminhou até a porta da sala e abriu-a cuidadosamente. Já descia as escadas quando desistiu. Ainda bem que o bom senso   nessa hora venceu a curiosidade. Tentou dormir, mas como?  Pegou o telefone e ligou ao serviço policial e fez denúncia anônima. Sua ansiedade só diminuiu quando dois carros policiais estacionaram em frente ao endereço indicado.

Sem dificuldade, encontraram a mala e arrastaram-na   até o poste de luz mais próximo.  O zíper estava quebrado.  O couro resistente demorou a ceder.   Foi um tempo agonizante até que conseguiram abri-la.  Dentro estava o corpo desmembrado de uma mulher.  Só foi retirado do local quando o sol já ia alto e com autorização da polícia técnica.

Durante as investigações, muitos moradores da rua foram convocados pra depoimento, inclusive Ana Vitoria. Um “conflitaço” atormentava-a. A fama de fofoqueira, de inventar e distorcer fatos e brincar com a vida das pessoas conspirava contra ela. Não contou a ninguém o que viu. Essa decisão custou-lhe noites e dias de tortura. A consciência pesava e a razão gritava: “Não conte nada”.

Numa dessas noites em que não conseguia pregar os olhos, a perturbação era tanta que não sabia mais o que fazer. Acendeu a luz, tomou um calmante e, displicentemente, buscou um livro na estante. Qualquer um serviria.  Um deles veio ao chão aberto numa página qualquer.

A moça nem se deu ao trabalho de ler o índice e começou a ler o texto que se apresentou espontaneamente. E, ali, num canto “ESCONDIDO”,  estava escrito: “ Síndrome de Abelha – tem gente que pensa que é rainha, mas é apenas um inseto”.

Ela leu e releu essa frase milhões de vezes.  Copiou-a num cartaz em letras garrafais e colou-o em seu quarto.

Hoje, é na terapia intensiva que Maria Vitória busca forças pra se libertar do prazer que o vício da fofoca lhe proporciona e da sensação de empoderamento que a faz sentir superior aos outros.

E, quem sabe, esclarecer o assassinato da mala, até então não esclarecido.


O sapo Bempuru, rei da lagoa Cachingó - Henrique Schnaider

 


O sapo Bempuru, rei da lagoa Cachingó

Henrique Schnaider

 

O sapo Bempuru tinha uma vida muito boa, na lagoa Cachingó.

Dormia boa parte do dia de papo pro ar e, quando estava acordado, seu prazer era coaxar: croc, croc, croc.

Se a barriga roncava, saía em busca de alimentos. Gostava dos mais variados bichinhos: aranhas, besouros, gafanhotos, moscas: tudo que encontrava pelo caminho. Após a farta refeição, cochilava bem satisfeito.

À época do namoro, saía todo empolgado à procura da sapinha Beleli. Seu maior prazer era cortejá-la. Emitia sons o mais alto que podia, mergulhava e rodeava-a todo cheio de si.

Beleli envaidecida não resistia aos encantos de Bempuru. Acabaram se casando e, dessa união, nasceram cinco sapinhos.

O casal orgulhoso saía a passear com eles em fila. Um verdadeiro cortejo real.

Mas toda história tem um “mas”.

Certo dia, apareceu na lagoa o lagarto Creck. Muito prepotente e terrível queria, a todo custo, tomar o poder de Bempuru.

A vida calma virou um enorme tumulto.

Bempuru soltava seu grito de guerra, o mais alto que podia. Creck mostrava sua língua comprida   desafiando-o. A guerra foi longe.

Até que, numa tarde bem ensolarada, apareceu uma águia rondando a lagoa.  Estava faminta e voava pra cá, pra lá só analisando qual dos dois iria comer.

A ave de rapina, esperta e inteligente, decidiu:

— O sapo é venenoso. O lagarto é bem mais apetitoso!

E, num voo rasante e mortal, abocanhou Creck. Voou pra bem longe e, sossegada em seu ninho, saboreou-o tranquilamente.

A paz voltou à lagoa Cachingó e o sapo Bempuru assumiu seu lugar de rei.

 

 

 

O lagarto Max - Alberto Landi

 


O lagarto Max

Alberto Landi

 

Havia um lago muito grande com água turva, causada pelas algas que brotavam ao fundo e ao seu redor; e uma ponte bem construída para atravessá-lo com segurança.

Margeando-o havia casas com jardins floridos, onde as crianças brincavam à vontade em contato com o verde.

O lago, ponto turístico, estava repleto de sapos e peixinhos. Todos viviam em perfeita harmonia. Divertiam-se em competições, saltando bem alto e apostando rapidez na travessia do lago.

Até que um dia, apareceu por lá um pequeno lagarto, o Max. E tudo mudou.

Max não era nada amistoso e não queria fazer amizade. Mantinha-se sempre afastado e de cara feia.

De um momento para outro, começou a atacar e a comer os animaizinhos que, até então, viviam em paz. O terror alterou o comportamento de todos eles.

Os sapos decidiram procurar outro lugar para morar. Era impossível viver fugindo e se escondendo.

De tanto procurar, encontraram um buraco no fundo do lago que os levaria a um lugar mais profundo, onde outros bichinhos já viviam.

 O sapo Hull, no comando, mantinha a turma organizada e, aos poucos, todos foram saindo por esse tubo.

O lago ficou vazio e Max, solitário e sem alimento.

Porém os fugitivos não se adaptaram à nova moradia: profundidade, algas de sabor diferente, amigos maiores que não gostavam de muita conversa, muitos anzóis a procura de caça.

Numa reunião prolongada, decidiram voltar e fazer uma proposta ao Max.

— Se você nos deixar em paz, todas as manhãs, traremos uma torta de maçã para você.

O lagarto pensou... pensou... e decidiu:

— Oh! Acordo fechado!

E, assim, todas as manhãs, Max degustava uma deliciosa torta.

Mas os sapos e peixinhos continuavam não satisfeitos com a situação e armaram um novo plano para se livrar daquele animal para sempre.

Como fazê-lo?

As ideias foram surgindo e a melhor delas foi posta em prática. Cobriram-se de algas e, juntos, transformaram-se num monstro. Assim que o lagarto aparecesse, levaria um grande susto.

Max se aproximou todo feliz para receber a torta do dia, mas quando entrou no lago, foi surpreendido com a presença daquele bicho de outro mundo.

Correu o mais rápido que pode e fugiu no mato.

Os sapos e peixinhos aprenderam que “a união faz a força”.

E o Max?

Desapareceu para sempre.

 

 

 

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

A Sombra - Adelaide Dittmers

 




A Sombra

Adelaide Dittmers

 

A menina aproximou-se do terraço da casa grande da fazenda.  A noite escura cobria a extensa plantação.  As massas negras, em que as árvores do pomar se tornaram balançavam impulsionadas por um vento, que gemia.

Um arrepio sacudiu seu corpinho de onze anos.  Aquela escuridão a encheu de medo. De repente, notou uma sombra, que se movia em direção do cafezal. Nas mãos, havia algo comprido.  Uma arma, um pedaço de pau.  Não dava para enxergar.  Sorrateira como um felino, que vai atacar, desapareceu entre os pés de café.

Em desabalada corrida, a menina entrou, chamando pelo pai.  O coração quase lhe saia pela boca.  Quem era aquela sombra, para onde iria na noite tenebrosa, que anunciava uma tempestade.  A imaginação da criança criou várias histórias terríveis em apenas poucos segundos.

O pai veio ao seu encontro e a acolheu nos braços, enquanto ela, quase sem fôlego, contou-lhe o que vira.  Com paciência, ele a acalmou, dizendo que na escuridão se podem ver muitas coisas irreais.  A menina, no entanto, insistiu que tinha visto uma sombra, que parecia de um homem, que entrara na plantação.

— Tudo bem, filha! Vou ver quem é essa tal sombra.

E estendendo o braço, pegou uma arma pendurada na parede da sala.

— Mas o senhor vai sair nesse escuro?

— Não tenho medo de escuro, filha.

A mãe, que entrou na sala, nesse momento, quis saber aonde ele ia, numa noite negra e o prenúncio de um temporal. Ele explicou-lhe rapidamente o que a garota tinha visto e saiu.

— Tome cuidado! Disse assustada.

O fazendeiro passou pelo pomar e entrou na plantação.  Devagar, seguiu pelo caminho, onde a sombra fora vista entrar. As botas pisavam mansamente na terra para abafar os passos.  Esgueirava-se às vezes pelo meio dos pés de café, com ouvidos atentos a qualquer barulho ou movimento estranho.

O silêncio era quebrado pelo uivar do forte vento e pelo arengar dos sapos. 

Subitamente ouviu um som de passos.  Vagarosos, pareciam seguir em direção do rio, que corria nos limites da plantação.  Ficou imóvel por um momento.  Com muito cuidado para não fazer qualquer ruído, que denunciasse sua presença, foi seguindo o homem à sua frente, deixando metros de distância entre eles.

Um raio iluminou o céu, o que o fez se esconder atrás de um pé de café.  Logo a seguir um potente trovão sacudiu o negro da noite e uma chuva forte despencou, rosnando como um animal enfurecido.

A visibilidade ficou quase nula, mas o fazendeiro não desistiu de sua caçada, continuando a perseguir aquela sombra, que agora caminhava mais depressa.  O barulho da chuvarada permitiu que ele seguisse o homem bem de perto.

Era um homem alto e forte e realmente carregava algo nas mãos.

O fazendeiro, tentando cuidadosamente dar cada passo, sem ser ouvido, chegou até ele.  O homem percebeu e ia se virar, quando sentiu o cano de uma arma em suas costas.

— Levante as mãos, senão atiro e vire-se devagar.

O homem obedeceu e ficaram frente a frente.  Nesse momento, outro raio acendeu a noite e qual não foi a surpresa do fazendeiro ao se deparar com o seu capataz.

— Homem, o que está acontecendo? O que você está fazendo aqui?

— Ah patrão! O senhor nem vai acreditar.  Cheguei em casa e minha mulher disse que minha filha saiu pela noite com um moço, que num gosto, não.  Ele num é boa coisa. A menina anda muito diferente e respondona nos últimos tempos. Eles vieram para esses lados, acho que foram para a cabana de pesca. Vou pegá ele.

— Você está louco! Estragar sua vida por causa de um namorico.  Há outros meios de tratar disso. 

— Não ia matá, não.  Só assustá!

— A gente nunca sabe o que pode acontecer numa situação dessa.  O sangue ferve...

— Volte para casa!

— Num volto não! Vou procurar os dois.

— Então vou com você.  Não quero desgraças.

A chuva escorria pelos chapéus dos dois homens e dificultava ainda mais a visão do lugar. O clarão dos raios deixava entrever o rosto cheio de ódio do capataz.  Chegaram ao rio e seguiram pela beira enlameada até a pequena cabana.

Com um movimento brusco, empurraram a frágil portinhola.  Um grito aterrorizante ressoou. O casal estava lá.  O rapaz pegou com rapidez um farolete e dirigiu o foco de luz para a porta, o que ofuscou a vista dos homens. A jovem encolheu-se e encostou-se à parede, os olhos esbugalhados de pavor.

— Me dá isso, moço, senão atiro!  Gritou o fazendeiro. 

O rapaz assustado lançou a lanterna para o homem.  

— Sua desavergonhada!  Vamos pra casa! Vociferou com raiva, o capataz.

 O fazendeiro encarou o jovem.  Conhecia-o.  Era um mau-caráter, que se metera em várias confusões, briguento e muitas vezes suspeito de roubos.

— E você, moço... Vem conosco!

— O que vão fazê?  Vão-me matá? Perguntou desesperado.

— Ninguém vai sujar as mãos com seu sangue!  Respondeu o fazendeiro com rispidez.

Com brutalidade, o pai puxou o braço da filha, que chorava convulsivamente.  O patrão, empunhando a arma, levou o rapaz, que tremia de medo, despojado de toda a sua falsa valentia.

Encharcados, chegaram à casa da fazenda.  O patrão dirigiu-se ao empregado, pedindo-lhe para ter uma conversa séria com a filha, sem agredi-la.

No terraço, mãe e filha esperavam ansiosas.  O fazendeiro as tranquilizou.

— Vou levar este homem para a delegacia.  Me dê a chave do carro.

A mulher obedeceu e lhe trouxe a chave.

— Não posso ir preso. Não fiz nada. Namorar não é crime.  Resmungava o jovem.

— Aqui é, quando se engana uma moça e a desonra e é o que você tem feito por aí, infelicitando várias famílias.  Sei tudo sobre você. Vai pagar por isso.

E os dois seguiram para a polícia.  Com seu poder na pequena cidade, o fazendeiro sabia que o rapaz iria ser punido e ele tinha evitado que uma desgraça desabasse sobre um homem de bom caráter e uma jovem, que ele vira crescer.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Documentário sobre Graciliano Ramos

ÚNICAS IMAGENS CONHECIDAS - EM VIDEO - DE GRACILIANO RAMOS

Vidas Secas - Animação

Filme Vidas Secas -1963


Uma reprodução filmográfica nem sempre representa a literatura. Mas é possível termos ideia da grandeza da seca.

Uma contribuição do nosso amigo Claudionor Dias da Costa

Vidas Secas - Graciliano Ramos - Audiobook



Uma contribuição do nosso amigo Claudionor Dias da Costa

CROCK O JACARÉ FAMOSO - Henrique Schnaider

 


CROCK O JACARÉ FAMOSO

Henrique Schnaider

 

Crock era um jacaré bonzinho, sempre sorridente, morava num zoológico lá no mundo da fantasia. Desde que nasceu era diferente dos outros jacarés. Tinha muita amizade com a garotada que vinha todos os domingos aproveitar o parque e não deixava de fazer uma visita a ele. As crianças traziam sorvete que era o doce mais saboroso e mais apreciado por ele, adorava os sabores coco limão e morango.

Ele nasceu diferente dos seus irmãos que eram muito ferozes. Seus dentes não eram ameaçadores, em vez de patas tinha dois bracinhos e mãos e daí podia segurar os sorvetes de três bolas e se lambuzar todo, se deliciar com o que ganhava principalmente os sorvetes.

Ele não via a hora de chegar os finais de semana já que recebia inúmeras visitas das crianças que vinham cheias de docinhos pipocas bexigas e imitação de bichos todos coloridos de rosa amarelo e verde um verdadeiro arco íris, amarradas em cordão. A alegria era grande e o ambiente era dominado por uma pela felicidade e tristeza não tinha vez por lá.

Wilson um rapaz de trinta anos era seu melhor amigo. Mas havia uma menininha de nome Letícia que era a cara da miséria, pobrezinha que vinha ao Zoo na companhia da mãe e sempre dava uma passada no local onde ficava o Crock e uma boa amizade aconteceu.

Crock descobriu que podia falar já que era todo diferente e tinha todos estes dons que não havia ainda usado. Viu que podia escrever também. Com todas estas qualidades e com muito dó da pobre menina e sua mãe, pensou em uma forma de ajudar.

Arrumou uma folha de papel e caneta tipo pincel que as crianças lhe deram e resolveu escrever um cartaz com letras bem grandes e perfeitas que diziam o seguinte:

— Para vocês meus amigos que vem todos os domingos me trazer sorvetes, estou escrevendo este cartaz pois queria pedir para que ajudassem uma amiguinha minha, a Leticia. Ela e sua mãe são muito pobres. Portanto vocês que estão bem de vida façam alguma coisa por elas.

Naquele mesmo domingo veio ao local visitar o Crock um senhor de nome Roberto muito rico. Acompanhado de sua esposa e da filha e quando leu o cartaz, emocionado perguntou ao jacaré:

—Oi Crock foi você que escreveu este cartaz? Puxa que interessante você além de falar, escreve muito bem, mas quem são estas pobres pessoas? Gostaria de conhecê-las e quem sabe poder ajudá-las.

Crock todo contente respondeu:

—Que bom Sr. Roberto elas foram ali comer alguma coisa e já voltam, por favor aguarde um pouco.

— Sim Crock claro que aguardarei.

Dali a alguns minutos chegaram Leticia e a mãe. O jacaré fez as devidas apresentações.

Roberto ficou encantado com a educação das duas e fez o convite para fossem com ele para a sua casa grande morar lá. Ele iria aproveitar a mãe nos serviços da casa e iria pagar todos os estudos de Leticia.

A partir daí todos os domingos eles vinham ver o Crock. Leticia e a mãe, Roberto a esposa e filha.  Nos estudos Leticia foi excelente aluna e com passar dos anos se formou em Veterinária e nessas voltas que a vida dá, acabou se tornando a Diretora Geral do Zoo.

Era importante para ela uma visita diária ao Crock, já velhinho e sempre dizia:

— Crock serei eternamente grata pelo que você fez por mim e minha mãe, algo que mudou a minha vida e você será sempre um verdadeiro pai que eu não tive. Lágrimas rolaram dos olhos do jacaré.

O MACACO SIMÃO E SEU BANDO - Henrique Schnaider

 



O MACACO SIMÃO E SEU BANDO

Henrique Schnaider

 

O macaco Simão era o “maldoso” do bando, mas também muito “matreiro”. Sempre era o primeiro a pegar as comidas que o bando “faminto” achava para comer.

Ele tinha a liderança do barulhento bando de macacos e não admitia que ninguém o desafiasse. Assim de vez quando, algum macho jovem empolgado, resolvia desafiar o líder Simão, o circo pegava fogo, mas na luta para manter a liderança ele era “preciso” nos seus golpes e punha para correr o desafiante.

Havia momentos que ele era “injusto”, e que nem sequer tinha pena dos filhotes do bando, alguns dos quais eram seus filhos. Os pobres que ficavam aguardando os pais para poderem ser alimentados.

Quando eram atacados pelos bandos inimigos, sabia defender o bando como um verdadeiro líder tem que ser. Desta forma era cada vez mais acatado e admirado. As fêmeas da turma se encantavam com ele e ficavam sedentas apenas de um olhar de interesse por uma delas.

Ele sabia escolher muito bem as preferidas. As macacas mais bonitas e aquelas que procriavam bem para lhe dar muitos filhotes. Mas tinha uma macaca jovem ainda, a Pimba que era a sua preferida e Simão se desmanchava todo por ela, lhe dando presentes de frutas madurinhas deliciosas.

Quando o bando era rodeado e atacado por grandes felinos como leões, leopardos ou panteras, o líder Simão tratava de atrair as feras para proteger o resto do bando. “Preciso” e “matreiro”, sabia como enganar os atacantes que acabavam se cansando e desistindo da caça pelas estratégias de fuga do Lider.

Assim os anos foram passando e Simão continuava liderando e protegendo o seu bando, mas o tempo não perdoa nenhum ser vivo e o velho macaco, começou a dar sinais velhice e de fraqueza.

Um dos seus filhos King, já adulto se tornou um vigoroso macaco que era temido por todos. Simão percebeu que seu filho qualquer dia, iria desafiá-lo e tomar o poder dele e assumir a liderança do bando.

O macaco Simão demonstrou que tinha sabedoria e maturidade e antes que seu filho lhe tirasse o poder através de um combate, o chamou e deu o cetro do poder ao filho e resolveu se aposentar daquela vida agitada e foi viver bem no alto de uma gigantesca árvore ao lado da sua amada Pimba.

O MENDIGO OSÉIAS E O SEU DESTINO - Alberto Landi

 


O MENDIGO OSÉIAS E O SEU DESTINO

Alberto Landi

 

Todos os mendigos são solitários, pois a própria pobreza os faz desconfiar inclusive de outros mendigos à sua volta.

 

Quando um tinha um cobertor melhor ou um apetitoso prato de comida, o outro mendigo já o olhava com inveja e raiva fazendo todo o possível para inverter a situação, até roubar do companheiro aquilo que lhe faltava. 

 

Oséias, um mendigo sofrido e bom, morando num canto sujo e úmido de um bairro fino, nunca levantou os olhos a quem quer que passasse ao seu lado mesmo porque ele era invisível aos olhos de quem não queria ver a decadência de um homem ainda jovem e aparentemente saudável naquele canto sujo e fétido. Todo mundo o evitava, passavam longe...ninguém queria estar próximo a um indivíduo naquela situação.

 

Era um dia lindo e ensolarado para todos, menos para Oséias. Os dias eram sempre iguais, cansativos, tristes, monótonos, pois não tinha TV para se distrair, não tinha um sofá para descansar suas pernas magras ossudas e nem mesmo uma cama para repousar seu corpo cansado!

 

A única vantagem de Oséias era que a noite ele tinha uma visão surreal do céu, que as estrelas pareciam saudá-lo. Ele conversava com elas, lhe dava nomes... Havia a Tiquinha que parecia estar sempre sorrindo pra ele, a Destreza que era muito séria, mas a mais brilhante. A lzinda que ficava o tempo todo apagando e acendendo. Parecia brincar de esconde-esconde com ele. Elas eram suas únicas amigas.

 

Só depois que clareava o dia é que Oséias pegava no sono, já com os ossos tão cansados e doloridos de dormir no cimento duro, e só acordava quando o sol já estava alto no céu. Um dia, Oséias estava muito triste, pois se sentia muito só e abandonado, e resolveu andar...andar...  Até não aguentar mais, até suas pernas dobrarem pelo cansaço e ele partir desta vida. Estava resolvido. Quem iria se importar com ele, um sujeito sujo e fedido? 

 

Caminhando por aquele bairro de gente fina quando inesperadamente a sua frente surge uma criança. Um menino magro alto, de cabelos encaracolados, olhos muito claros me encarou e disse:

— Tio, olha o brinquedo que eu ganhei. E ficou ao meu lado, sem nojo, sem a repugnância que causava nos adultos, me mostrava tudo do novo brinquedo, como funcionava, com bastante euforia como se amiguinho dele ele fosse. Com voz embargada e comovida Oseias perguntou: 

— Qual é seu nome? 

— Gabriel. Na sua inocência nem imaginava que mostrou a Oséias o caminho a seguir.

 

Há anos Oseias havia deixado a mulher e seu filho numa cidade muito longe dali e na época ele achava que era um irresponsável e inútil pois estava desempregado. Envergonhado decidiu sair pelo mundo e nunca mais teve notícias da família. Resolveu voltar para casa. O seu lar o seu lugar de onde nunca devia ter saído.

 

Ao chegar, de longe com os olhos embargados viu seu filho jogando bola e a mulher no portão que parecia estar à espera. Ao verem Oseias, eles correram e o abraçaram com o coração cheio de alegria. O mendigo sentiu-se tão acolhido e amado que não parava de chorar.

 

Agradeceu aos prantos na mente, aquele garoto que surgiu no seu caminho como por encanto lhe mostrando sem perceber que tinha que voltar a vida da família. Tinha que lutar e nunca, nunca desistir dos seus entes queridos.

O medo de Rebeca - Adelaide Dittmers

 



O medo de Rebeca

Adelaide Dittmers

 

A tartaruguinha Rebeca estava na relva escondida em sua grossa carapaça. Só se podiam enxergar os olhinhos brilhantes.

Dona Orelhas Compridas, uma simpática coelhinha saltava por ali, quando a viu toda encolhida.

— Rebeca, está um lindo dia! Por que não sai daí para dar um passeio.

— Não quero! Tenho medo!

— Do que tem tanto medo?  Quase sempre que a encontro, você está dentro dessa sua proteção.

A pobre tartaruga começou a chorar.

— Você não sabe como sou perseguida.  Todos adoram fazer brincadeiras maldosas comigo.

— Que tipo de brincadeiras?

— Um dia um passarinho bicou minha cabeça.   Outro dia, um macaco jogou uma casca de banana em cima de mim.  Como sou vagarosa e não consigo me defender, os bichos adoram fazer essas brincadeiras e depois saem rindo muito, quando me escondo em meu casco.

Orelhinhas Compridas ficou com muita pena de Rebeca.  Não era justo se divertirem à custa dela.  Resolveu ajudá-la. 

— Fique tranquila.  Vou acabar com isso.  E saiu saltitando.

Chegando à sua toca, fez um grande cartaz, convidando todos os animais para uma grande festa no dia seguinte.  Para Rebeca, ela entregou o convite pessoalmente, dizendo que ela não poderia faltar.

No meio da floresta, uma grande mesa feita de bonitas folhas estava repleta das mais variadas e apetitosas frutas.  Ao seu redor, havia uma banda, que tocava as músicas preferidas da bicharada.  Um portal, feito de galhos e flores indicava a entrada para a festa.

Rebeca chegou e passou devagar pelo portal e foi de encontro da coelhinha, que a levou para um lugar de destaque, onde poderia apreciar tudo à sua volta.

Os bichos foram chegando, mas ficaram surpresos por que antes de entrar tinham que passar por um teste.  Na entrada, havia pesadas caixas de vários tamanhos, feitas de pequenos troncos de árvores, que eram postas em suas costas para serem carregadas até o centro da festa.

As reclamações foram muitas, mas a vontade de se divertir fez com que eles aceitassem o desafio.  Com dificuldade arrastaram-se até o lugar da comemoração.  Chegaram cansados e incomodados pelo esforço.

Orelhas Compridas então subiu em um pequeno monte e disse:

— Foi difícil, não foi? Andar com essas caixas atrapalhando seus movimentos.

Todos concordaram e um deles perguntou?

— Por que você fez isso?

— Para mostrar a vocês que não se deve brincar com a dificuldade do outro.  Cada um é de um jeito.  Precisamos respeitar as diferenças.  E apontou para Rebeca, que se refugiara no seu grosso casco.

— Vem para fora, Rebeca!

A tartaruga foi colocando as perninhas e a cabeça para fora.  Os olhinhos cheios de medo.

Os animais olharam uns para os outros muito envergonhados e prometeram nunca mais mexer com ela e lhe pediram desculpas.

 A tartaruguinha sorriu feliz.  Estava sendo aceita e iria ser respeitada.  Finalmente, iria fazer muitos amigos.

— Vamos começar a festa, gritou a coelhinha! E a alegria durou a noite inteira.

 

 

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