A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

AINDA HÁ TEMPO PARA AMAR - CONTO COLETIVO 2011

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

BIBLIOTECA - LIVROS EM PDF

quarta-feira, 22 de junho de 2022

A PRESTAÇÃO DE CONTAS DE GRACILIANO RAMOS

 



A PRESTAÇÃO DE CONTAS DE GRACILIANO RAMOS


Graciliano Ramos, considerado um dos maiores escritores brasileiros, tinha 35 anos quando em abril de 1928, assumiu como mandatário de Palmeira dos Índios(AL), renunciando-o em abril de 1930. Acabou preso, em 1936, no governo Getúlio Vargas, por participar de movimentos de esquerda. Vítima de câncer, faleceu aos 60 anos de idade, em 20 de março de 1953. Ao renunciar ao seu mandato, deixou como obra prima a sua prestação de contas, que é um modelo a ser seguido até hoje. Nesse momento crucial para o nosso país, quando os novos governantes se preparam para assumir seus mandatos, transcrever os trechos mais importantes do relatório, revela-se bastante oportuno. Por ser bastante extenso, foram destacados os principais pontos por ele abordados, que serão publicados em duas edições.
“Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios – Relatório – Ao Governo do Estado de Alagoas –
Exmo. Sr. Governador:
Trago a V.Ex.ª um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim, minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Município se achava, muito me custaram.

COMEÇOS:
O principal, o que sem demora iniciei e o que dependiam de todos os outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na Administração.
Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejavam administrar. Cada pedaço do Município tinha um administrador particular, com Prefeitos Coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam.
Para que semelhante anomalia desaparecesse lutei com tenacidade e encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela – dentro, uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis. Pensava uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, que administrava melhor do que todos nós; outros me davam três meses para levar um tiro.
Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restaram poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem com suas obrigações e, sobretudo, não se enganam nas contas. Devo muito a eles.
Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior.

RECEITA E DESPESA:
A receita, orçada em 50:000$000, subiu, apesar de o ano ter sido péssimo, a 71:649$290, que não foram sempre bem aplicados por dois motivos: porque não me gabo de empregar dinheiro com inteligência e porque fiz despesas que não faria se elas não estivessem determinadas no orçamento.
(…)

ILUMINAÇÃO:
A iluminação da cidade custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é minha; é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz.
(…)

CEMITÉRIO:
No cemitério enterrei 189$000 – pagamento ao coveiro e conservação.

ADMINISTRAÇÃO:
A administração municipal absorveu 11:457$497 – vencimentos do Prefeito, de dois secretários (um efetivo, outro aposentado), de dois fiscais, de um servente; impressão de recibos, publicações, assinatura de jornais, livros, objetos necessários à secretaria, telegramas.
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos, forçados pelos inspetores, que a prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha – um telegrama; porque se deitou uma pedra na rua – um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela – um telegrama. Dispêndio inútil. Toda a gente sabe que isto por aqui vai bem, que o deputado morreu, que nós choramos e que em 1.559 D. Pedro Sardinha foi comido pelos caetés.

ARRECADAÇÃO:
As despesas com a cobrança dos impostos montaram a 5:602$244. Foram altas porque os devedores são cabeçudos. Eu disse ao Conselho, em relatório, que aqui os contribuintes pagam ao Município se querem, quando querem e como querem. Chamei um advogado e tenho seis agentes encarregados da arrecadação, muito penosa. (…)

LIMPEZA PÚBLICA:
Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas; retirei da cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram. (…)
Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no cisco preciosamente guardado em fundos de quintais; lamúrias, reclamações e ameaças porque mandei matar algumas centenas de cães vagabundos; lamúrias, reclamações, ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que criavam bichos nas praças.” 

TERRAPLENO DA LAGOA:
O espaço que separa a cidade do bairro da Lagoa era uma coelheira imensa, um vasto acampamento de tatus, qualquer coisa deste gênero.
(…)
Durante meses mataram-me o bicho de ouvido com reclamações de toda ordem contra o abandono em que deixava a melhor estrada para a cidade. Chegaram lá pedreiros – outras reclamações surgiram, porque as obras irão custar um horror de contos de réis, dizem.
Custarão alguns, provavelmente. Não tanto quanto as pirâmides do Egito, contudo. O que a Prefeitura arrecada basta para que nos não resignemos às modestas tarefas de varrer as ruas e matar cachorros.
Até agora as despesas com os serviços da lagoa sobem a 14:418$627.
Convenho em que o dinheiro do povo poderia ser mais útil se estive nas mãos, ou nos bolsos, de outro menos incompetente do que eu; em todo caso, transformando-o em pedra, cal, cimento, etc., sempre procedo melhor que se distribuir com os meus parentes, que necessitam, coitados.

DINHEIRO EXISTENTE:
Deduzindo-se da receita a despesa e acrescentando-se 105$865 que a administração passada me deixou, verifica-se um saldo de 11:044$947.
40$897 estão em caixa e 11:044$050 depositados no Banco Popular e Agrícola de Palmeira. O Conselho autorizou-me a fazer o depósito.
Devo dizer que não pertenço ao banco nem tenho lá interesse de nenhuma espécie.
A prefeitura ganhou: livrou-se de um tesoureiro, que apenas servia para assinar as folhas e embolsar o ordenado, pois no interior os tesoureiros não fazem outra coisa, e teve 615$050 de juros. (…)

LEIS MUNICIPAIS:
Em janeiro do ano passado não achei no Município nada que se parecesse com lei, fora as que haviam na tradição oral, anacrônicas, do tempo das candeias de azeite.
Constava a existência de um código municipal, coisa inatingível e obscura. Procurei, rebusquei, esquadrinhei, estive quase a recorrer ao espiritismo, convenci-me de que o código era uma espécie de lobisomem.
Afinal, em fevereiro, o secretário descobriu-o entre papéis do Império (…). Encontrei no folheto algumas leis, aliás, muito bem redigidas, e muito sebo. Com elas e com outras que nos dá a Divina Providência consegui aguentar-me, até que o Conselho, em agosto, votou o código atual.

MULTAS:
Arrecadei mais de dois contos de réis de multas. Isto prova que as coisas não vão bem.
E não se esmerilharam contravenções. Pequeninas irregularidades passam despercebidas. As infrações que produziram soma considerável para um orçamento exíguo referem-se a prejuízos individuais e foram denunciadas pelas pessoas ofendidas, de ordinário gente miúda, habituada a sofrer a opressão dos que vão trepando.
Esforcei-me por não cometer injustiças. Isto não obstante, atiraram as multas contra mim como arma política. Com inabilidade infantil, de resto. Se eu deixasse em paz o proprietário que abre as cercas de um desgraçado agricultor e lhe transforma em pasto a lavoura, devia enforcar-me.
Sei bem que antigamente os agentes municipais eram zarolhos. Quando um infeliz se cansava de mendigar o que lhe pertencia, tomava uma resolução heroica; encomendava-se a Deus e ia à capital. E os Prefeitos achavam razoável que os contraventores fossem punidos pelo Sr. Secretário do Interior, por intermédio da polícia.

CONCLUSÃO:
Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.
Evitei emaranhar-me em teias de aranha.
Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem os impostos.
Não me entendi com esses.
Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem com assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras do caminhos.
Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade.
Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
Graciliano Ramos”.
A crise financeira de 1.929 que abalou inclusive os negócios da família, aliada à pressão politica dos que não se conformavam com a honestidade e transparência adotada na Prefeitura, levou-o a renunciar ao cargo na metade do seu mandato. Antes de fazê-lo, pontuou: “Para os cargos de administração municipal escolhem de preferência os imbecis e os gatunos. Eu, que não sou gatuno, que tenho na cabeça uns parafusos de menos, mas não sou imbecil, não dou para o ofício e qualquer dia renuncio.”
Como sugeriu um dia Arnaldo Branco em pontual comentário, – “Se existisse vestibular pra Político, obrigaria os caras a decorar o relatório que o Graciliano Ramos fez como prefeito”.

ORIGEM: www.buchadvocacia.com.br



GRACILIANO RAMOS - OS RELATÓRIOS DO PREFEITO DE PALMEIRA DOS INDIOS

 

GRACILIANO RAMOS (O PREFEITO) E SEUS RELATÓRIOS DE GESTÃO


Em 7 de outubro de 1927, uma pequena cidade do interior de Alagoas, Palmeira dos Índios, elegeu o seu prefeito. Este, toma posse em 7 de Janeiro de 1928 permanecendo no cargo até 10 de Abril de 1930, quando renuncia ao mandato de prefeito. Posteriormente, este ex-Prefeito seria o autor de um dos maiores clássicos da literatura brasileira: Vidas Secas.

Os relatórios de Graciliano Ramos enviados ao governador de Alagoas (19291930),  já na época, chamaram a atenção da mídia (LIMA, p. 83), não somente pela qualidade literária (pois o Prefeito não se utilizou da formalidade que tais documentos normalmente carregam, e sim, de uma construção linguística própria dos grandes escritores), mas pela sua excelência na administração da cidade.

 

 

COMEÇOS
[…]
Havia em Palmeira innumeros prefeitos: os cobradores de impostos, o commandante do destacamento, os soldados, outros que desejassem administrar. Cada pedaço do Municipio tinha a sua administração particular, com prefeitos coroneis e prefeitos inspectores de quarteirões. Os fiscaes, esses, resolviam questões de policia e advogavam.

Para que semelhante anomalia desapparecesse luctei com tenacidade e encontrei obstaculos dentro da Prefeitura e fóra della — dentro, uma resistencia molle, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, obliqua, carregada de bilis. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, que administra melhor do que todos nós; outros me davam tres mezes para levar um tiro.
Dos funccionarios que encontrei em Janeiro do anno passado restam poucos: sahiram os que faziam politica e os que não faziam coisa nenhuma. Os actuaes não se mettem onde não são necessarios, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas. Dêvo muito a elles.

Não sei se a administração do Municipio é boa ou ruim. Talvez pudesse ser peor (ALAGOAS, 1929).


 Exerceu a administração com excelência. Com poucos recursos em caixa, elaborou projetos, realizou obras na cidade, construiu escolas, abriu estradas, saneou comunidades, soube lidar com a vontade dos soberanos da terra e vetou apadrinhamentos políticos. Foi talvez o único gestor de toda a história da cidade a deixar dinheiro nos cofres ao sair do cargo, cortando gastos e equilibrando as receitas e contas públicas (LOPES, 2016; FREITAS, 2015).

 

COMEÇOS
[…]
Dos funccionarios que encontrei em Janeiro do anno passado restam poucos: sahiram os que faziam politica e os que não faziam coisa nenhuma. Os actuaes não se mettem onde não são necessarios, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas. Dêvo muito a elles (ALAGOAS, 1929).

 

LEIS MUNICIPAES
Em Janeiro do anno passado não achei no Municipio nada que se parecesse com lei, fora as que havia na tradição oral, anachronicas, do tempo das candeias de azeite.

Constava a existencia de um codigo municipal, coisa inattingivel e obscura. Procurei, rebusquei, esquadrinhei, estive quasi a recorrer ao espiritismo, convenci-me de que o codigo era uma especie de lobishomem.

Afinal, em Fevereiro, o secretario descobriu-o entre papeis do Imperio. Era um delgado volume impresso em 1865, encardido e dilacerado, de folhas soltas, com apparencia de primeiro livro de leitura do Abilio Borges. Um furo. Encontrei no folheto algumas leis, aliás bem redigidas, e muito sêbo.

Com ellas e com outras que nos dá a Divina Providencia consegui aguentar-me, até que o Conselho, em Agosto, votou o codigo actual (ALAGOAS, 1929).

 

MULTAS
[…]
E não se esmerilharam contravenções. Pequeninas irregularidades passam despercebidas. As infracções que produziram somma consideravel para um orçamento exiguo referem-se a prejuizos individuaes e foram denunciadas pelas pessoas offendidas, de ordinario gente miuda, habituada a soffrer a oppressão dos que vão trepando.

Esforcei-me por não commetter injustiças. Isto não obstante, atiraram as multas contra mim como arma politica. Com inhabilidade infantil, de resto. Se eu deixasse em paz o proprietario que abre as cercas de um desgraçado agricultor e lhe transforma em pastio a lavoura, devia enforcar-me (ALAGOAS, 1930).

 

ILLUMINAÇÃO

A illuminação da cidade custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é minha: é de quem fez o contracto com a empresa fornecedora de luz (ALAGOAS, 1929).

— 7:800$000 A Prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contracto para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negocio referente a claridade, julgo que assignaram aquillo ás escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá (ALAGOAS, 1930).

 

CONCLUSÃO

Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só ha curvas onde as rectas foram inteiramente impossiveis.

Evitei emmaranhar-me em teias de aranha.

Certos individuos, não sei porque, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam com autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos.

Não me entendi com esses.

Ha quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anonymas, e adoeça, e se morda por não ver a infallivel maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que della se servem como assumpto invariavel; ha quem não comprehenda que um acto administrativo seja isento da idéa de lucro pessoal; ha até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.

Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325:500 de multas.

Não favoreci ninguem. Devo ter commetido numerosos disparates. Todos os meus erros, porem, foram erros da intelligencia, que é fraca.

Perdi varios amigos, ou individuos que possam ter semelhante nome.

Não me fizeram falta.

Ha descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois annos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade (ALAGOAS, 1929).

 

POBRE POVO SOFFREDOR
É uma interessante classe de contribuintes, modica em numero, mas bastante forte. Pertencem a ella negociantes, proprietarios, industriaes, agiotas que esfolam o proximo com juros de judeu.

Bem comido, bem bebido, o pobre povo soffredor quer escolas, quer luz, quer estradas, quer hygiene. É exigente e resmungão.

Como ninguem ignora que se não obtêm de graça as coisas exigidas, cada um dos membros desta respeitavel classe acha que os impostos devem ser pagos pelos outros (ALAGOAS, 1930).

 

PROJECTOS

[…]
Empedrarei, se puder, algumas ruas.

Tenho tambem a idéa de iniciar a construcção de açudes na zona sertaneja.

Mas para que semear promessas que não sei se darão fructos? Relatarei com pormenores os planos a que me referi quando elles estiverem executados, se isto acontecer.

Ficarei, porém, satisfeito se levar ao fim as obras que encetei. É uma pretenção moderada, realizavel. Se se não realizar, o prejuizo não será grande.

O Municipio, que esperou dois annos, espera mais um. Mette na Prefeitura um sujeito habil e vinga-se dizendo de mim cobras e lagartos.

Paz e prosperidades (ALAGOAS, 1930).

 


Relatórios ao Governador do Estado de Alagoas (1929, 1930)


Sua renúncia partiu das pressões políticas contra o seu trabalho na prefeitura e das dificuldades financeiras privadas decorrentes e agravadas pela crise de 1929, que afetou os negócios da família. Embora ganhasse subsídios simbólicos como Prefeito, não se locupletava com a corrupção. Empobrecera em dois anos de mandato (LOPES, 2016).

Em Maio de 1930 muda-se para Maceió e é nomeado, pelo Governador, diretor da Imprensa Oficial de Alagoas. Em 1933, é nomeado diretor da Instrução Pública de Alagoas, cargo equivalente a Secretário Estadual da Educação e contratado como redator do Jornal de Alagoas. Publica o romance Caetés, seu primeiro livro, pela Editora Schmidt – RJ, neste mesmo ano.

 ORIGEM: https://blog.bbm.usp.br/2016/gracilianoramosrelatorios_2016/


Audiolivro | Histórias de Alexandre - GRACILIANO RAMOS

✅ O ESTRANGEIRO - Albert Camus - AUDIOLIVRO COMPLETO

Viagem ao Centro da Terra - JULIO VERNE (AudioLivro Completo)

O pequeno príncipe - AUDIOLIVRO

Anne Frank O Diário de Anne Frank AUDIOLIVRO


quarta-feira, 15 de junho de 2022

ZÉ DO GADO - Helio Fernando Salema



ZÉ DO GADO

Helio Fernando Salema

 

Hoje com mais de quarenta anos, morando sozinho numa pequena propriedade rural onde nasceu e cresceu. Quando ainda era criança, por volta dos 6 anos, sua mãe faleceu. O pai cuidou dos três meninos. Os dois mais velhos, assim que ficam adolescentes, decidiram morar na cidade, para estudar, trabalhar e por lá permaneceram.

Na companhia do pai até os dezenove anos, aprendeu tudo o que o pai sabia, fazia e fez questão de transmitir ao filho. Sempre juntos como anjo da guarda. Gostava e admirava o trabalho do velho cuidador de gados. Daí o apelido de ZÉ DO GADO pegou no ainda jovem, José Antônio dos Santos.

Com o falecimento do pai, continuou sua vida com poucas alterações. Manteve com a mesma frequência as visitas à casa da viúva D. Olga, que morava só com a mãe numa casinha humilde na fazenda vizinha do seu sítio. Estimado por ambas, algumas vezes passava a noite por lá. Por estar morando sozinho, D. Olga passou a retribuir-lhe as visitas e também a cuidar da limpeza da casa.

Nas fazendas da região ele era solicitado sempre que havia algum problema com os animais, seja de doença ou de nascimento, ou para conduzi-los para outra propriedade. Assim ganhava seu sustento. Nas horas vagas cuidava da sua propriedade, plantando e vendendo seus produtos aos moradores do povoado.

Exímio atirador, quando via uma cobra rastejando, mesmo no meio do mato, poucos segundos eram suficientes para pegar seu revólver e liquidar com a serpente, pois era o único animal que ele não gostava e nem protegia, pois ela matava os bovinos e os equinos que ele tanto “corujava”.

Não se metia em brigas, nem aceitava covardias, e quando necessário as resolvia logo com a sua boa pontaria. Assim era admirado e respeitado. Muitos moradores ainda comentam sobre o dia em que ele, ainda muito jovem, mostrou do que era capaz.

Com a presença, na principal venda do povoado, dos IRMÃOS TORMENTOS, apelido dado a dois irmãos de sobrenome TORRES, e pressentindo confusão, alguém foi correndo até o sitio do ZÉ DO GADO. Ao vê-lo, deu-lhe logo a notícia ainda bastante assustado.

Ele só fez um sinal com a cabeça. Guardou suas ferramentas, arreou o cavalo e saiu num galope, produzindo poeiras como uma manada.

Ao se aproximar do local viu dois homens fortes batendo num rapazinho. Um socava e empurrava para o outro, que também golpeava. O jovem cambaleando era agredido por todos os lados, sangrava que dava dó.

As pessoas que estavam vendo aquela covardia, mas com medo de intervir, logo que viram quem se aproximava, ficaram aflitos e esperançosos para ver com os próprios olhos, aquilo que outros já relataram.

Ele parou. Pegou o revólver, e a uma pequena distância com dois disparos acertou a perna direita de cada um dos agressores, que caíram no chão feito jaca madura…Gritando palavras de ofensas, seguravam a perna ferida e se contorciam de dores.

Desceu do cavalo e foi até onde estava o rapaz ferido. Perguntou onde ele morava. Com uma das mãos, este indicou a venda, onde seu pai na porta, com um medo maior que a covardia dos agressores, olhava tudo, sem ter pernas para se mover.

Pegou-o pelas pernas e braços, carregou-o para dentro da venda e o colocou sobre o balcão. Retornou para onde estavam aqueles por ele baleados, ainda no chão reclamando das dores. Encostou seu chicote no rosto de um deles e avisou com ímpeto e bem alto:

— Eu sei quem são vocês… Agora vocês sabem quem eu sou…Na próxima vez que vocês voltarem por aqui…Será bala na cabeça. Entenderam?

Duas cabeças resignadas balançaram afirmativamente.

ZÉ DO GADO montou e voltou para casa. Nunca mais alguém teve notícias dos IRMÃOS TORMENTOS naquele tranquilo e harmonioso ARRAIAL DAS ÁGUAS MANSAS.

A JANELA ABERTA - Leon Vagliengo

 


A JANELA ABERTA

Leon Vagliengo

 

Uma historinha sobre circunstâncias da bravura doméstica. ___________________________________________

 

         Tarde da noite, hora de dormir, Maria foi fechar a janela do quarto. De repente, deu um grito selvagem de pavor, saltou para trás e pediu socorro, com a voz trêmula, alterada:

         — João, me ajuda aqui! Uma barata enorme! Entrou voando pela janela, foi para trás do armário! AAAI, MEU DEUS!

         João estava saindo do banho. Ouvindo o apelo de sua esposa, secou apenas os pés, prendeu rapidamente uma toalha na cintura, calçou as havaianas e correu, com o corpo ainda molhado, para acudi-la. Sabia como ela tinha medo de baratas, um medo absurdo, incontrolável, verdadeiro pânico, coisa de mulheres.

Nem pensou, mas sentiu; seria um bom momento para demonstrar a ela o seu destemor e valentia ao resolver essas situações caseiras, fortalecendo assim, de maneira subliminar, o respeito e a admiração que ela lhe dedicava, apenas matando uma barata.

         Chegando ao quarto encontrou Maria espremida num canto, em seu rosto a expressão do medo; dirigiu-se corajosamente ao pesado armário, conseguindo, com muito esforço, arrastá-lo um pouco, até poder espiar no vão formado entre ele e a parede, pensando com seus botões “eita armário pesado, sô! Quase passei vergonha”.

         Iluminou o local com uma lanterna, com muito cuidado para não ser surpreendido por uma possível investida da barata voadora que procurava; inconscientemente, temia que a atrevida avançasse sobre ele e o assustasse, comprometendo o seu ato de bravura; assim, examinou aquele espaço cautelosamente, nada encontrando. Depois, mais confiante, conseguiu puxar o armário um pouco mais, examinou melhor todo o espaço, centímetro a centímetro; verificou também embaixo e no outro lado do móvel, também nada encontrando.

Finalmente, com muito orgulho pronunciou o seu veredicto:

—Aqui ela não está. Venha ver.

         — EU NÃO! — Bradou Maria, sem superar o medo, como seria de se esperar.

         Mesmo porque o problema não estava resolvido. Onde estaria a temível barata voadora? João, então, afastou-se um pouco para melhorar a perspectiva e poder prescrutar mais completamente todo o cenário, tentando entender o caminho que poderia ter sido percorrido pelo repugnante inseto.

         Sua força e valentia já haviam sido demonstradas para Maria ao deslocar o pesado armário e assumir o risco de enfrentar o perigoso animal. Mas uma barata de paradeiro incerto e não sabido, esgueirando-se pelos cantos mais escondidos, é sempre uma ameaça muito grande. Poderia aparecer de repente no chão, subir-lhe pelas pernas por baixo da toalha sabe-se lá até onde, enfim, provocar nele alguma atitude menos viril, algum gritinho comprometedor irrefreável, daqueles em que a voz até sai fininha.

 Esse pensamento passou pela cabeça de João, que logo o afastou. Resoluto, agora já dominava a situação e era chegado o momento em que poderia mostrar para Maria a sua inteligência, se conseguisse desvendar o mistério da barata desaparecida. “Onde se enfiou essa miserável? ”, pensou. Observando detalhadamente todo o cenário por alguns longos minutos, finalmente, com muita perspicácia, decifrou o enigma. Aliás, não apenas o decifrou como, também, caiu na risada.

— Do que você está rindo? – Perguntou ela, surpresa, ao que lhe respondeu João, detalhadamente:

— Veja, meu bem. A janela aberta deixa passar uma brisa, fazendo balançar um pouco o lustre, projetando-se assim uma sombra, uma pequena sombra em movimento, em direção ao armário. Engana, sim, parece mesmo uma barata — completou, mostrando-se compreensivo com o medo de sua mulher.

Maria, então, ficou um pouco mais tranquila. Só um pouco. E curiosa. De longe, ainda temerosa, observou aquela pequena sombra que se movia tal qual uma barata voadora. Então, depois de confirmar a brilhante descoberta de seu marido, agora sim, aliviada, abraçou João, numa romântica atitude de agradecimento.

— Como eu sou medrosa, meu bem. Ainda bem que tenho você aqui para me proteger.

Com esse gesto de Maria, abriu-se o espaço para um compreensivo João, em tom superior e professoral, mais uma vez demonstrar carinhosamente a sua sabedoria, explicando algumas coisas para ela, feliz e envaidecido com a sua própria performance:

— Isso que acaba de acontecer com você, meu amor, chama-se pareidolia. Pode acontecer com qualquer um. E acontece quando uma pessoa vê alguma coisa que parece outra, mas não é, mas porque parece, a interpreta como se fosse. Ficou claro? Portanto, não se amofine. Neste caso, envolvendo a imagem de uma barata, você não está sozinha. É natural para qualquer mulher cometer esse equívoco, pois as mulheres mantêm em seu subconsciente um medo atávico, doentio e permanente desse inseto, que aflora incontrolavelmente nesses momentos. Foi o que aconteceu com você: viu a sombra em movimento, e já foi achando que era mesmo uma barata. É muito divertida, e até graciosa, a maneira como se manifesta a fragilidade feminina nessas situações. É por isso que é importante que as mulheres sempre tenham por perto um homem que as socorra nessas horas...

A toalha que o cobria soltou-se e caiu ao chão com o salto repentino de João para trás, uma das havaianas voou longe, ao mesmo tempo em que seu grito alto, agudo, fininho e desonroso, nada viril, interrompeu a sua pregação de herói, quando a barata de verdade, finalmente, resolveu voar do lustre onde se alojara, diretamente para a sua careca. Num reflexo desesperado João se abaixou, procurando proteção, e assim ficou: mãos nas orelhas, encolhido, de cócoras, pelado, um pé descalço, imobilizado pelo pavor.

Ao ver a cena Maria fugiu incontinenti, manifestando toda a sua fragilidade feminina ao correr desesperada para fora do quarto, confirmando aquela maneira divertida e graciosa que seu marido lhe dissera. Mas recobrou-se num instante e, num repente, extraiu de seu âmago toda a coragem necessária para voltar ao quarto, armada de um poderoso aerossol de inseticida que pegou de passagem no armário do banheiro, com o qual encharcou a cabeça de João, que ainda permanecia com as mãos nas orelhas, agachado, pelado, um pé descalço, com a barata na careca.

A enorme barata reagiu no mesmo instante, e ainda voou um pouco, até cair ao chão, debatendo-se. Maria deu-lhe mais uma longa, nervosa e vingativa borrifada de aerossol, e ela finalmente se rendeu, estirada com as pernas para o ar. Superado com sucesso aquele momento de ação e bravura, Maria respirou fundo, encheu-se de mais valentia e correu para fechar a janela, que ainda estava aberta.

Finalmente sentia-se segura.

Mais calma, olhou para o marido e, mesmo com muita vontade de rir, sabiamente Maria se conteve; ajudou João a levantar-se, encontrar e calçar a havaiana, cobrir o corpo novamente com a toalha, e procurou restabelecer a sua combalida dignidade, dizendo, bem séria, com muito cuidado para não parecer irônica:

— Nossa, João! Que bicho enorme! Até você se assustou! Mas manteve corajosamente a barata na cabeça, quietinho, para eu poder acertá-la com o aerossol! Isso é o que eu chamo de sangue frio! Ainda bem que você estava aqui para me proteger. Agora vá tomar outro banho e lavar essa cabeça ensopada de mata-baratas; depois a gente vai para a cama e comemora o sucesso dessa caçada. Com um bom sono, claro, porque já é tarde.

A tentativa foi boa, mas as palavras enaltecedoras de Maria não tiveram nenhum efeito para elevar o moral de João. Jururu e calado, ele limitou-se a obedecer. Tomou um novo banho e foi mesmo para a cama, sempre bem quietinho, juntar-se a Maria, para dormir.

Atualmente, a casa de João e Maria é dedetizada a cada seis meses e há telas contra insetos em todas as janelas.

 

<<< O >>>

quarta-feira, 1 de junho de 2022

O SILÊNCIO DO CASTELO - Helio Fernando Salema




O SILÊNCIO DO CASTELO

Helio Fernando Salema

 

A jornalista IRENE e também fotógrafa e escritora, conseguiu comprar uma casa por um Euro numa pequena localidade. Não foi atraída pelo valor simbólico, sabia muito bem, que teria gastos com a propriedade, pois estava sem morador há alguns anos. O que mais lhe chamou a atenção foi o conjunto. Cidade medieval lindíssima, muito bem conservada, atrativa, população minúscula, mas hospitaleira e, principalmente, as lendas relacionadas a um castelo antigo.

No bagageiro do carro acomodou apenas o indispensável para uma vida simples numa pequena cidade. A maior parte foi ocupada pelos instrumentos de trabalho. Bem cedo iniciou a viagem com muitas expectativas e fantasiando. Acostumada a criar histórias, deixou que sua alma livremente lhe revelasse as mais variadas abstrações.

Ao chegar ficou fascinada por tantas e maravilhosas surpresas. Cada casa era um deslumbre. As ruas antigas, conservadíssimas. Tudo lhe parecia diferente e primoroso, a ponto de parar o carro e ficar admirando, como uma criança diante de um novo e desconhecido brinquedo.

Embora a casa estivesse, como era de se esperar, sem os cuidados adequados, não lhe causou nem um sopro de desalento. Abriu as janelas e admirando com mais atenção cada detalhe, sentiu que até o final do dia estaria a seu gosto e desejo. Depois de contemplar o céu:

— Mãos à obra!!!

A noite suavemente intervinha quando ela sentiu a satisfação do dever cumprido. Era necessário uma boa refeição e um sono prolongado e repousante. Nada difícil para quem estava prevenida quanto à alimentação e num local de tranquilidade absoluta.

Ao vivenciar os primeiros clarões do amanhecer, sentiu seu corpo dolorido pelo esforço enorme empenhado no dia anterior. Satisfeita pela aparência que observava em cada canto do seu sonhado lar, não demorou muito para recobrar o ânimo, e com tamanha euforia levantou-se, e mais ágil ficou ao se recordar de que ainda tinha muito o que descobrir naquele lugar pelo qual se encantara através de fotografias.

Ao transpor a porta, sentiu-se diante de um colossal, mas agradável, desafio. Conhecer profundamente, nos mínimos detalhes, a cidade e seus moradores.

Saiu fotografando tudo que lhe era novidade, e havia muitas. Casas de construção não habitual, bonitas e muito bem enfeitadas, ruas estreitas com formato diferente, que impressionaram até aos olhares menos atentos, gerando bela e generosa paisagem.

Conversando com os simpáticos e educados moradores foi colecionando farto material para várias histórias.

Meses depois recebe uma visita surpresa de uma colega de infância, Shiela. Aquela que sempre chegava sem ser convidada, quando ninguém esperava e nem desejava.

Nome de batismo Shirlei Elena, ganhou o apelido porque quando se aproximava as pessoas diziam:

— Xi! Vem ela!

Detentora de uma personalidade fortíssima e curiosa. Logo que chegou, nos primeiros contatos com o material coletado com esmero por IRENE, imediatamente começou a questioná-los. Chegando em alguns momentos a irritar a amiga pesquisadora.

Em outros momentos, no entanto, ajudou com suas observações e elogios sinceros. A ponto de Irene sentir que o material, colecionado até aquele momento, era de grande valor.

Quando Shiela acompanhou a amiga pela primeira vez ao castelo, ficou assustada, tremendamente aterrorizada, ao ouvir sons estranhos. Agarrou-se à amiga e quase chorando a chamou para irem embora.

Em casa, examinando as fotos, depois de passado o susto, estranhou que numa delas, um pequeno detalhe no canto da parede. Algumas paredes eram de pedras irregulares, mas naquele canto o que chamou a atenção da curiosa foi uma minúscula e quase imperceptível fresta. Logo veio a hipótese de ser uma entrada, provavelmente secreta.

Alertou a amiga, que embora não aceitasse aquela hipótese, resolveu voltar ao castelo no dia seguinte. Irene sem a presença da amiga, se sentia mais corajosa, pois já havia captado sons estranhíssimos, algumas vezes, quando se aproximava daquela mesma parede que ficava num pequeno corredor.

Novamente fotografou e observou, mas tudo aparentava natural. Examinou o local suspeito e não havia nada que se assemelhasse a uma porta, possivelmente, era apenas uma sombra naquela foto. Nas paredes próximas não havia nem uma pequena janela. A porta mais próxima ficava distante.

Subitamente, Irene começa a ouvir um som incompreensivo e desta vez assustador. Às vezes um suspiro ou gemido, intercalados por estranhos barulhos. Momento seguinte nada. Por muito tempo somente o silêncio reinava naquele magnífico castelo.

Em seguida percebeu passos de alguém que se aproximava e vinha em sua direção. Assustada e não querendo ser vista naquele local, foi lentamente se deslocando em outra direção.

Mais distante, junto às janelas abertas para a entrada de ar e iluminação, se acalmou ouvindo piados de pássaros anunciando a primavera.

O som dos passos não foram mais ouvidos. Mesmo assim continuou bastante preocupada. Caminhou em direção à saída olhando para os todos os lados. Temerosa e com o coração desenfreado foi pisando suavemente para não fazer barulho, porém com passadas cada vez mais estendidas. Até chegar à saída, foram momentos de terrível aflição.

Shiela aguardava em casa, andando sem parar de um lado a outro. Esfregando as mãos como se assim pudesse ajudar a amiga distante, ou quem sabe fazer o tempo passar mais ligeiro do que o impossível. Arrependida, em alguns momentos, por não ter ido em companhia da amiga.

Ao ver Irene entrando bastante aterrorizada, pressentiu que poderia ter acontecido o pior.

Um copo com água ajudou bastante. Irene sorveu cada gole lentamente, deixando a amiga ainda mais angustiada. Ao dar conta de que estava novamente em casa e segura, foi aos poucos relatando o ocorrido.

Até findar o dia foram muitas conversas e planos. Dúvidas sobre o que poderiam fazer de melhor. Irene decidiu que não iria mais àquele castelo. Nem mesmo em companhia de outras pessoas do lugar. Shiela afirmou que iria embora na manhã seguinte.

Assim que amanheceu o dia, Irene foi à rua fazer compras para o café. Percebeu um movimento anormal de pessoas, movimentando-se, gesticulando e se comunicando de maneira discrepante. Enquanto escolhia as suas mercadorias, ouviu alguém falar que um homem bastante idoso havia falecido. Mas ninguém o conhecia. Também não o virão chegar na cidade e jamais no castelo.

Mais estranho ainda foi quando entrou um antigo morador dizendo que pela manhã um corpo fora encontrado dentro do castelo, a porta estava meio aberta. E o selador havia desaparecido.

Chegando em casa, ao relatar o que havia escutado, Shiela mais uma vez teve um ataque de espanto e susto exacerbado e prolongado. Afirmou, categoricamente, que jamais pisaria naquele castelo ou em outro qualquer.

IRENE num lampejo de intuição e de coragem sentiu-se impelida a constatar se alguma coisa havia mudado dentro do castelo. O que poderia esclarecer o ocorrido no dia anterior e também servir para uma história ainda mais empolgante. Sem falar com a amiga, saiu apressadamente. Cada passo lhe parecia que a distância não diminuía, mas a angústia sim, aumentava e muito.

Ao longe notou que algumas pessoas estavam em pé junto à porta fechada. Aproximou-se e em conversa com os presentes também ficou impressionada com o aviso que dizia. FECHADO POR TEMPO INDETERMINADO.

Desanimada e preocupada, retornou a casa.

  Depois de tantas aventuras, quase todas inesperadas, Shiela resolveu ir embora. À medida em que enchia as malas, seu coração também se enchia de lampejos de saudades envolventes, deixando sua mente em hesitação.

Com a chegada do táxi não lhe restava opção. Despediu-se com um forte e alentado abraço, o que deixou ambas em lágrimas.

Durante a viagem de retorno, cada cena que deixava para trás, lhe trazia à memória, que nunca imaginara encontrar o que presenciou ali, quando pensou em simplesmente fazer uma  surpresa à amiga.

Depois de algumas semanas, Irene toma conhecimento da abertura do castelo, quando estava caminhando sem qualquer preocupação. Não querendo perder tempo vai apressadamente, só quando já estava dentro do castelo, lembrou-se de que não levava nenhum material para registrar qualquer possível mudança.

O castelo estava vazio. Nem uma alma penada para lhe fazer companhia, nenhum som por todos os cantos que passava. Mesmo com as janelas abertas não se ouvia o som dos pássaros. Sentiu arrepios estranhos e uma intuição lhe ocorreu. Saiu imediatamente.

Ao entrar na casa pegou a caixa em que estavam as fotos e examinou cada uma, atentamente.

Durante alguns minutos observou cada detalhe daquela que lhe prendeu a atenção. Era a fotografia do castelo de perto e mostrava nitidamente sua imponência. Pegou a caneta e com todo o cuidado escreveu na foto o nome do seu próximo livro.

O SILÊNCIO DO CASTELO.

 

 

 

 

PROVOCANDO RISOS E FELICIDADE - Helio Fernando Salema

 



PROVOCANDO RISOS E FELICIDADE

Helio Fernando Salema

 

Senhor Helio, que não gosta de ser chamado de senhor, às vezes respondia que o Senhor é quem está lá em cima olhando por nós.

Há alguns anos comemorou a entrada na casa dos sessenta, não nega e não tem como negar, sua aparência revela de maneira clara e sólida. Cabelos brancos e barba grisalha, não deixam dúvidas. Mas como gosta muito de brincar e provocar risos, costuma dizer sempre com uma postura de muita seriedade, que tem 28. Em seguida explica:

— Isso provoca risos sutis de uns e gargalhadas, por vezes escandalosas, de muitos outros.

E complementa:

— É muito bom e saudável estimular risos nas pessoas. Elas mudam de fisionomia incrivelmente, e na rapidez de um raio em tempestade. Muitas vezes ficam mais bonitas e demonstram estarem saudáveis mesmo quando, pouco antes, reclamavam de doenças ou ainda pior, da vida.

Algumas vezes provoca risadas quando alguém, querendo participar da brincadeira, diz que ele parece ter vinte e cinco ou vinte e seis, no máximo. Rapidamente responde:

— Não, não! Tenho vinte e oito e não admito que reduzam minha corretíssima idade.

Pronto. Era mais uma enxurrada de risos.

 

No início do ano era a viagem à Guarapari que enchia seu peito de esperança e perspectivas.

Tudo começava por volta de outubro ou novembro. Quando em contato com os amigos, principalmente Carlos e Luiz.  Alguém lembrava que o verão já dava os primeiros sinais, e logo vinha a lembrança de estarem juntos naquela bela e tranquila Praia do Morro.

Eram dias de reuniões na praia desfrutando tudo de bom que havia. Sol, mar, paisagens aprazíveis, cerveja, boa comida…e aquelas conversas longas que sempre eram interrompidas por brincadeiras ou deboches, terminando em hilaridade.

Outro momento importante era o contato com algum mineiro e ouvir histórias das Minas Gerais. A boa prosa lhe era bastante agradável, talvez por ser meio mineiro, também aprecia os “causos” narrados nos contos do amigo Milton.

Foi num desses dias, que o senhor Helio passeando pelas ruas do centro de Guarapari, avistou numa das vitrines uma camiseta regatas, por coincidência azul, sua cor preferida. Parou e ficou admirando. Lembrou que dos dez dias programados ainda restavam oito e uma camiseta a mais poderia lhe ser útil. Ao perceber o preço não teve dúvidas. Sem tardar, entrou e foi logo perguntando ao rapaz que estava no balcão:

— Posso ver aquela camiseta azul?

— Sim. Vou pegar para o senhor.

O rapaz colocou no balcão a camiseta junto de outras duas, uma branca e outra amarela clara. O sr. Helio pegou as três e se dirigiu ao provador.

Minutos depois voltou ao balcão e disse ao funcionário que levaria a branca e a amarela. O funcionário assustado:

— O senhor não vai levar a azul que escolheu?

— Não. Quando a vesti me vi como um velho de cinquenta anos.

O funcionário espantado ficou tentando disfarçar um riso, abaixou a cabeça. Mas não adiantou nada, senhor Helio percebeu e também, sem nenhuma intenção de disfarçar, soltou uma risada.

O rapaz colocou as duas camisetas numa sacola e recebeu o pagamento.

Ao sair, o senhor Helio próximo da porta, virou-se rapidamente e ainda pode ver os três funcionários em comunhão de risadas, uma secava os olhos de tanto que ria. Aquele que lhe atendeu, com as duas mãos segurava a barriga, que certamente doía de tanto rir.

Na calçada o senhor Helio rindo, disse em voz alta, como se quisesse comunicar a todos os passantes:

— Como é bom atiçar risos. As pessoas ficam mais bonitas, os problemas desaparecem, a vida agradece e Deus abençoa.

 

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...