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quinta-feira, 7 de outubro de 2021

CAMINHONEIRO - Helio Salema

 



CAMINHONEIRO

Helio Salema

 

A viagem começou às 6:00 horas. O sol clareava toda a estrada, dando a certeza de uma viagem tranquila. Conheço cada palmo do asfalto, posto de combustível, restaurante e tudo o mais que existe por aqui. Qualquer pequena mudança percebo imediatamente.

Quando de longe vi veículos parados, fiquei surpreso. O posto policial ficava muito distante.

Parei e pouco depois vi motoristas andando no acostamento. Tudo muito estranho. Faço este trajeto há mais de 10 anos, toda semana.

Desci e logo observei um restaurante a poucos metros. Muita gente indo naquela direção. Mesmo sabendo que o meu preferido ficava a mais de 100 km, resolvi conhecer.

Muito chique, e moderno demais para um caminhoneiro. Não quis nem ver os preços, certamente salgados. 

Mesmo sem jeito, fui em direção ao banheiro. Preocupado em não dar mancada, olhava atentamente, para cada detalhe. Chão muito limpo e um cheiro agradável que eu ainda não tinha sentido em nenhum lugar.

Ao passar por uma porta, meio aberta, vi uma mulher, de costas, que usava uma velha máquina de escrever. Fiquei intrigado, sem nenhum motivo. Há muito tempo que não me apegava por um rabo de saia. Talvez estivesse trabalhando demais.

Quando saí do banheiro, procurei passar propositalmente de novo pelo mesmo lugar, olhei, mas não a vi. Continuei andando para ver se a encontrava. Fui para fora do restaurante e nada. Então resolvi contornar o prédio na esperança de encontrar uma janela aberta, assim poderia ver o rosto dela.

Havia sim várias janelas. Olhando uma a uma, sem sucesso,  e a esperança diminuindo. A última era uma janela envidraçada, justamente a da sala onde ela se encontrava. Passei bem devagar, quase parando. Achei que ela percebeu. Parei logo depois, por um instante. Respirei bem fundo. Tomei coragem e pedi a São Cristóvão que me ajudasse.

Quando voltei, na vidraça da janela, havia um rosto lindo e uma das mãos aberta. Passei olhando, mas ela não fez nenhum movimento.

Lembrei que eu tinha no caminhão um chaveiro de um carro que me roubaram. Corri até lá. Peguei e voltei até a porta do escritório. Pedi licença. Ela me olhou com surpresa. Com dificuldades disse:

— Encontrei estas chaves no pátio. O dono poderá vir aqui procurar. Posso deixar com a senhora?

— Sim. Eu guardo.

Pegou o chaveiro e ficamos conversando. Linda, simpática, educada. Era tudo que eu nunca tinha visto antes. Parecia um sonho. Como todo sonho bom acaba de repente.

— Liberado….liberado…trânsito liberado

Alguém berrou.

Ela me olhou com tristeza. Então falei:

— Com muita tristeza, vou ter que ir.

— Vai com Deus.

— Amém. Que Deus me traga de volta.

Ela sorriu.

— Na volta, semana que vem, passo para saber se alguém apareceu para pegar as chaves.

Sorriu, novamente.

Quando me virei para sair, vi na parede um quadro muito bonito. Parecia um lugar à beira da estrada, por onde costumo passar e admirar. Porém mostrava uma noite com um clarão de lua que iluminava o céu.

Ao dar partida no caminhão, me veio a lembrança do quadro. Hoje vou passar por lá à noite.

Tristeza e uma pancada de raiva por não ter perguntado o nome dela. Como fui bobo. Um verdadeiro bocó.

Durante todo percurso lembrava-me dela, sua pele morena, olhos negros e misteriosos, que ao olhar para mim, dizia o que eu não entendia. O sorriso completava sua beleza natural.

Na semana seguinte a viagem de volta parecia mais demorada. Não havia congestionamento, mas toda hora, um “meia-roda”, na minha frente atrapalhando. Eu queria chegar cedo. No meio do caminho parei para almoçar. Aproveitei para tomar banho. Fiz questão de colocar uma camisa nova na cabine, para botar quando fosse falar com ela.

 

Quando cheguei, no final da tarde, temia que ela já tivesse ido embora. Troquei de camisa, olhei-me no espelho. Parecia que estava tudo nos conformes.

Ao entrar no restaurante fui direto à sala dela. Fechada. Trancada.  Dei umas voltas na esperança de encontrá-la. Fui até a janela envidraçada. Sala vazia. Já temendo pelo pior, voltei para ficar à espera na porta da sala. Continuava trancada.

Uma senhora de uniforme, parecia funcionária, vinha na minha direção. Perguntei:

— A senhora viu a morena que trabalha nesta sala ?

— Ela não veio esta semana. E só com ela ?

— Semana passada estive aqui e deixei um chaveiro com ela.

A funcionária me interrompeu:

— Está comigo. Um momento, que vou pegar.

Saiu apressada. Durante um minuto fiquei pensando em tantas coisas. Que diabos!

A funcionária volta com o chaveiro na mão. Peguei e olhando as chaves com vontade de jogar longe, ao inferno. A funcionária estica a outra mão e me entrega um envelope. Certamente, era um bilhete. Com medo de ler e demonstrar toda minha raiva, talvez até chorar, agradeci e fui para o caminhão.

“Meu amigo, espero que tenha feito boa viagem. Meu pai faleceu no dia seguinte. Minha mãe muito doente precisa de mim. Não pude continuar trabalhando. Se quiser falar comigo….a mulher da limpeza sabe informar onde moro. Que Deus te proteja.”

Desci correndo. Antes de entrar no restaurante vi a funcionária saindo. Olhou para mim. Pedi desculpa por não ter agradecido antes. Ela sorriu, como se estivesse diante de um adolescente que se arrependera de algo.

Explicou com detalhes como eu poderia chegar até a casa. Mais uma vez pedi desculpas e agradeci.

Saí agora mais apressado, entrei no caminhão. Rezei e pedi desculpas a Deus por ter blasfemado e pensado coisas ruins.

Fui seguindo as indicações. Entrei na pequena cidade. Encantado com as construções antigas e bem conservadas. Poucas pessoas andavam, calmamente. Aquele ar de tranquilidade.

 Facilmente, vi a casa branca com janela verde. Parei bem em frente. O barulho do caminhão parece que entrou dentro da casa. A cortina balançou como se alguém fosse abrir a janela.

Para minha surpresa foi a porta que se abriu. Não tive dúvidas, a minha Deusa desejada, linda e sorridente saiu e veio até o portão.

Desci e fui até ao encontro dela. Pelo olhar dava para notar a felicidade que a minha presença causava. Com um forte abraço me levou para dentro da casa. Uma senhora ainda não idosa, numa cadeira de rodas, me olhou com alegria. Sentei e conversamos por algumas horas. Tomamos água e café.

Quando falei que ia embora, ela pegou minha mão e me levou até a cozinha. Pediu para que eu ficasse para jantar. A empregada tinha preparado tudo antes de sair. Falou para eu sentar. Foi colocando as travessas na mesa e disse que a mãe só tomava um caldo.

 Enquanto jantávamos conversamos sobre nossas vidas. Contou que ela e o pai trabalhavam no restaurante, que era de um tio. Ela e o pai reversavam no trabalho, para que sempre um estivesse em casa junto com a mãe e a empregada. Porém na manha seguinte, àquela que nos conhecemos, o pai não acordou. Foi um momento terrível. Então resolveu ficar em casa, para estar mais tempo com a mãe.

Disse que era filha adotiva e que eles sempre a trataram muito bem. O pai era um homem muito bom, embora bastante rigoroso. Não deixava que ela saísse sozinha e muitas vezes recomendava que evitasse certas amigas.

 

 

 

Assim que me levantei da cadeira e comentei que tinha que ir, porque no dia seguinte, bem cedo, teria que entregar a carga, ela mais rápida que eu, se levantou, me abraçou, e, com uma voz suave e bem baixinho, pediu para ficar. Que me acordaria bem cedo com café pronto.

Não resisti. Está ideia já havia passado pela minha cabeça. Um desejo muito forte. Faltou coragem em mim, sobrou nela. Em toda minha vida jamais vi alguém com tanta força na decisão.

Não vi quando ela se levantou. Acordei com beijos e um cheiro de café quente. Levantei-me, tomei banho e fui para a cozinha. Durante o café contei para ela que assim que chegasse ao meu destino, iria procurar minhas duas filhas, que eram casadas. E comunicaria que depois de mais de 10 anos viúvo, encontrei uma companheira. Que se Deus, que a colocou no meu caminho, permitir, será até o fim da minha vida. Com abraços e beijos, nos despedimos.

Entrei no caminhão. Ao passar pela estação, vi um relógio antigo, pendurado na parede marcando 10:10. Ainda bem que estava parado.  Fui pensando em chegar ao meu destino em tempo e voltar a tempo para o paraíso que jamais pensei que existia. Então refleti.

Como um congestionamento pode mudar, tanto, em tão pouco tempo, a vida das pessoas.

 

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

CAMPO DOS CURROS - Alberto Landi

 



CAMPO DOS CURROS

Alberto Landi

 

Campo dos Curros, atual Praça da República, era uma praça de corridas de touros e cavalos, onde os paulistanos se divertiam com os rodeios e touradas no século XIX.

Aos domingos nessa grande praça, as pessoas lotavam a arena.  Era um povo alegre, querendo se divertir assistindo as touradas vendo sangue!

Havia o famoso “Bailarino” que era um ativo ajudante na estação do Brás. Mercadorias, vindas do porto de Santos, eram descarregados pelos trens nessa estação.  As carroças eram o único meio de transporte nessa época, levavam esses produtos para restaurantes e lojas espalhados na província de SP.

Ele era muito divertido e talentoso, fazia acrobacias e alguns passos de ballet, daí o seu apelido.

As pessoas que frequentavam a arena, gostavam de ver suas maluquices e se esborrachavam de tanto rir.

Havia o touro Twist, as pessoas gostavam muito de vê-lo perseguindo com seus chifres impiedosos e afiados ferir os toureiros.

Ele era considerado herói pelos frequentadores.  Ele cada vez foi ficando mais bravo, os olhos de raiva, de um vermelho escuro que parecia mais uma brasa, raspando os cascos no chão e trotando em busca do toureiro.

Todos gritavam:

Twist,  pega ele!

O bailarino por sua vez queria desviar a sua atenção para ele, fazendo piruetas.

Os frequentadores falavam e discutiam a politica do governo da província de São Paulo, além de assistirem a barbárie das touradas.

Bailarino era também um visionário, o povo se reunia em torno dele, só para ouvir suas profecias. Enfatizava que num futuro não muito longínquo o homem iria pisar na lua. Ressaltava também a existência de objetos voadores e seres extraterrestres que visitavam a província.

As discussões eram as mais variadas possíveis, alguns diziam que isso seria impossível, porque a lua se tratava de uma bola de luz, que a Terra era plana, outros apoiavam a ideia de homens na lua.

Como o Bailarino poderia vislumbrar naquele tempo tão distante do atual, que muitos anos  após isso se concretizaria e se tornariam realidades suas palavras?

Ele era com certeza um visionário.

Nunca devemos duvidar desses “devaneios” porque nesse universo onde um magnânimo Senhor foi o criador, nada é impossível.

 

DIREÇÃO ERRADA - Hirtis Lazarin




DIREÇÃO ERRADA

Hirtis Lazarin

 

A noite estava escura. Nem a lua nem as estrelas para clarear a estrada estreita e esburacada.  Apenas uma brisa irrequieta ciscando a relva esbranquiçada e miúda que se estendia a perder de vista. Árvores, muito poucas.

Depois de quilômetros e quilômetros rodados num carro velho e perdido no rumo, aparece uma placa indicando um restaurante de estrada.

Estaciono e observo detalhadamente tudo à minha volta. Nenhuma luz acesa, nenhuma voz. Parecia abandonado.

Senti medo, mas desci. Minhas pernas inchadas e cansadas doíam. Muito tempo na mesma posição tensa de gente que está perdida e não sabe onde vai parar. A garganta seca exigia água. Impossível não encontrar uma única torneira.

A recepção estava vazia. Sobre uma escrivaninha de verniz rabiscado, uma máquina Olivetti e numa folha de papel branco e intacto encaixada nela, uma palavra que não foi concluída.

Da janela envidraçada, coberta de gordura e pó, era impossível ver o que acontecia do outro lado. Uma porta que já foi pintada de branco está com a maçaneta quebrada.

Empurro-a cuidadosamente para não chamar a atenção, mas de velhice ela reclama. Nem vozes, nem barulho do outro lado, apenas a minha respiração ofegante. Um cheiro azedo de comida estragada.

Meus olhos, aos poucos, vão se acostumando com o escuro: uma cadeira caída, cacos do que já foi louça, roupas esparramadas e muitas moscas rodeando alimentos apodrecidos. O maior susto foi quando vi sobre a cama uma moça seminua, amordaçada, presa à cama, pés e mãos amarrados. Os olhos arregalados suplicam, pois acredita ela que chegou o seu fim.

Aproximo-me de um jeito cordial e transmito-lhe confiança. “Não se assuste. Vou ajudá-la. Sou alguém alheio a tudo que está acontecendo”.

Com dificuldade, liberto-a das amarras. Seus pulsos e tornozelos estão feridos, sangram.  Peço que não fale nada. “Temos que abandonar esse lugar o mais rápido possível, antes que apareça alguém”.

Ela está confusa e fraca. Não consegue dar um passo à frente. Carrego-a no colo e chegamos ao carro sem sermos incomodados. Reviro os bolsos da calça, do casaco e não encontro as chaves. Deito-a na grama quase desfalecida.

A noite está agora mais escura. Nuvens acinzentadas prometem chuva a qualquer momento.  ”Ótimo para assentar a poeira que levanta do chão seco e ataca minha rinite crônica”.

Olho o relógio e são vinte e duas horas e dez minutos. Já se passaram mais de duas horas desde que cheguei ali.

“Preciso voltar àquela casa e procurar as chaves. Corremos o risco de sermos surpreendidos a todo minuto perdido”.

Dou alguns passos rápidos e paro.

Ouço o trotar de cavalos que chegam cada vez mais perto...


Viagem a Paris - Adelaide Dittmers

 



Viagem a Paris

Adelaide Dittmers

 

Muito comunicativo e espirituoso, Xavier conquistava todos por seu bom humor, mas tinha um lado peculiar; era um gozador nato e adorava pregar peças nas pessoas à sua volta.

Certa noite, ao chegar em casa, depois de um dia de trabalho, escancarou um sorriso para a mulher e disse:

— Tenho uma surpresa especial para você.  E estendeu dois pequenos papéis.

— O que é isto? Perguntou ela com um ar desconfiado.

— Veja você mesma!

— Não acredito!  Duas passagens para Paris.

Helena abraçou o marido.  Sempre sonhara em conhecer a cidade luz, mas tinha muito medo de viajar de avião.  Apesar da situação financeira deles permitir, só viajavam de carro.  Conhecia quase todo o país e já tinha ido à Argentina e Uruguai.

De repente afastou-o e perguntou:

— Isso não é mais uma das suas brincadeiras? Não é?

— Não.  O único problema é seu medo de voar.

— Tenho que enfrentar isso.  Por Paris, vou enfrentá-lo.  Além do mais, minhas amigas, que não gostam de voar, costumam tomar comprimidos para acalmar e dormir.

— Então tudo bem, porque me lembro daquela viagem, que fizemos ao Rio pela ponte aérea, em que você apertou minha mão a viagem toda.  Para Paris são onze horas de voo e não quarenta e cinco minutos.

— Estou tão feliz, que prometo que vou me comportar bem.

Uma semana depois, estavam os dois no aeroporto para iniciar a viagem dos sonhos de Helena.  Ansiosa, procurava esconder o nervosismo ao entrar no avião.  Logo ao se sentar no lugar, que lhes foi reservado, engoliu o comprimido para diminuir o temor.

A grande aeronave decolou suavemente e ganhou altura em um céu sem nuvens.  Era uma bonita noite de outono.  Poucas horas depois, o jantar foi servido e Helena distraiu-se em ver o que iria comer.  Após terem jantado, Xavier lhe disse:

— Vou tirar um cochilo.  Quando a aeromoça recolher as bandejas, peça a conta, por favor, e fechando os olhos, virou a cabeça para o lado com um sorriso zombeteiro.

Depois de alguns minutos, a comissária veio retirar as bandejas e Helena educadamente lhe pediu:

— Pode me dar a conta, por favor.

— Como senhora?

— A conta do jantar.

A moça arregalou os olhos e disfarçando o constrangimento respondeu:

— Não há conta a pagar.  O jantar está incluso na passagem.

Sem graça, Helena pediu-lhe desculpas e, quando a jovem se afastou, deu um safanão em Xavier.

— Como você me fez uma coisa dessas?  Não gostei nem um pouco dessa brincadeira.

E ele rindo, exclamou:

— É muito divertido, que até hoje você caia em minhas armadilhas.

Helena recordou-se, então, do dia em que ele a deixou em um restaurante e saiu para a rua só para vê-la toda atrapalhada sem saber como iria pagar a conta, e de tantas outras em que sempre procurou aceitar com bom humor. No entanto, ultimamente, começou a cansar-se do humor negro do marido. Zangada, ligou a tela à frente para não discutir com ele.

Mais tarde, as luzes do avião foram apagadas e os passageiros ajeitaram-se como podiam para dormir.  Helena logo adormeceu embalada pelo comprimido. 

O grande pássaro começou a sobrevoar o vasto oceano, negro e misterioso, àquela hora da noite.

De repente, Helena foi sacudida por Xavier.  Tonta de sono, olhou a expressão de medo do marido.

— Acorda e coloca o cinto!  O avião entrou em pane.  Estamos em uma emergência.

Realmente, uma forte turbulência sacudia o avião.  A mulher entrou em pânico.  O terror tomou a forma de uma grande garra, que apertava sua garganta e descontrolada começou a gritar.

— Socorro!  Não quero morrer!

Os passageiros acordaram assustados e uma grande confusão espalhou-se pelo avião.  Logo um comissário veio até ela e perguntou:

— O que está acontecendo, senhora?

— O avião está caindo!  E ainda você me pergunta isso?

— Calma, senhora.  Foi só uma turbulência.  Está tudo bem com o avião.  Fique tranqüila.

Ainda muito assustada e envergonhada, olhou para Xavier e pela expressão dele, percebeu que fora novamente uma de suas brincadeiras e dessa vez de muito mau gosto.

— Você me paga! E seus olhos faiscaram de ódio.

Ignorou-o o resto da viagem e não conseguiu mais pregar os olhos.

Chegaram cedo à bela cidade.  Atordoados pelas horas de vôo passaram pela imigração e começaram a percorrer os intermináveis corredores do grande aeroporto.

Helena, ao ver banheiros, disse ao marido.

— Vou entrar e aproveitar para lavar o rosto e refazer a maquiagem.

— Também vou aproveitar para ir ao banheiro.

Helena entrou, mas saiu logo em seguida e apressou-se a andar pelo longo corredor.  Trazia apenas a mala de mão.  Sentia-se segura diante do desafio de percorrer a grande distância até a saída.  Dominava bem o francês e a qualquer imprevisto, conseguiria se comunicar com alguém. Foi seguindo as indicações e chegou ao saguão do aeroporto, onde parou por um momento e pesquisou hotéis pelo celular.  Ligou para um que lhe agradou e conseguiu uma reserva em um que adorou.  Considerado um dos mais luxuosos de Paris, ficava em um dos pontos mais emblemáticos da cidade.  Chamou um táxi e pediu ao motorista;

— Hotel Du Louvre, s’il vous plait!

Durante o percurso, reservou um almoço no L’Oiseau Blanc, considerado um dos melhores restaurantes parisienses e onde se podia desfrutar uma vista deslumbrante da cidade.

No aeroporto, Xavier saiu do banheiro e postou-se à porta para esperar pela mulher.  Os minutos foram passando e nada de Helena.  Começou a ficar preocupado.  Consultou o relógio e constatou que a estava esperando já há quase trinta minutos.  Pediu, então, a uma senhora da limpeza, que verificasse por que ela estava demorando tanto.  Ela entrou e voltou dizendo que não havia nenhuma Helena no banheiro.

Xavier controlou-se para não se desesperar.  Percorreu quase correndo os longos corredores e chegou ao lugar de resgatar as malas, que pareciam que nunca iam aparecer nas esteiras.  Tenso, apanhou-as e foi para a entrada do aeroporto.  O que poderia fazer agora?  Tinha tentado ligar várias vezes para a mulher sem sucesso.

Enfim o celular tocou.  Era ela.

— Helena, o que aconteceu? Onde você está?

— Não aconteceu nada, querido?  Estou no Hotel Du Louvre.  É um hotel maravilhoso, daqueles que se vê em filmes.

— O que!  Mas não foi esse o hotel que reservei.

— Ah! Mas este é o que sempre sonhei em me hospedar.  Luxuoso e fica em um lugar privilegiado.

— Você enlouqueceu.  Sabe quanto custa uma estada em Paris. Uma fortuna! E um hotel luxuoso é impagável.

— Não adianta reclamar.  Vem pra cá.  Você vai adorar. Respondeu irônica.

Nervoso e furioso, Xavier chamou um táxi.  Ao chegar, quase perdeu o fôlego ao se deparar com o imponente hotel. Na recepção informou-se onde sua mulher estava.  Acompanhado por um funcionário, que lhe levava as malas chegou ao quarto.  Helena abriu a porta, sorridente, com uma taça de champanhe na mão.

— O que está acontecendo com você? Ficou louca? Ele disparou.

— Nunca estive tão lúcida! Respondeu, fechando a porta atrás dele.

— E tem mais! Reservei um almoço no L’Oiseau Blanc. É um dos restaurantes mais tops desta cidade linda.

— Não acredito! Não sou o Bill Gates!  O que te deu?

— Você conhece o ditado: Um dia é da caça, o outro é do caçador.

— É uma vingança por que brinquei com você! Disse, cuspindo as palavras.

Não, não é! Uma vingança é para o mal de alguém. Estar num hotel magnífico e desfrutar das iguarias francesas em um restaurante estrelado é tudo de bom.

Xavier estava pálido.  Sentiu o estômago contorcer-se dentro dele e com uma repentina ânsia correu para o banheiro.

Helena aproximou-se da janela e admirou a romântica cidade, que lânguida se abandonava ao céu ensolarado da primavera.  Levantou a taça com um sorriso vitorioso.

— Santé Paris! Exclamou.

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

“... que seja infinito enquanto dure” - Hirtis Lazarin

 



 “... que  seja  infinito  enquanto  dure”

Hirtis Lazarin

 

Vanda não tem preguiça.  Levanta cedinho, na ponta dos pés pra não acordar o esposo nem o filho. Prepara o café da manhã com todo o requinte como se cada dia fosse especial.

Ela se casou com o príncipe que desenhou na adolescência.  A beleza física do amado não era o mais importante. Tinha que ser superada pelos atributos de um cavalheiro educado e cortês. Nada econômico na distribuição de carinho.

 Encontrou Arpígio.

Moça romântica e apaixonadíssima gritava pra quem quisesse ouvir: juntos escalaremos a mais alta montanha; juntos atravessaremos mares revoltos; Juntos construiremos uma linda história de amor.  E, realmente, criaram um filho na mais perfeita harmonia.

Vanda, dona de casa organizada, caprichosa e criativa na cozinha. O dia  era curto pra tantos afazeres, mas o acúmulo de tarefas e a monotonia da rotina diária enchiam-na de prazer. Esperava o marido para o jantar sempre com uma novidade culinária.  Ele, pontualíssimo, não atrasava nem segundos. 

Arpígio cumpria horários rigorosos de segunda à sexta-feira: saía para o trabalho às nove horas da manhã e retornava às dezoito e trinta. Ligava pra casa três vezes ao dia, sempre preocupado com o bem- estar de todos. Os finais de semana e feriados eram dedicados à família.

Uma linda história de amor!

Filho já criado, a casa bem planejada e construída com esmero em cada detalhe, economias guardadas, tudo para uma aposentadoria de desfrutes e realização de outros sonhos.

Malas prontas para a primeira viagem internacional do casal, destino Paris.  Muita ansiedade, as horas não passam, horário do voo consultado vezes e vezes, lista pronta dos melhores restaurantes e cafeterias da “Cidade Maravilhosa”, roupas escolhidas a dedo, para um inverno rigoroso. E todos os documentos conferidos e conferidos.

Véspera do embarque.  O filho e esposa chegam à casa dos pais pra despedida. Beto toca a campainha mais que três vezes; bate na porta com força;  ninguém aparece. Espia o interior da casa pela vidraça da janela lateral; luzes acesas; não vê ninguém.

Esquisito. Falou com o pai antes do almoço e avisou que passaria por lá ao final da tarde.

Ele tem a cópia da chave da cozinha. Entra “muiiito” preocupado. Chama pelo pai, pela mãe e ninguém responde... Faz um “tour” pela casa e encontra Vanda descordada e caída sobre o tapete do quarto. Está inconsciente. O rapaz toma-lhe o pulso e ela respira com dificuldade.

Pouco tempo depois, o mais rápido que conseguiu em meio ao trânsito confuso, chegam ao hospital.  Depois de uma sequência de exames, horas e horas de observação, o médico constata que é gravíssimo o estado da paciente.

Desesperado, liga ao pai uma, duas, três, quatro vezes.  Só cai na caixa postal.  Tudo muito estranho.  Depois de aposentado, não deixava a esposa sozinha.  Que ele soubesse...

Já é de madrugada quando Arpígio chega ao hospital. A reação dele não é a que se esperava, mas o momento não é para explicações. É rezar e confiar em Nossa Senhora de Fátima, a queridinha da mãe em todas as horas de apuro e aflição. Incontáveis vezes, Beto encontrou-a ajoelhada no quarto, rezando e acendendo velas aos pés da santa de fé.

 Vanda recuperou os sentidos, mas não conseguiu mais falar.  Seus olhos redondos e arregalados transmitiam ódio.  A língua enrolada balbuciava sons ininteligíveis. Quando os mais próximos tentavam decifrar, percebia-se sua irritação, sua raiva por não se fazer entender. Momentos de angústia e muito sofrimento.

 O pai, o tempo todo,  inquieto e em silêncio, não  deixava transparecer os sentimentos. Parecia indiferente ao estado doloroso da mãe.  Uma personalidade que Beto desconhecia. Onde estava o esposo amoroso e dedicado?  Até exagerado, em situação de doenças passageiras. Aquele não era o esposo de Vanda...

Arpígio saía do quarto sem falar nada, parava na cantina e se enchia de café.  Não se lamentou nem chorou uma única vez.

Beto tentou arrancar-lhe alguma coisa sobre aquele dia, véspera da viagem, Nada conseguiu.

E, uma semana depois, pra muita tristeza, a mãe faleceu.

Apaixonada pela vida, Vanda sempre foi muito cuidadosa com a saúde.  O casal fez um “check up “ tão logo decidiram viajar e tudo estava sob controle.

“É...  pra morrer, basta estar vivo” – Como dizia minha querida e saudosa avó.

Arpígio ficou recluso durante uma semana. Após a missa do sétimo dia, a família se reuniu.

Beto aconselha o pai a vender o apartamento e morar com o casal.  Além da economia mensal, o netinho de quatro anos preencheria um pouco o vazio deixado pela esposa.  Sabia que não seria fácil pra ele viver só, depois de uma vida de  quarenta anos juntos.

O pai ouviu atento o conselho. Fechou a cara, pensou um pouco, cerrou as sobrancelhas e, pausadamente, pronunciou palavra por palavra o que pretendia fazer:

“Nada disso! Vou refazer minha vida. Isabel vem morar comigo. Ela é minha amante há mais de dez anos. Eu a amo mais que tudo nesta vida”.

Último Pileque - Helio Salema

 



Último Pileque

Helio Salema

 

Ana Helena, minha vizinha e amiga de infância, na década de 50, me envia um convite para a festa de sua formatura de Segundo Grau. Dia 04 de dezembro de 1965. Fiquei muito contente e emocionado. Quase 10 anos passaram e ela ainda se lembrou de mim. Sempre brincávamos com as outras crianças na rua. Na sua casa quando éramos só nós os disponíveis naquele momento. Sua mãe sempre fazia pipoca, além de outras guloseimas.

Até que seu pai, que era bancário, foi transferido para outra cidade, também no interior do Estado. Depois poucas vezes eu a vi. Lembro de eles terem vindo no casamento de um amigo do seu pai. Eles foram até lá em casa e conversamos por alguns minutos. Ela já demonstrava feições bem diferentes, já era uma mocinha. Não sei se seria capaz de reconhecê-la agora.

O melhor meio de transporte, para quem não tinha automóvel, era o trem Maria Fumaça, que ligava várias cidades naquela época. Às 20:30 horas peguei o trem, depois de me arrumar, impecavelmente. Terno, gravata e camisa social branca, além do tradicional sapato preto.

Cheguei ao local da festa pouco depois das 22. Havia poucas pessoas e ninguém conhecido.

Por algum tempo fiquei preocupado, olhando atentamente para ver se reconhecia minha amiga. Muitas pessoas chegando juntas, quando me assustei com ela, que pelas minhas costas chegava e me chamou pelo nome. Virei e a vi junto com seus pais e um rapaz que ela me apresentou como seu noivo. Todos ficaram surpresos e contentes com a minha presença. A mãe dela disse que foi a primeira pessoa a me reconhecer.

A festa foi uma maravilha. A dança da valsa, em que ela primeiro dançou com o pai, depois com o noivo. Convidou-me para dançar a última. Como não podia deixar de acontecer. Acabou ao som de um carnaval sensacional. Era quase 5 cinco horas quando me despedi deles. Também de algumas amigas dela que me proporcionaram horas de agradáveis companhias, inclusive a irmã do noivo.

Saí apressado em direção à estação, mas perdi o trem. No quadro de horário indicava que o próximo sairia às 8 horas. Mas o pior era o vento frio. Naquela serra parecia que o verão dera lugar ao retorno do inverno. Olhei em volta e não vi nenhum comércio aberto, nem boteco.

Fiquei caminhando na plataforma da estação, tentando me aquecer, sem solução.

Algumas pessoas que, provavelmente estavam na festa, vinham caminhando pelo meio da rua. Cantavam e riam como não querendo ver a realidade do fim da festa. Notei que um rapaz carregava uma garrafa que parecia ser de vodca. Fui ao encontro deles. A garrafa estava pelo meio.

Perguntei se ele me vendia, pois estava com muito frio. Ele riu e disse que custava cem vezes o que eu tinha no bolso. Respondi que mesmo que tivesse seria pouco pela minha necessidade e esperança de aquecer. Ele tomou uma golada, riu e me passou a garrafa. Saiu dizendo:

— Bom proveito.

Agradeci, mas creio que ele nem ouviu. Voltei para a estação e procurei um lugar mais afastado para ficar sem ser perturbado. Encontrei um banco ao lado do prédio, onde poderia ficar longe dos curiosos. Bem acomodado, em pequenos goles fui aos poucos espantando o frio do meu corpo. Já um pouco aquecido e cansado, senti a presença do sono. Não tive dúvidas. Tomei uma dose dupla ou tripla, deitei no banco, com preocupação de proteger bem a garrafa já quase vazia, para não desperdiçar o restante que ainda poderia ser útil. Também evitar que alguém tentasse pegá-la.

Os raios de um sol maravilhoso, que tantas vezes curti e me deram a gostosa sensação de que nascera um novo e promissor dia o sentia em todo o meu corpo, só não conseguia abrir os olhos. A boca amargava, o estômago parecia embrulhado em papéis sujos de todas as porcarias que havia no mundo. Numa rapidez de uma vaca estourada, começaram a sair. Firmei as mãos no banco. Talvez tenha perdido os sentidos. Lembro de que olhando para o chão vi a garrafa, intacta. Menos mal. Ninguém por perto. Melhor ainda. Alguns respingos de sujeira nas mangas do paletó.

Levantei e fui lentamente, em direção ao banheiro. Alguém entrava. Esperei até que saísse. Chegando à porta certifiquei de que não havia outra pessoa.

Rapidamente, lavei as mãos e o rosto. Mesmo não tendo espelho, tentei ajeitar o cabelo. Consegui limpar os respingos do paletó.

Fui andando até o bar da estação. Preocupado com minha aparência. Não deveria estar ruim, pois não houve nenhuma reação desagradável da parte da moça que me atendeu. Bebi a água aos poucos. O relógio na parede marcava 08:40. Perdi o trem outra vez. O próximo só às 13:40h. Agora não adiantava ter pressa. Sentindo que passaria ali uma boa parte do domingo, saí e fui caminhando. O estômago parecia estar recuperado. Pois solicitava algo, desta vez, mais adequado, para satisfazê-lo. Não demorei a ver um bar que parecia agradável e confortável, tinha mesas com cadeiras. Depois de um misto quente com Coca-Cola degustados, com muita calma, me senti vivo e bem-disposto novamente. Informaram-me que antes do trem só indo para a estrada tentar uma carona. Coisa que nunca tinha feito, parece que isso demonstrei, ao ouvir que não era difícil. Com sorte poderia conseguir em pouco tempo. A palavra “Sorte” me desanimou um bocado. Lembrei que estava sem escovar os dentes há muitas horas. Talvez ainda com um pouco de bafo da vodca. Comprei um pacote de biscoitos que poderia ser útil na viagem e um drops Dulcora para melhorar a boca. Como ninguém sugeriu outra solução, agradeci desejando um bom domingo a todos. Responderam com boa viagem, sem mencionar a palavra “Sorte”.

Na estrada, carros e caminhões a toda hora. Poucos pararam, mas não passavam pela minha cidade. Vi ao longe uma Rural Willys verde e branca, assim que acenei parecia que ia diminuindo a velocidade. Apreensivo fui ficando cada vez mais à medida que se aproximava.

Um casal na frente e alguém no banco de trás que não consegui identificar. Passou por mim e parou alguns metros à frente. Fui pelo lado do motorista e perguntei se passava pela minha cidade e se poderia me dar uma carona.  Muito sério respondeu que sim e que poderia entrar atrás. Por um instante fiquei inseguro, não sei porquê. Foi quando ele repetiu que podia entrar. Então abri a porta com um pouco de dificuldade, era a primeira vez que abria a porta traseira de uma Rural. Ao entrar percebi que no outro canto havia uma moça. Cumprimentei e pedi licença, respondeu sem me olhar. Tranquei a porta.

 Por alguns minutos a viagem transcorreu em silêncio. Quebrado pela senhora que me perguntou seu eu fui à festa de formatura. Respondi que sim.  Bateu um medo enorme. E se perguntassem o porquê eu não tinha ido nos dois trens que passaram. Pensei em várias respostas que não me comprometessem.

Resolvi falar que fui convidado por uma antiga amiga, Ana Helena. A senhora virou-se para trás e perguntou à filha se a conhecia, que respondeu, afirmativamente. 

Surpreendentemente, olhou para mim e disse que ano que vem será a formatura dela. Pensei “ meu Deus, tudo de novo? Não. Nesta cidade não quero voltar nunca mais. ”

Meu silêncio foi interrompido quando ela perguntou se eu gostava de festa. Respondi que sim.

Ela me olhando descreveu em detalhes a festa que há anos ela ajuda. Seria no próximo sábado. O intuito é arrecadar para compra de brinquedos para o Natal de crianças pobres.

Reparei nos olhos azuis tão lindos como o mar que eu tanto admiro quando vou à praia. Sempre de frente para ela lembrei do drops Dulcora. Ao oferecê-lo, ela aceitou com um sorriso que provocou um tsunami em mim. Todo o meu corpo, instintivamente, reagiu ao esplendor daquela boca, que como uma obra de arte, contrastava o vermelho dos lábios e a pele branca.

A voz como o som de um violino, suave e magistralmente tocado. Cada palavra que penetrava nos meus ouvidos atingia a alma jovem e esperançosa, que algumas horas antes se sentia no purgatório.

Creio que o pai ouvindo nossa conversa transformou a Rural num helicóptero, que num instante aterrissou na entrada de minha cidade. Despedi dos pais dela agradecendo pela carona. Ao me despedir, DELA, senti como sua mão suave estava bastante aquecida. Bem baixinho perguntei:

 

— Seu nome?

—Helena. E o seu?

— Cláudio.

  Sem pensar disse:

— Até sábado.

Com um sorriso e dois olhos fumegantes! Respondeu.

— Sim, até sábado.

Como um cachorro que sabe que vai ser preso, mesmo assim, segue a direção que o dono manda, peguei o trem pela manhã. Quando aproximava da estação vi a praça com várias barracas.

Desci e fui naquela direção. Passei por duas ou três, logo a vi dentro de uma delas. Por instinto ou transmissão de sentimento ela se vira e ao me ver explode num sorriso. Eu não me continha de tanta emoção. A amiga mais próxima dela percebe e olha na minha direção, cochicha no ouvido dela e sai sorrindo. Dando a entender que sabia o que estava para acontecer.

Conversamos por poucos minutos, quando aquela amiga chega e pede para ela ir até uma certa casa pegar algo. Ao chegarmos na tal casa ela entrou. Quando saiu disse-me que já tinham levado. Fiquei desconfiado de que era uma boa armação para ficarmos sós.

Na volta ao passarmos perto da praça a convidei para sentarmos. Aceitou e deixou escapar um sutil sorriso. Pronto, a desconfiança cedeu lugar a certeza. Falamos sobre como foi a nossa semana. Ansiedade para saber se iríamos nos encontrar dominou a conversa. Quando ela disse que naquela noite ficou muito tempo acordada pensando em mim, não resisti. As bocas silenciosamente se comunicaram. O mundo parou. A vida parou.  Aliás, tudo parou.

Um novo mundo, uma nova vida e uma nova história começava.

 

Hoje é dia de Finados, como sempre nos últimos anos. Voltei àquela cidade.

Desta vez meu filho estava junto. Não por vontade, mas pela minha insistência e a presença da namorada, que conseguiu convencê-lo. Fomos ao cemitério, como de praxe e não poderíamos deixar de ir. Na saída sugeri darmos uma volta para Stefanni conhecer a tão falada pequena, mas cativante cidade a que eu sempre me referia.

Parei o carro na praça, descemos e vimos que estava bem cuidada. Ao passarmos por um conhecido banco, parei e falei:

— Meu filho, aqui eu e sua mãe começamos a namorar.

Todos riram. Minha esposa aproveitou para sugerir que fôssemos também à igreja em que casamos. Lembrou que pretendemos fazer uma festa no próximo ano, quando completaremos 25 anos de casados.

A igreja estava muito bem conservada. Passamos pelo colégio que embora reformado, com aparência de novo, minha esposa não gostou. Para ela a quadra, embora necessária, prejudicou a beleza do prédio. Por sugestão minha fomos até a estação do trem. Desativada há muitos anos, mesmo assim continuava como eu sempre a conheci. Stefanni ficou fascinada com a “janelinha”, segundo ela, onde eram vendidos os bilhetes. Conduzi todos ao outro lado.

Chegando foi a minha vez de ficar surpreso e fascinado. Aquele banco ainda estava lá. Parecia que fora pintado há poucos dias.

Decidi contar com todos os detalhes o que ocorreu ali. Meu segredo bem guardado, só então revelado.  Minha esposa ficou espantada tanto quanto os demais. Jamais pensaria que coisa semelhante poderia ter ocorrido. Completei dizendo que tudo aconteceu poucas horas antes de conhecer o grande amor da minha vida. Resolvi revelar outro segredo. Naquele dia quando cheguei em casa.

“Jurei que esse seria meu último pileque, pois com certeza o raio da sorte não cai duas vezes na mesma pessoa”

FIM INESPERADO - Henrique Schnaider




FIM INESPERADO

Henrique Schnaider

 

Claudio era o tipo do homem sem vergonha, pessoa sem carácter, não merecia a mulher com quem se casou. Mentiroso contumaz, dado a aventuras baratas com mulheres descompromissadas, e elas estando com ele juntavam-se a corda e caçamba.

Sueli uma santa mulher, casou-se com o safado, seu primeiro namorado. Inocente, pura, acreditando que Cláudio era o melhor marido do mundo e que chegava tarde da noite, apenas por excesso de trabalho. Enquanto isso, o sujeito estava na gandaia deitando e rolando.

A ingênua da esposa estava sempre disposta a acreditar nas deslavadas mentiras que o vigarista contava. Lorotas que corriam as pessoas só de ouvir o lero-lero do picareta. Que não tinha nenhum problema de consciência ao enganar Sueli descaradamente. Sueli era mesmo do tipo do que me engana que eu gosto.

Enquanto isso, o irresponsável do Claudio ao chegar tarde todas as noites já nem se preocupava em arranjar desculpas muito bem elaboradas e contava as mais esfarrapadas mesmo. Assim a vida ia tomando o seu rumo diário, sem novidades na vida do casal. Ele sempre com novas aventuras e se esforçando para acreditar no vigarista.

Claudio tinha tanta sorte que ao chegar em casa com aquela cara de santo do pau oco, ainda Sueli, na maior boa vontade, se levantava da cama e muito prestativa era toda atenção e carinho com o marido. Preparava o prato dele de comida e sentava-se para ouvir as balelas do falastrão desavergonhado.

Como o sujeito tinha uma coleção de amantes e nem todas agiam da mesma maneira. Algumas não se conformavam em ser a segunda da fila e com isso davam um jeito de descobrir o telefone da casa dele e assim, Sueli começou a receber telefonemas anônimos persistentes contando para ela que o marido não era fiel.

Sueli dentro da sua inocência, começou a criar minhocas na cabeça e já não se sentia tão confortável. Começou a desconfiar que o marido não era o companheiro que merecia todo aquele amor e carinho que ela lhe dedicava.   Muito pelo contrário. Depois de uma conversa com a mãe que era uma sogra para valer e sempre desconfiou do Claudio, resolveu tomar uma atitude.

Contratou um detetive para investigar as escapulidas do Claudio e a sujeira veio toda à tona, pois Claudio ignorava a mudança de atitude da mulher e continuava suas farras. O investigador lhe mostrou fotos e gravações que deixaram a esposa furiosa e dessa forma começou a pensar numa vingança que doesse fundo no marido.

Sueli pegou no ponto fraco de todos os homens, ou seja, o fato de ser traído, o que mexe com o ego e os brios, e ainda mais Claudio que se achava o tal e que tinha a mulher no bolso do colete. Assim ela mudou de atitude e saiu também em busca de aventuras e para uma mulher vistosa e bonita, foi muito fácil e logo já estava envolvida.

Só que Sueli queria que o marido desconfiasse e jogou abertamente e deu todas as dicas para Claudio desconfiar, e ficar com um incômodo na cabeça. Ele parou com as aventuras e começou a seguir as escapadas da Sueli, que saiu de casa sabendo que o esposo a estava seguindo. Encontrou o suposto amante e foram para o motel.

Claudio furioso quebrou a porta do quarto e pegou a mulher em pleno ato libidinoso. Ele começou a gritar desesperado e falou poucas e boas para Sueli e ameaçou agredir o amante. A esposa olhou de forma fria para o marido e falou dura e seca. Meu caro você me traiu inúmeras vezes e ainda vale o velho ditado” Quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

Fim do casamento e Claudio saiu no prejuízo, pois perdeu uma mulher que era uma santa para ele e ganhou a fama de cornudo perante as pessoas. Já que o escândalo foi enorme e o arrependimento que veio, foi tarde demais.

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...