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quinta-feira, 30 de setembro de 2021

FIM INESPERADO - Henrique Schnaider




FIM INESPERADO

Henrique Schnaider

 

Claudio era o tipo do homem sem vergonha, pessoa sem carácter, não merecia a mulher com quem se casou. Mentiroso contumaz, dado a aventuras baratas com mulheres descompromissadas, e elas estando com ele juntavam-se a corda e caçamba.

Sueli uma santa mulher, casou-se com o safado, seu primeiro namorado. Inocente, pura, acreditando que Cláudio era o melhor marido do mundo e que chegava tarde da noite, apenas por excesso de trabalho. Enquanto isso, o sujeito estava na gandaia deitando e rolando.

A ingênua da esposa estava sempre disposta a acreditar nas deslavadas mentiras que o vigarista contava. Lorotas que corriam as pessoas só de ouvir o lero-lero do picareta. Que não tinha nenhum problema de consciência ao enganar Sueli descaradamente. Sueli era mesmo do tipo do que me engana que eu gosto.

Enquanto isso, o irresponsável do Claudio ao chegar tarde todas as noites já nem se preocupava em arranjar desculpas muito bem elaboradas e contava as mais esfarrapadas mesmo. Assim a vida ia tomando o seu rumo diário, sem novidades na vida do casal. Ele sempre com novas aventuras e se esforçando para acreditar no vigarista.

Claudio tinha tanta sorte que ao chegar em casa com aquela cara de santo do pau oco, ainda Sueli, na maior boa vontade, se levantava da cama e muito prestativa era toda atenção e carinho com o marido. Preparava o prato dele de comida e sentava-se para ouvir as balelas do falastrão desavergonhado.

Como o sujeito tinha uma coleção de amantes e nem todas agiam da mesma maneira. Algumas não se conformavam em ser a segunda da fila e com isso davam um jeito de descobrir o telefone da casa dele e assim, Sueli começou a receber telefonemas anônimos persistentes contando para ela que o marido não era fiel.

Sueli dentro da sua inocência, começou a criar minhocas na cabeça e já não se sentia tão confortável. Começou a desconfiar que o marido não era o companheiro que merecia todo aquele amor e carinho que ela lhe dedicava.   Muito pelo contrário. Depois de uma conversa com a mãe que era uma sogra para valer e sempre desconfiou do Claudio, resolveu tomar uma atitude.

Contratou um detetive para investigar as escapulidas do Claudio e a sujeira veio toda à tona, pois Claudio ignorava a mudança de atitude da mulher e continuava suas farras. O investigador lhe mostrou fotos e gravações que deixaram a esposa furiosa e dessa forma começou a pensar numa vingança que doesse fundo no marido.

Sueli pegou no ponto fraco de todos os homens, ou seja, o fato de ser traído, o que mexe com o ego e os brios, e ainda mais Claudio que se achava o tal e que tinha a mulher no bolso do colete. Assim ela mudou de atitude e saiu também em busca de aventuras e para uma mulher vistosa e bonita, foi muito fácil e logo já estava envolvida.

Só que Sueli queria que o marido desconfiasse e jogou abertamente e deu todas as dicas para Claudio desconfiar, e ficar com um incômodo na cabeça. Ele parou com as aventuras e começou a seguir as escapadas da Sueli, que saiu de casa sabendo que o esposo a estava seguindo. Encontrou o suposto amante e foram para o motel.

Claudio furioso quebrou a porta do quarto e pegou a mulher em pleno ato libidinoso. Ele começou a gritar desesperado e falou poucas e boas para Sueli e ameaçou agredir o amante. A esposa olhou de forma fria para o marido e falou dura e seca. Meu caro você me traiu inúmeras vezes e ainda vale o velho ditado” Quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

Fim do casamento e Claudio saiu no prejuízo, pois perdeu uma mulher que era uma santa para ele e ganhou a fama de cornudo perante as pessoas. Já que o escândalo foi enorme e o arrependimento que veio, foi tarde demais.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

AS FLORES - O PILEQUE - LEON ELIACHAR - Uma pitada de humor

 

Nos  dois textos abaixo, ambos de Leon Eliachar, temos uma pitada de humor no desfecho. 

Vejam que o humor oferece ao leitor um tipo de emoção capaz de reter o texto no subconsciente do leitor. 

E é sobre esse assunto que falaremos em nosso encontro de 23 de setembro 21. Sugiro que pesquisem sobre o autor e sobre sua literatura.




As flores  -  Crônica de Leon Eliachar


Há dois meses que Iracema recebia flores, sem cartão. Colocava tudo nas jarras, vasos, copos; mesas, janelas, banheiro e até na cozinha. Quando o marido lhe perguntava por que tantas flores, todos os dias, ela sorria:

— Deixe 
de brincadeira, Epitácio.

Ele não percebia bem o que ela queria dizer, até que um dia:

— Epitácio, acho bom você parar 
de comprar tanta flor, já não tenho mais onde colocar.

Foi aí que ele compreendeu tudo:

— O quê? Você quer insinuar que não sabia que não sou eu quem manda essas flores?

Foi o diabo, ela não sabia explicar quem mandava, ele não conseguia convencê-la 
de que não era ele.

— Um 
de nós dois está mentindo — gritou, furioso. 

— Então é você — rebateu ela.

No dia seguinte, 
de manhã, ele decidiu não sair, pra desvendar o mistério. Assim que as flores chegassem, a pessoa que as trouxesse seria interpelada. Mas não veio ninguém:

— Já são duas horas da tarde e as flores não chegaram Epitácio. É muita coincidência. 
Vai me dizer que não era você. 

Ele não tinha por onde escapar. Insinuou muito 
de leve que a mulher devia ter conhecido alguém na sua ausência. Ela chegou a chorar e se trancou no quarto. A discussão entrou pela noite até o dia seguinte. Epitácio saiu cedo, sem mesmo tomar café. Bateu a porta com força e levou o mistério para o trabalho. 

Meia hora depois, a mulher saiu e foi ao florista.

— Como vai, Dona Iracema? A senhora ontem não veio, hein? Aconteceu alguma coisa?

À noite, Epitácio viu as flores e não disse uma palavra, mas a mulher não parou:

— Seu cínico. Bastou você sair para as flores aparecerem e ainda tem coragem 
de dizer que não foi você.

Nessa noite ele teve insônia.


Texto extraído do livro "O homem ao zero", Editora Expressão e Cultura – Rio 
de Janeiro, 1968, pág. 275.



O Pileque – Crônica de Leon Eliachar

Airton saiu da boate cambaleando, não viu quando um automóvel quase o pegou. Não viu, mas ouviu:

– Sai da frente, ó palhaço!

Riu sozinho, porque nem levou susto. Olhou para o alto, viu uma porção de janelas iluminadas, como se fossem manchetes da solidão que domina Copacabana, às quatro da madrugada. Queria ir pra casa, mas não se lembrava onde morava. Seus amigos quiseram colocá-lo num táxi:

– Deixa que sei ir sozinho.

Veio andando, andando, sem rumo certo, duas moças o abordaram:

– Está sem sono, meu bem?

Airton disse um palavrão, ouviu dois, saiu resmungando, esbarrou num guarda:

– Tem fogo aí, o meu chapa?

O guarda acendeu seu cigarro, aproveitou pra filar um, tentou puxar um papo, mas Airton preferiu continuar andando. Agora o dia já estava clareando, o sol vermelho esticava as sombras de algumas pessoas que começavam a sair e ele ainda nem tinha voltado. Sentou-se no degrau de um edifício, chegou um homem pra reclamar, dizendo que era contra o regulamento. Airton achou graça do regulamento, porque o homem era um lavador de automóveis e estava complemente nu. Levantou-se, sem discutir, levou de sobra os respingos da mangueira, mas não perdeu a pose:

– Quanto é a lavagem?

Continuou andando, entrou num boteco:

– Média, pão e manteiga.

Comeu devagarinho, pagou, misturou-se com a multidão de homens e mulheres apressados que tentavam condução para o trabalho. Sentiu-se diferente dos outros, quis ficar com pena deles, mas acabou com pena de si mesmo, quando percebeu que estava com um dia de atraso: os outros já estavam vivendo o dia seguinte e ele ainda estava no ontem.

– Táxi! Táxi!

Saltou na porta de casa, decidido de que este seria o seu último pileque. Abriu a porta com cuidado, entrou devagarzinho, sem fazer o menor ruído. A mulher já estava na cozinha, preparando o café das crianças:

– É você, Airton?

Não teve outro jeito:

– Sou eu. Tive de fazer serão novamente, acabei num bar com os amigos, juro que foi a última vez, meu bem.

A mulher não disse uma palavra, deu-lhe um copo de leite:

– Acho bom você dormir um pouco, deve estar muito cansado.

Ele passou pelo quarto dos meninos, deu um beijo na testa de cada um. O menorzinho acordou, bocejando:

– Você já vai trabalhar, papai?

Sentiu vergonha de ser marido, de ser pai, de ser chefe de família. Retirou-se para o seu quarto, vestiu o pijama, cerrou as cortinas, para que a escuridão envolvesse o seu drama. Ficou pensando em Nina, sua amante, comparou-a com a mulher. Há três anos que a conhecera e há duas semanas que havia decidido romper, definitivamente, para salvar o seu lar. Mas não conseguia esquecê-la, daí ter apelado para a bebida. Saia sozinho, todas as noites, voltava de madrugada, não sabia sequer se a mulher aceitava suas desculpas ou se o aceitava assim mesmo como era, porque o amava muito. Não conseguia dormir, não conseguia trabalhar, não conseguia mais nada. Deitava-se às oito da manhã, levantava-se as duas. Há quinze dias não almoçava nem jantava em casa e sua família não merecia isso. No escritório, resistia a tentação de uma reconciliação com “a outra”:

– Diz que não estou.

À noite era um desajustado, um homem incompatibilizado consigo mesmo, tentando lavar com a bebida um passado ainda recente. Entrava nas boates, juntava o seu drama a outros dramas semelhantes, na efervescência do álcool. Todos sorriam, mas ninguém levava o sorriso pra casa. Pior que o cansaço, a insônia. Levantou-se, trocou novamente de roupa, foi tomar café com a mulher:

– Você não vai dormir, meu bem?

Sentiu-se forte com a doçura e a compreensão da mulher:

– Não tenho sono, preciso decidir um negócio muito importante hoje.

Tomaram café, ele saiu apressado. À noite, trouxe balas para os filhos e flores para a mulher. Jantaram juntos, com luz de vela. De madrugada, ao lado de seis garrafas de champanha vazias, os dois estavam caídos, também vazios. Acordaram quase juntos, com o primeiro raio de sol. Ela apertou sua mão, com um sorriso feliz, ele disse, sem virar o rosto do chão:

– Meu Deus, já é dia claro, tenho de voltar pra casa!

 

terça-feira, 21 de setembro de 2021

A CARTOMANTE - Alberto Landi

 


A CARTOMANTE

Alberto Landi

 

Caterina, recém-casada e ainda desfrutando da lua de mel, foi surpreendida com uma notícia bem triste.

O casal foi separado quando irrompeu a Segunda Guerra, e ele é enviado para o fronte de batalha na Sicília. Não havia alternativa   para dizer não diante da convocação.

Ele se foi entre prantos e soluços.

Caterina, desesperada saiu à procura de uma cartomante, que por sinal, era muito famosa, que atende com hora marcada, com pagamento adiantado e de um valor bem considerável.

Ela foi cordialmente recepcionada pela mesma numa sala em um ambiente à meia luz.

— O que deseja saber minha jovem?

— O meu esposo foi convocado para a guerra no fronte, e eu gostaria de saber se ele vai retornar! Por favor, veja nas cartas e na quiromancia o que dizem.

A cartomante começou a fazer seus ensaios, como de praxe fazia com outros clientes. Jogou as cartas, olhou... analisou...pensou... repensou...

Caterina continuava apreensiva e desesperada.

— Por favor, fale logo, pelo amor de Deus!

— Minha jovem, não é meu hábito falar aos meus clientes o que as cartas e a quiromancia me dizem. É isso que me difere das outras cartomantes que existem por aí.

— Você pode aguardar na sala ao lado, que a minha secretária te levará por escrito o resultado da consulta.

 Caterina foi para outra sala, um tanto angustiada. Recebeu o envelope pela secretária e não se contendo de tanta curiosidade e desespero leu o conteúdo.

— Graças ao bom Deus, pelas boas notícias!

 A mensagem dizia:  Irás Voltarás Nunca Morrerás

Passou muito tempo, um ano se foi e a guerra se findou. Passaram-se mais dias e nada do soldado retornar.

Caterina voltou à casa da cartomante, furiosa, esbravejando, disposta a tudo.

— Calma minha jovem, calma.

— Como calma? Você disse que meu marido voltaria, onde está ele? Paguei um valor considerável e tudo que foi dito era mentira.

— Calma, deixe-me ver o papel.

— Olhe aqui!

Irá  Voltará   Nunca Morrerá

A sábia e matreira  cartomante leu e explicou:

— Minha jovem, não te enganei.

— Como não?

— A minha secretária esqueceu de colocar a pontuação no pequeno texto. Veja;

Irá Voltará Nunca Morrerá

O correto é:

Irá. Voltará? Nunca. Morrerá!

MADAME SORAYA - Leon Vagliengo

 



MADAME SORAYA

Leon Vagliengo

 

        Mario conheceu Maria em Fátima, Portugal, num dia treze de maio, na festa de comemoração do dia da aparição de Nossa Senhora. Ambos muito devotos à Santa e ambos com vinte e cinco anos, comemorados também naquele dia. Não foram atributos de beleza que os atraíram; não eram feios nem bonitos, mas a simpatia e a bondade de Maria logo cativaram Mario, assim como a gentileza e o carinho de Mario logo cativaram Maria.

        Aquela amizade resultou em casamento um ano depois, realizado exatamente no dia treze de maio, data escolhida simbolicamente por ambos. Não tiveram filhos, mas viveram felizes, muito felizes, por treze anos, quando Maria, desgraçadamente, veio a falecer, ainda jovem, aos trinta e oito anos, acometida por um enfarte fulminante.

        A perda de sua esposa, companheira e amiga de todos os momentos, deixou Mario completamente perdido, não sabia mais como viver sem ela. Sentia-se muito só, frequentemente sonhava com Maria; mas sempre a via morta, sua imagem imóvel, sua tez muito pálida, seus lábios arroxeados. Eram pesadelos terríveis, acordava molhado de suor, chorando, em desespero.

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        Ao longo de quase treze anos esses pesadelos foram rareando por artes protetoras de sua mente. Mario foi se conformando, a vida encontrou seus trilhos; mas continuava infeliz, sempre com muitas saudades da companheira maravilhosa com quem compartilhara uma vida tão tranquila, com quem vivera tantos bons momentos. Algumas vezes até pensou em procurar um médium, tentar um contato espiritual com Maria, mas logo descartava isso, pois não se coadunava com a sua crença.

        Pouco faltando para que se completassem treze anos da morte de Maria, uma noite sonhou com ela novamente; porém, desta vez ela lhe sorriu e disse que estava bem, embora em outro plano, mas sentia a sua falta e não queria que ele estivesse tão triste. “Procura uma cartomante para conhecer a tua sorte” ela o aconselhou no sonho; e esse sonho se repetiu exatamente igual ainda duas vezes naquela mesma noite, o que não era nada comum.

        Mario acordou e lembrou-se inteiramente do sonho com ela, como sempre acontecia. Achou muito, muito perturbador aquele sonho repetido. Embora fosse uma pessoa realista, não conseguia deixar de pensar que poderia tratar-se de uma recomendação vinda de Maria, vinda do Além. E imediatamente reagiu, não aceitando a ideia estranha de procurar uma cartomante em razão de um sonho. E nos dias que se seguiram, tudo acontecia novamente:  admitia tal hipótese, reagia, negava; admitia, reagia, negava.

        Após uma semana incomodado com aquela cisma que não cessava, Mario voltou a sonhar novamente o mesmo sonho: Maria dizendo que estava bem e que ele procurasse uma cartomante para conhecer a sua sorte.

Levantou-se da cama, ainda aturdido com mais uma repetição daquele sonho. Como fazia em todas as manhãs, recolheu a correspondência que o zelador do prédio deixou na porta da entrada de serviço de seu apartamento. Entre elas um folheto, onde leu: “As cartas não mentem jamais – venha conhecer a sua sorte com Madame Soraya”, seguido do endereço da cartomante.

        Assim já é demais! – Exclamou em voz alta, apesar de estar só.

        Mario, então, decidiu-se. Resolveria alguns assuntos pela manhã e iria à cartomante após o almoço. Teria que deslindar esse assunto que o estava atormentando. Afinal, pensou, “estou com cinquenta e dois anos, não devo nada a ninguém, o que me impediria de consultar uma cartomante? Que mal haveria? Seria como atender a uma recomendação póstuma de minha amada e saudosa Maria”.

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        O endereço era no bairro da Bela Vista, rua Treze de Maio. Mario logo percebeu a coincidência do endereço com aquela data tão importante para ele. Naquele contexto, parecia até mais do que uma simples coincidência, mas não quis acreditar nisso. “Estou imaginando coisas demais”, pensou.

O sobrado era simples, mas bem conservado. Mario tocou a campainha. Uma senhora de boa aparência, nem feia e nem bonita, veio abrir a porta, e ele perguntou por Madame Soraya.

        Sou eu mesma – disse ela sorrindo, revelando dentes brancos e perfeitos.

        Vim para consultá-la sobre minha sorte – respondeu Mario.

        Soraya pediu que ele entrasse e o encaminhou para uma saleta simples, com apenas uma mesa e duas cadeiras confortáveis. Convidou-o a sentar-se numa das cadeiras, pegou o baralho e sentou-se na outra.

        Eu já o esperava. Hoje eu tive um forte pressentimento, li a minha própria sorte e ela revelou que um senhor viria me consultar e mais algumas coisas...– deixou a frase no ar, sem concluir.

        Enquanto ela falava, Mario ia se encantando com aquela mulher muito bem conservada, de voz doce e suave, vestida com simplicidade e bom gosto, aparentando uns cinquenta anos. Bem diferente da imagem que tinha das cartomantes, que imaginava muito velhas, mal-educadas, gordas e desleixadas.

        Ela continuou a lhe falar, fez várias perguntas enquanto embaralhava e dispunha cartas sobre a mesa, e tornava a embaralhar e perguntar. Lendo nas cartas, aos poucos foi confirmando para Mario coisas que ele já sabia e conquistando a confiança dele nos seus vaticínios. Descobriu o sentimento de tristeza que o dominava e lhe assegurou: “a partir de hoje, treze de maio, o senhor será feliz novamente, pois assim dizem as cartas, e as cartas não mentem jamais”.

E sorriu para ele.

Mario teve a nítida impressão de que ela sabia mais alguma coisa que não contou.

Hoje é treze de maio? – Perguntou, surpreso, ao ouvi-la dizer, mas já lembrando que sim, e que era a data do seu aniversário e do de Maria.

A simples menção daquela data, tão significativa para ele, fez desencadear uma sequência de fatos em sua mente: os sonhos com os conselhos de Maria, os treze anos passados de sua morte e completados naquele dia, o endereço da cartomante, o pressentimento de Soraya...

Instantaneamente, tudo ficou muito claro! Mario sentiu, afinal, que havia compreendido os seus sonhos repetitivos, que havia compreendido as mensagens de Maria, que havia compreendido o presente póstumo de amor e carinho que ela lhe dera. O coração passou a bater muito forte e os olhos encheram-se de lágrimas, enquanto em seu pensamento dirigiu um profundo agradecimento a Maria.

Sim, para Mario ficou claro que Soraya, a cartomante, fora destinada para mudar o seu destino. E como ela disse que havia lido nas cartas a própria sorte, a sua atenção tão carinhosa deixava evidente que já sabia que seria a sua nova companheira, presente da sua amada e inesquecível Maria.

Naquele momento, de tão emocionado, Mario nem pensou na hipótese da reencarnação...

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O Visionário - Adelaide Dittmers

 


O Visionário

Adelaide Dittmers

 

A lua banhava as pedras da praça com sua luz prateada.  O silêncio espalhava-se pela pequena cidade adormecida.  Ao longe, ouvia-se o latido de um cão.

Atrás de grossa grade de ferro, um homem olhava a lua, extasiado.  Os grandes e doces olhos castanhos refletiam a inquietação, que lhe pesavam na alma.

Estava preso há um ano por ter se defendido de um soldado, que o agredira por ele expor ideias inaceitáveis na época.  Seu crime: acreditar que um dia o homem chegaria à lua.

Era considerado louco.  O clero naqueles tempos obscuros o considerava herege, mas ele não tinha medo de dizer o que pensava.  O universo o atraia como um imã.  Havia muitos mistérios a descobrir no mundo, refletia.

Naquela noite iluminada pela lua cheia, o homem não conseguia tirar os olhos do pequeno satélite.

Dentro da cela, três homens conversavam e um deles dirigiu-se ao

— O que você está olhando, Tomé?

— A lua! É maravilhosa!

— Olhe para coisas mais perto, como sair desta infernal prisão.

— Gosto de pensar que um dia o homem chegará à lua!  Disse com firmeza.

Os homens caíram na gargalhada e um deles exclamou:

— Homem, por isso está preso e o chamam de louco.  Pare de dizer asneiras.

Tomé ignorou as risadas. Estava acostumado com as chacotas de que era alvo por suas crenças.  Não se importava de ser considerado maluco.  Achava que as pessoas não enxergavam além da ponta do nariz.

Voltou-se para a janela e os pensamentos voaram para sua difícil vida.  Desde menino perguntava-se sobre tudo o que o rodeava, querendo compreender como as coisas funcionavam.  Os pais não sabiam como lidar com aquele filho esquisito e curioso, que os enchiam de perguntas.  Eram modestos lavradores, analfabetos e supersticiosos.  Tinham um pequeno pedaço de terra, onde plantavam mandioca e a curiosidade do filho os deixava muito preocupados: por que o tempo influenciava na colheita?  Por que as frutas só apareciam em determinadas épocas?  Ao ver os bois puxarem o arado, dizia que deveria ter outra maneira de se fazer isso sem usar os pobres animais.

Cresceu admirando o céu estrelado.  Sentava-se observando o firmamento infinito, que se perdia de vista.  Sentia-se minúsculo diante daquela vastidão.  Será que havia outros mundos iguais ao que vivia? Haveria pessoas naqueles mundos? Haveria rios e animais?

Foi expulso da catequese por expor suas dúvidas.  O pai então o proibiu de fazer perguntas, que considerava estúpidas.  Tomé tornou-se calado e taciturno.

Muito jovem, perdeu os pais.  Continuou a cuidar do pedaço de terra, que lhe dava o sustento, mas não conseguia estancar da alma a necessidade de expressar a torrente de suposições, que tinha dentro de si.

Imerso em suas recordações viu a aurora surgir com os tons rosados e alaranjados, que anunciam o nascer do sol.  O sono apoderou-se dele.  Como um sonâmbulo, foi trôpego até o catre e adormeceu.

Acordou sobressaltado sacudido por um guarda, que o chamava:

— Acorda Tomé!  Acorda!

— O que aconteceu? Perguntou ainda atordoado e confuso.

— Venha: o juiz autorizou sua liberdade!

Sacudindo a cabeça para ligar os fios apagados pelo sono, olhou para os companheiros de cela.  Um deles gritou:

— Vai rapaz e vê se tem juízo e não anda por aí dizendo bobagens.

Tomé derramou um olhar triste neles.  Como queriam estar em seu lugar. Podiam ser ladrões ou assassinos, mas eram humanos como ele.  Aproximou-se e despediu-se com um forte aperto de mãos.

Virou-se e seguiu o guarda.  Quando saiu, o sol já aquecia o lugar com raios dourados.  Uma carroça puxada por um burro passou, fazendo barulho ao se chocar com as pedras irregulares da praça.  Uma negra com uma cesta na cabeça também passou por ele requebrando as fartas ancas.

¨Pobre mulher¨ pensou observando-a.  Uma mercadoria nas mãos de homens ignorantes e brutos.

Estava voltando à vida, mas a mordaça, que abafava sua voz não o deixava ser completamente livre.  Era refém daquilo que enxergava ao longe, tanto quanto aquela escrava negra era por não se pertencer.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Teus lindos olhos - Alberto Landi

 






Teus lindos olhos

Alberto Landi

 

Como são lindos os olhos teus

São castanhos como os meus

Falam somente de amor

Os teus são de encantar

De uma beleza invulgar

Ao amar, mudam de cor

Quando trocamos olhares

E falamos de amor

Ficam mais brilhantes

São como da cor daquelas conchinhas do mar

Mais parecem lapidados diamantes

Esses teus olhos castanhos, meu Deus

São de um verdadeiro encanto para mim

Um encanto sem fim

Eles querem se juntar com os meus

E sempre falar de amor!

METSOVO, UM ENCANTO DE LUGAR - Alberto Landi

 




METSOVO, UM ENCANTO DE LUGAR

Alberto Landi

 

Metsovo, é uma pequena cidade turística, situada nas montanhas, ao norte da Grécia.

Era um dia ensolarado e outonal. O frio aumentava perceptivelmente. A neve amarelava sob os raios do meio dia, e no amarelidão, com uma precipitação suave e doce, a densidade alaranjada da noite, chegava mais cedo, nesse belo e romântico lugar.

O vento farfalhava a folhagem sedosa e úmida misturada à chuva morna que caía, no fim de tarde.

As casinhas de madeira com telhados bruscamente quebrados, hortas gradeadas, portões com desenhos e alizares entalhados nas janelas.

Uma casa curiosa e baixa, em antigo estilo russo. Era revestida com azulejos esmaltados, pirâmides com facetas para fora, parecido com os antigos palácios moscovitas.

Ela com aparência sempre linda, o vento esvoaçando seus lindos cabelos, com as mangas arregaçadas e a barra suspensa e presa na cintura, ela sempre me surpreendia com seu semblante majestoso e cativante, mais ainda, em cima dos sapatos altos, num vestido branco aberto com um corte, bem amplo. Ali seu encanto era maior e mais nobre ainda.

À noite, no quarto a lenha ardia dentro da imensa lareira. Havia um tapete estampado, pesadas cortinas de brocado e cores reluzentes e acima da lareira um quadro grande retratando uma voluptuosa deusa.

O fogaréu ardia na lareira, ela vestida e envolta em um vistoso casaco de lã escarlate, todinha forrada com pele, era de tirar o fôlego.

Dizia à ela:  O amor é lindo, e bela são as pessoas que o tem em mãos e sabem cultivá-lo.

A luminosidade da lua, entrava pela janela do quarto, fazendo um ambiente confortável e mais   romântico ainda.

O bem vem com o tempo, o melhor com a alma, disse.

Pela Tv assistíamos canções, era como a água de uma represa. Parece que parou, que não se move, mas, lá no fundo, ela flui continuamente e a calmaria de sua superfície é aparente.

Nas montanhas navegavam nuvens baixas de algodão com pontas dependuradas, através das quais em saltos, precipitavam-se as chuvas cálidas com cheiro de terra e suor que lavavam da terra os últimos pedaços da blindagem do gelo quebrado.

Foram essas algumas observações que fiz desse encanto de lugar!

Antonio Moura - Adelaide Dittmers

 

 


Antonio Moura

Adelaide Dittmers

 

Antonio Moura desde jovem mostrava habilidade em negociar e vender.  Na faculdade, revendia artigos esportivos para os colegas, amealhando consideráveis quantias de dinheiro, parte das quais entregava aos pais, que tinham parcos rendimentos e parte usava, frequentando bons restaurantes, em encontros com belas mulheres, roupas caras: conseguiu até comprar um carro usado.  Muito ambicioso, seu grande objetivo era vencer na vida e deixar para trás tudo aquilo que lhe faltara na infância e adolescência.

Após se formar em administração de empresas, empregou-se em uma grande empresa varejista, com lojas espalhadas por todo o país. Esperto, eficiente e trabalhador, foi galgando vários degraus na carreira e depois de alguns anos chegou à posição de diretor comercial.

Uma verdadeira raposa nos negócios, conseguia fechar vendas e compras, que deixavam os que o rodeavam boquiabertos.  Muito respeitado pelos donos da empresa, gozava de livre acesso a todos os departamentos.

A alta remuneração que recebia proporcionava-lhe um alto padrão de vida.  Usufruía com sofreguidão o sucesso, que conquistara.  Casara-se cinco anos depois de formado e tinha dois filhos. Dizia a todos que fora amor à primeira vista, mas os amigos mais próximos, que o conheciam bem, duvidavam dessa afirmação, porque a esposa era de família muito rica e de projeção na sociedade. Vaidoso, exibia sua linda mulher, como um troféu nos inúmeros eventos e festas, que frequentavam.

Na vida profissional, era muito exigente com os subordinados, que precisavam cumprir suas metas e até superá-las.  Não tolerava erros ou displicência no trabalho.  Entretanto, quando percebia que algo não estava correndo bem com algum deles, mostrava-se compassivo e interessado em ajudar com palavras de incentivo e de estímulo.  Por isso, era muito admirado e mesmo querido por eles.

Amoroso com os pais, dava-lhes uma polpuda mesada para que tivessem uma vida farta e sem preocupações.  Nunca negava esmolas e se apiedava dos menos favorecidos.  Em casa, os empregados domésticos eram respeitados e alguns deles tinham a escola dos filhos paga por ele.  As pessoas à sua volta, consideravam-no um homem correto e generoso.

Numa manhã, Antonio estava em reunião com fornecedores. Lá fora, o vento e a chuva fustigavam as enormes janelas de vidro, abafando uma discussão acalorada, que exaltava os ânimos dos participantes. Com uma voz fria e olhos faiscantes e resolutos Antonio despejava argumentos firmes em cima dos homens, cujos rostos crispavam-se de irritação.

- Meus caros, não compro nenhuma peça de seus produtos, que estão acima dos preços de mercado, se não me entregarem dez por cento da compra.

— É muito dinheiro.  Vamos ter prejuízo.

— Volto a dizer, o preço que vocês estão cobrando é o mais alto e com certeza não conseguirão vender a mercadoria a ninguém.

— Você está exagerando, Antonio, está abocanhando nosso lucro.

— Não chore, Alberto, você sabe muito bem que sua margem de lucro é alta.

— Podemos dedurar você à diretoria.

— Sairiam perdendo, respondeu Antonio, com um sorriso irônico. Com os preços que vocês têm, nunca mais venderiam nada para esta empresa, o que seria um mau negócio.

O outro balançou a cabeça desanimado.  A raiva o consumia, mas manteve o controle.  Aquela venda era muito importante para eles. Engolindo com dificuldade o desfavorável desdobramento da negociação, exclamou contrariado:

— Fechado! Damos a você os dez por cento.  Ao dizer isso, desapertou a gravata, como se esta o estivesse sufocando.

Os outros dois homens, que acompanhavam Alberto, entreolharam-se aturdidos.

Antonio disfarçou um sorriso de vitória.  Mais uma vez conseguira.

Nesse momento, seu celular tocou.  A voz que atendeu era completamente diferente, doce e suave.

— Te ligo depois. Estou em reunião.

Após os acertos da transação, os fornecedores despediram-se.  A tensão ainda flutuava pela sala.  Antonio, com um sorriso simpático, despediu-se deles com um forte aperto de mãos e uma batidinha nas costas.

— Não se zanguem.  Estão fazendo um ótimo negócio e vocês sabem disso.

Quando ficou só, olhou para a chuva, que continuava a tamborilar na janela. Pegou o celular e ligou de volta para a pessoa que lhe chamara.

— Olá querida!  Tudo bem?  Sua voz era meiga e os olhos pareciam derramar mel por toda a sala.  Era outro homem.  Rendido e apaixonado.

— Vamos ter que cancelar nosso encontro hoje. Lúcia marcou um jantar e não posso desagradá-la.  Anda muito estranha.  Parece desconfiada.

A voz do outro lado alterou-se, ao que ele respondeu:

— Nunca te prometi que iria me separar de minha mulher.  Nunca te enganei, mas você é a mulher mais importante da minha vida.

Depois de um longo diálogo, em que procurou ser o mais amoroso possível, desligou o celular.  Sua expressão era séria. Como sempre tinha sido convincente, mas nunca poderia explicar à sua amante que o dinheiro e a posição social eram mais importantes que o amor.

Pegou o paletó e saiu para o almoço.  No caminho, enviou uma mensagem para a esposa:

— Oi amor! Pode confirmar o jantar hoje à noite.  Amo muito você.

Mais adiante, encontrou o presidente da empresa. Abraçados foram almoçar, conversando e rindo animadamente.

Ela chegou - Alberto Landi

 



Ela chegou

Alberto Landi

 

 

Ela mora no Olimpo

Lá no azul do céu limpo

Toda ela é só para mim

Uma deusa tão linda assim

Que ela seja sempre bem-vinda

Aqui em meu jardim

Será sempre bela assim

Ela me inspira

E do seu bojo retira

Lindos versos de amor

Em qual templo devo reverenciá-la

A deusa com que sempre sonhei

E acabei por descobrir

Que está bem ao meu lado

Num abraço bem apertado

Na manhã que está por vir

Antes do romper da aurora

A deusa chegou de onde mora

Toda de branca e grinalda

Bordada de Ouro e esmeralda

Para o seu amado que a adora!

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

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