A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Antonio Moura - Adelaide Dittmers

 

 


Antonio Moura

Adelaide Dittmers

 

Antonio Moura desde jovem mostrava habilidade em negociar e vender.  Na faculdade, revendia artigos esportivos para os colegas, amealhando consideráveis quantias de dinheiro, parte das quais entregava aos pais, que tinham parcos rendimentos e parte usava, frequentando bons restaurantes, em encontros com belas mulheres, roupas caras: conseguiu até comprar um carro usado.  Muito ambicioso, seu grande objetivo era vencer na vida e deixar para trás tudo aquilo que lhe faltara na infância e adolescência.

Após se formar em administração de empresas, empregou-se em uma grande empresa varejista, com lojas espalhadas por todo o país. Esperto, eficiente e trabalhador, foi galgando vários degraus na carreira e depois de alguns anos chegou à posição de diretor comercial.

Uma verdadeira raposa nos negócios, conseguia fechar vendas e compras, que deixavam os que o rodeavam boquiabertos.  Muito respeitado pelos donos da empresa, gozava de livre acesso a todos os departamentos.

A alta remuneração que recebia proporcionava-lhe um alto padrão de vida.  Usufruía com sofreguidão o sucesso, que conquistara.  Casara-se cinco anos depois de formado e tinha dois filhos. Dizia a todos que fora amor à primeira vista, mas os amigos mais próximos, que o conheciam bem, duvidavam dessa afirmação, porque a esposa era de família muito rica e de projeção na sociedade. Vaidoso, exibia sua linda mulher, como um troféu nos inúmeros eventos e festas, que frequentavam.

Na vida profissional, era muito exigente com os subordinados, que precisavam cumprir suas metas e até superá-las.  Não tolerava erros ou displicência no trabalho.  Entretanto, quando percebia que algo não estava correndo bem com algum deles, mostrava-se compassivo e interessado em ajudar com palavras de incentivo e de estímulo.  Por isso, era muito admirado e mesmo querido por eles.

Amoroso com os pais, dava-lhes uma polpuda mesada para que tivessem uma vida farta e sem preocupações.  Nunca negava esmolas e se apiedava dos menos favorecidos.  Em casa, os empregados domésticos eram respeitados e alguns deles tinham a escola dos filhos paga por ele.  As pessoas à sua volta, consideravam-no um homem correto e generoso.

Numa manhã, Antonio estava em reunião com fornecedores. Lá fora, o vento e a chuva fustigavam as enormes janelas de vidro, abafando uma discussão acalorada, que exaltava os ânimos dos participantes. Com uma voz fria e olhos faiscantes e resolutos Antonio despejava argumentos firmes em cima dos homens, cujos rostos crispavam-se de irritação.

- Meus caros, não compro nenhuma peça de seus produtos, que estão acima dos preços de mercado, se não me entregarem dez por cento da compra.

— É muito dinheiro.  Vamos ter prejuízo.

— Volto a dizer, o preço que vocês estão cobrando é o mais alto e com certeza não conseguirão vender a mercadoria a ninguém.

— Você está exagerando, Antonio, está abocanhando nosso lucro.

— Não chore, Alberto, você sabe muito bem que sua margem de lucro é alta.

— Podemos dedurar você à diretoria.

— Sairiam perdendo, respondeu Antonio, com um sorriso irônico. Com os preços que vocês têm, nunca mais venderiam nada para esta empresa, o que seria um mau negócio.

O outro balançou a cabeça desanimado.  A raiva o consumia, mas manteve o controle.  Aquela venda era muito importante para eles. Engolindo com dificuldade o desfavorável desdobramento da negociação, exclamou contrariado:

— Fechado! Damos a você os dez por cento.  Ao dizer isso, desapertou a gravata, como se esta o estivesse sufocando.

Os outros dois homens, que acompanhavam Alberto, entreolharam-se aturdidos.

Antonio disfarçou um sorriso de vitória.  Mais uma vez conseguira.

Nesse momento, seu celular tocou.  A voz que atendeu era completamente diferente, doce e suave.

— Te ligo depois. Estou em reunião.

Após os acertos da transação, os fornecedores despediram-se.  A tensão ainda flutuava pela sala.  Antonio, com um sorriso simpático, despediu-se deles com um forte aperto de mãos e uma batidinha nas costas.

— Não se zanguem.  Estão fazendo um ótimo negócio e vocês sabem disso.

Quando ficou só, olhou para a chuva, que continuava a tamborilar na janela. Pegou o celular e ligou de volta para a pessoa que lhe chamara.

— Olá querida!  Tudo bem?  Sua voz era meiga e os olhos pareciam derramar mel por toda a sala.  Era outro homem.  Rendido e apaixonado.

— Vamos ter que cancelar nosso encontro hoje. Lúcia marcou um jantar e não posso desagradá-la.  Anda muito estranha.  Parece desconfiada.

A voz do outro lado alterou-se, ao que ele respondeu:

— Nunca te prometi que iria me separar de minha mulher.  Nunca te enganei, mas você é a mulher mais importante da minha vida.

Depois de um longo diálogo, em que procurou ser o mais amoroso possível, desligou o celular.  Sua expressão era séria. Como sempre tinha sido convincente, mas nunca poderia explicar à sua amante que o dinheiro e a posição social eram mais importantes que o amor.

Pegou o paletó e saiu para o almoço.  No caminho, enviou uma mensagem para a esposa:

— Oi amor! Pode confirmar o jantar hoje à noite.  Amo muito você.

Mais adiante, encontrou o presidente da empresa. Abraçados foram almoçar, conversando e rindo animadamente.

Um comentário:

  1. Gostei da forma como você descreveu o perfil do Antonio, que é interessante justamente por ser conflitante. Uma pessoa boa, gentil, carinhosa, caridosa, mas ao mesmo tempo ambiciosa e, em razão desse aspecto, nada leal. Para mim pareceu bem realista, pois creio que há muitas pessoas assim: mudam de atitude conforme as circunstâncias, deixando prevalecer suas virtudes ou defeitos, até inconscientemente, conforme a situação que se oferece. Parabéns.

    ResponderExcluir

DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.

A ÚLTIMA CARTA - Helio Fernando Salema

  A ÚLTIMA CARTA Helio Fernando Salema     Ainda sentada em frente ao gerente do Banco, Adélia viu, no seu celular, a mensagem de D. Mercede...