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quarta-feira, 6 de abril de 2022

É aqui que eu quero morrer - Hirtis Lazarin

 



É aqui que eu quero morrer

Hirtis Lazarin

 

Finalmente, eu e o taxista chegamos ao topo do penhasco, mil seiscentos e quarenta e cinco metros acima do mar.

O caminho irregular e cheio de curvas estreitas, uma serpente negra e lisa incrustrada no verde da natureza viva.

A chuva fraquinha se fora e a lua crescente, num sorriso quase cheio, apareceu entre nuvens velozes e iluminou-nos com uma luz incerta.  Um punhado de estrelas surgiu e o céu concluiu sua rotina de escurecer.  Noite suave e serena.  Apenas o cri-cri-cri dos grilos invisíveis e a cantoria de uma nota só das cigarras.

Era só o que eu queria quando deixei o trabalho, a cidade grande e mil problemas não resolvidos.

A pousada que escolhi era de madeira. Além do aconchego, a madeira proporciona conforto térmico, deixando o ambiente fresco no verão e aquecido no inverno. Rodeada de salgueiros e hortênsias mais parecia um ateliê de artista.

Adormeci com os pássaros e assim que o clarão da manhã primaveril entrou no quarto por vacilo das cortinas mal-ajeitadas, saltei disposto a desfrutar cada pedacinho daquele vilarejo medieval.

À primeira vista, “COLFOSCO” cabia num só olhar.  Mais parecia um quadro ou um cenário fotográfico.  Uma paisagem com charme pitoresco que guarda um patrimônio: a história, a arquitetura, as belas paisagens e a cultura do país, uma vez que nos remetem à Idade Média.

Passar por essas estradinhas é voltar séculos no tempo. São ruínas de pedras, o castelo construído no século XIII, o monastério dos monges beneditinos, fileira de casas de pedra com telhas vermelhas próximas umas das outras e ruas sinuosas de paralelepípedos. Elas sobem até o relógio da torre, no coração daquele paraíso.

Era domingo e a missa do padre Piero durou mais de uma hora. No lado leste da igrejinha, a sombra adocicada de uma castanheira em floração tolera crianças irrequietas de bochechas vermelhas que correm e gritam alto à revelia dos pais.

Do alto do penhasco, pode-se ver o mar preguiçoso em seu momento de calmaria. Não pretende espantar o bando de gaivotas famintas que caminha indiferente ciscando entre as pedras.

E, pra encerrar a noite, há uma festa gastronômica regada a vinho produzido no local.

Já se passou uma semana e eu não sinto vontade de voltar. Angustia-me esse pensamento.  Voltar ao mundo complicado do progresso que nos trouxe maravilhas, é verdade, mas engoliu a simplicidade, o equilíbrio e a capacidade de viver com menos coisas e mais tempo.

É impossível fugir dessa ciranda traiçoeira.



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