A resposta é sua
Hirtis Lazarin
Ela acordou assustada com os gritos do
despertador.  Acendeu a luz tênue do
abajur e constatou que o relógio estava certo. 
Marcava exatamente cinco horas, vinte e sete minutos.  A impressão dela era de ter acabado de se
deitar. "Não é possível! Acho que os ponteiros apostaram corrida durante a
noite e o maior, mais esperto e poderoso, venceu o desafio.  Saltou do quatro para o cinco e lá se foi uma
hora engolida da madrugada.
Com a dificuldade de um corpo vivido, Helena
sentou-se na cama, orou para Nossa Senhora das Causas Impossíveis, calçou os
chinelos tão velhos quanto ela, e arrastou-se até a cozinha.
Nenhuma fruta, apenas um pãozinho amanhecido e requentado e uma
caneca de café aguado.  O pó de café não
podia dar-se ao luxo de ser esbanjado no coador.  Depois de um cigarro apreciado até o último
suspiro, ela espia o tempo lá fora. Nublado e frio.  Não importa, nada a esmorece.  Ainda tem um sonho e sabe que sem ele a vida
tornar-se-ia vazia, sem gosto e nem valeria mais a pena viver.  Sabe também que todo sonho exige esforço e o
esforço nos conduz ao prêmio.  E o prêmio
terá o tamanho da nossa persistência.
Veste o único casaco de lã sobre a roupa que
dormiu, calça a bota de borracha que alcança seus joelhos e está pronta para
mais um dia de busca.
O ônibus da linha verde, sempre pontual,
atrasa.  Mais de trinta minutos já se
passaram.  O frio castiga-lhe o rosto
enrugado e, em cada ruga mais profunda, esconde-se um capítulo de sofrimento.  As pernas doem, mas não a fazem desistir de
seu propósito.  É o que a mantém viva
depois que seu companheiro se foi.
Cinquenta anos de esperança.
Cinquenta anos de busca;
Cinquenta anos de saudade.
Alegrias e tristezas são constantes em nossa
vida.  Sabedoria é saber lidar com elas.
Cada manhã, a velha senhora desce próxima a uma
estação de metrô e ali passa o dia. 
Carrega um cartaz plastificado com o nome de sua irmã, seis anos mais
nova.  As duas foram deixadas e
esquecidas num orfanato.  Aos dezoito
anos, Helena foi apresentada à vida e encaminhada a uma família para trabalhar
como doméstica.  Alguns anos depois, já
casada, voltou ao orfanato para resgatar a irmã, não mais a encontrou.  Perderam-se para sempre.  
Era pouco mais de meio-dia quando a chuva
apertou.  Foi no bar do português que ela
conseguiu abrigo.  Consultou a carteira e
tinha o suficiente para um lanche e coca cola.
Uma jovem sentada numa mesa próxima, observava como
aquela senhora humilde saboreava o sanduíche. 
Era com tanto gosto que parecia estar diante de uma ceia de Natal.  Aquela fisionomia atraia e intrigava-a.   Por mais que tentasse, não decifrava o quê,
nem o porquê.   Aqueles olhos... Aquele
sorriso tristonho... Pensou em se aproximar, mas o tempo era curto e o
compromisso inadiável.
Inquieta, Gisele se foi, mas aquele semblante
povoou seus sonhos por noites seguidas. 
Voltou àquele bar várias vezes, caminhou pelas ruas próximas e
nada...  As tentativas de busca foram
muito mais do que se possa imaginar.  Mas
ela mesma nem sabia porque se atormentava tanto.  Até que, graças ao tempo e às orações, aquele
pensamento esporadicamente retornava, sem sofrimento, apenas lembranças.
Mas coisas nos acontecem independentemente da nossa
vontade e cada um  arruma explicações de
acordo com suas convicções.
E foi numa tarde ensolarada que o milagre
aconteceu:  Gisele encontrou Helena,
sentada nas escadarias do Teatro Municipal, tentando se proteger do calor.  Aproximou-se e, em pouco tempo, as duas
tagarelavam como antigas conhecidas. 
Gisele, com sutileza e jeitinho, foi colhendo informações sobre a vida
daquela senhora, tão estranha e tão familiar. 
A cada detalhe revelado, a cada nome mencionado...E quando apareceu o
nome do orfanato, o mistério se revelou. 
Foi choro, foi abraço, foi o melhor momento da vida de Helena.   A avó de Gisele era a irmã que ela sempre
acreditou estar viva.  A busca incansável
terminou.
Caro leitor, vale a reflexão:  Tudo acontece por acaso?  Ou Deus teve piedade do sofrimento de uma
senhora tão fervorosa e concedeu-lhe uma graça? 
Ou já nascemos trazendo uma malinha que aprisiona nosso destino?