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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

O VIOLINISTA NO TELHADO - Henrique Schnaider

 



O VIOLINISTA NO TELHADO

Henrique Schnaider

 

Conde Wlad, possuía vários castelos na região da Valáquia, atual República da Moldávia. Era um homem poderoso, muito cruel, com fama de empalar seus inimigos. Era um guerreiro que só conhecia vitórias, percorria suas terras, visitando seus domínios, demonstrando poderio.

Seus aldeões, sentiam o cheiro do sangue pestilento da morte, quando de sua passagem. Se algo lhe desagradasse, os castigos eram severos, terríveis. Havia um sentimento muito grande de medo por parte do povo. Era um misto de temor, respeito e admiração pelo Conde Wlad, dicotomia entre sentir-se protegido pelo seu Grão-senhor, e temor pelas atrocidades de que era capaz.

Suas façanhas eram muitas, a fama corria com a força do vento dentro e fora de seus territórios. Era admirado e temido.

Certa feita, o Conde atravessava a região da antiga Bessarábia, próxima da Aldeia de British One, região da Transilvânia, e chamou-lhe atenção um violinista no telhado. O músico tocava uma melodia judaica tão leve que parecia plainar ao vento. As notas encantaram os ouvidos do guerreiro.


Wlad ordenou que trouxessem aquele mago do violino para ter com ele. O dom da música, Deus dera a um homem simples que ao tocar o violino, imediatamente seduzia quem ouvisse.

Wlad perguntou ao violinista qual era seu nome, ao que ele respondeu, coçando a espessa barba ruiva, numa simplicidade de olhar altivo incomum a uma pessoa do campo: — Moisés, senhor.

Contou que aprendera a tocar com seu pai, que por sua vez, aprendeu com seu avô, e assim, este dom vem através de muitas gerações.

O Conde ordenou que ele tocasse algo, para que apreciasse. Moisés não era apenas um músico, era inteligente e esperto. Então, tocou uma antiga melodia judaica, que justamente falava das crueldades dos senhores feudais, e do Conde Wlad.  Tocou, mas não cantou a melodia, e Wlad que não conhecia a letra, não tinha conhecimento do significado da história que havia por trás daquela música. E, na verdade, o som do violino de Moisés era de uma beleza tão grande que impressionava a todos, que a letra era quase desnecessária.

O Conde Wlad ficou tão maravilhado, que o convidou para seguir com ele sua viagem, e depois, quando voltassem, Moisés poderia morar no castelo onde o Conde fixava residência, na Aldeia de Brina, na região da Transilvânia.

Lá a fama que corria entre os lavradores, era de que o castelo era mal-assombrado, o Conde praticava crueldades contra os inimigos prisioneiros, e os empalava da forma mais cruel possível.

Foi neste ambiente que Moisés foi acolhido por Wlad. Foi lá que passou a morar. Num ambiente com fama de possuir almas penadas, onde a lenda o Conde Wlad que dormia num caixão podia ser verdadeira. Onde, diziam, que às noites, o Conde rondava o castelo matando os prisioneiros e sugando-lhes o sangue, se transformando, em seguida, em um tipo de um morcego Vampiro.

Embalado pela suavidade da música vindo das cordas do violino, o Conde Wlad seguia com muita sede de sangue, o que o levou a atacar a cidade de Corneja, onde uma grande batalha o esperava.

O encontro dos exércitos, foi terrível, sanguinário. Wlad e seus soldados eram implacáveis, não haveria prisioneiros, apenas mortos.

Foram dois meses de atrocidades, até que o Conde tomou de vez a cidade de Corneja, que passou a fazer parte dos territórios do Guerreiro.




Os homens de Corneja sentiram a mão-de-ferro, o amargo sabor da derrota, a terra arrasada, muitos mortos, muitas perdas. O chão de onde brotavam alimentos, agora não nascia sequer o pasto. 

Luta ganha, e o Conde voltou para o castelo na Transilvânia, trazendo com ele centenas de prisioneiros, fonte de abastecimento de sangue.

No trajeto de volta, passou pela Aldeia de British One, onde morava Moisés. Desta vez, Moisés dedilhou uma música de sua autoria. A melodia transcendia o tempo tocando o coração dos ouvintes. A emoção foi tamanha, que o Conde deixou-se chorar, os olhos duros amoleceram.

Novamente, Moisés não cantou a letra, pois, certamente, se o Conde a conhecesse, mandaria matar o violinista.

O músico nem poderia imaginar no sucesso que a letra da música ganhou, foi imortalizada, através dos tempos. E, essa música, cuja Wlad tanto gostara, atravessou séculos e chegou até nosso tempo.  Revelava a letra a história do Conde Drácula, que se transformava em vampiro, que era imortal, voava como morcego, sugava o sangue das pessoas transformando-as em novos vampiros. Drácula só morreria junto com sua maldição, com uma estaca em cruz cravada no peito.     

Dizem as várias lendas que a melodia do violino que Moisés tocava, era tão pura que foi traçando novas emoções nos corações duros. A música foi provocando sentimentos bons, de tal forma que o Conde Wlad e seus vampiros mudaram de vida e pararam de praticar tanto mal. O castelo do Conde Wlad passou a receber as pessoas necessitadas, acolhê-las, e ajudá-las.

E, Moisés viveu ali até seus últimos dias, sempre tocando o violino para manter a paz no coração do Conde Wlad e de seus vampiros. E, o castelo, assim, se viu livre do mal.


* Veja aqui parte do filme O Violinista no Telhado: 

https://www.youtube.com/watch?v=RBHZFYpQ6nc&t=65s

* Veja aqui algumas curiosidades do Conde: https://segredosdomundo.r7.com/vlad-o-empalador/

 

SERIA ASSUSTADOR SE NÃO FOSSE CÔMICO - AULA DE 04 DE OUTUBRO DE 2023

 








Sempre soubemos que as histórias de terror, fantasmas, castelo abandonado, cemitério, escuridão, neblina, gemidos, gritos, ruídos indecifráveis, esses e outros pontos dariam ao texto um ar sombrio ou assustador. Com esse tempero, faz-se um texto de terror, é sabido. 

Mas um cenário desses pode servir também para um texto cômico, não acha? Para testar essa teoria, vamos colocar um protagonista num desses lugares para amedrontá-lo.

No entanto, nosso personagem cético, do tipo durão, prepotente, não acredita em nada que não seja real. Em suma, só acredita vendo.


O QUE O TEXTO EXIGE:



TEXTO CÔMICO: Atmosfera típica, que provoque sensações no leitor.

Personagem do tipo durão, cético, realista.

Ele, de alguma maneira, está num cenário de terror, daqueles assombrosos. No entanto, ele não acredita no que ouve, no que acha que viu, nos odores, não acredita em nada. Ele é de tal forma incrédulo, que chega à prepotência, e isso provoca alguns sentimentos nos “fantasmas”: baixa-estima, insegurança, raiva...

E, quanto mais os fantasmas tentam assustar o personagem, mais ridicularizados eles ficam.

Explorar as figuras de linguagem / Brincar com o ritmo / Utilizar palavras com sonoridade engraçada / Inspirar-se em momentos engraçados da sua vida.


Uma Incrível Aventura - Adelaide Dittmers

 



Uma Incrível Aventura

Adelaide Dittmers

 

Catania é uma bonita e antiga cidade da Sicília, estendida aos pés do Monte Etna, que expele suas chamas de maneira constante, o que a faz receber turistas do mundo inteiro atraídos pelo fascínio de ver de perto um vulcão em atividade.

No aeroporto movimentado, dois jovens brasileiros, com mochilas nas costas, caminham pelos extensos corredores, conversando animados.  Vão realizar um sonho há muito acalentado: chegar quase às bordas da grande cratera do Etna, para assistir ao belo espetáculo do fogo, que salta das entranhas da montanha.

Saem, brincando e provocando-se mutuamente, de quem seria o mais corajoso ao escalar a montanha.  Tinham contratado uma excursão para fazerem esse passeio com segurança. Lá fora, chamam um táxi para levá-los até ao centro da cidade, mas antes admiram a imponente montanha que parece dominar tudo a sua volta.

No percurso, os olhos curiosos passeiam pelo lugar, através das janelas do carro.  A beleza da antiga arquitetura dos prédios e casas provocam comentários entusiasmados dos rapazes.

Ao alcançar a Piazza del Duomo, descem do táxi para continuar a pé até o hostel, onde se hospedarão. Param para fotografar a diferente Fontana dell’Elefante, que exibe a estátua do animal, esculpida com as cinzas do vulcão.

A longa viagem aérea não reflete nenhum cansaço no rosto dos dois.  Ao contrário, Matheus e Thiago vibram a cada descoberta pelo caminho, mas a emoção maior é a visão do majestoso Etna, reinando sobre a cidade, como um grande senhor sobre os seus súditos.  

Chegam ao lugar da hospedagem, tomam um banho e saem para conhecer melhor a cidade. Percorrem vários pontos turísticos.  Deliciam-se com a boa comida italiana.  Paqueram as bonitas jovens que passam por eles e ao fim do dia voltam para descansar e enfrentar no dia seguinte a subida até a cratera daquele senhor irritado, que despeja sua raiva pelos ares.

Aquele 28 de fevereiro amanhece frio.  Os dois jovens despertam ansiosos, empolgados pela viagem que os levará ao topo da intempestiva montanha. Rindo e brincando, engolem rapidamente o café e comem o pão pelo caminho. 

Às oito horas em ponto, pegam o ônibus, que os levará na primeira metade da viagem, até ao teleférico. O guia avisa a todos, que está sendo esperada uma forte erupção para aquele dia e que não poderão chegar perto da grande cratera.  As trilhas de acesso estão proibidas.  Por segurança o passeio será mais curto.

Matheus e Thiago se entreolham.  Uma comunicação silenciosa é feita entre eles.  Afinal, o objetivo de terem vindo era apreciar uma erupção de perto.

Uma hora depois, já no teleférico, se maravilham com a bela vista da cidade, mas o fogo, que sobe para o céu do pico da montanha, atrai os seus olhares como um poderoso imã.

Chegam à altura permitida e são novamente avisados para não se distanciarem do guia.  Os dois seguem o grupo pelos arredores. Em certo ponto do caminho, Thiago aponta com discrição uma trilha, em que há uma tabuleta, que indica o acesso à grande cratera. Os dois diminuem os passos e, sem serem vistos, entram na trilha. 

A escalada é feita em silêncio para não serem percebidos. Apenas o som da respiração forçada pela forte subida é ouvido.  Um leve tremor os desequilibra e eles riem divertidos. A excitação apaga o perigo iminente a que estão expostos. Os olhares não se desviam do belo e tenebroso espetáculo das barulhentas explosões, que levam as chamas para as alturas.

Subitamente, uma explosão violenta sacode a montanha, um grande e intenso fogaréu é expelido e pedras voam pelos ares. Os rapazes são atirados ao chão.   Atordoados, levantam-se devagar e assustados. Matheus quase não consegue firmar o pé.  Uma dor lancinante o faz gemer.  Agora, ao invés de risadas, uma máscara de terror cobre os rostos deles. Não conseguem descer rápido, o tombo não só machucou Matheus, como feriu a região das costelas de Thiago, que procura não se queixar para não assustar mais o amigo. A trilha íngreme é salpicada de pequenas e grandes pedras, em que tropeçam e quase caem, aumentando a dor dos ferimentos. 

A cada explosão, a montanha estremece e os desequilibra, e num desses momentos uma pequena estaca ao lado do caminho se enrosca nas roupas deles, rasgando-as.

Uma nuvem espessa de fumaça negra os atinge.  Os dois começam a tossir e cobrem o nariz e a boca com os panos rasgados das camisetas na tentativa de não sufocarem.  Os olhos começam a lacrimejar, atrapalhando a visão de ambos.  Sentindo que a vida está por um fio, esforçam-se em quase correr, apesar da dor que estão sentindo.

Matheus cai de novo e quer desistir.  Thiago o puxa com a força que lhe resta e o ampara, animando-o a continuar.

Enfim, conseguem chegar ao final da trilha, exaustos se arrastam até o teleférico, que está parado.  Não há mais ninguém lá. Consternados eles colocam as mãos na cabeça e abrem os braços em um movimento de impotência.  Thiago, então, lembra do celular e o procura no bolso, mas não o encontra. Perdeu-o no caminho. Matheus abre a pochete, que milagrosamente, estava ainda presa na sua cintura e retira o dele. As mãos trêmulas mal conseguem digitar o número para pedir socorro. A atenção está presa no gigante, que cospe o seu poderoso fogo interno. Enfraquecidos, seguram-se mutuamente.

Depois de alguns minutos, que lhes pareceu uma eternidade, o teleférico começou a se mover. Os jovens se jogam nas cadeiras, que os levarão para longe daquele inferno. Quando chegam embaixo, um grupo de homens os esperam e os amparando, levam-nos até um carro de bombeiros, que acabou de chegar.  Com a sirene ligada, o carro desce veloz o resto da montanha. No trajeto até o hospital, colocam neles máscaras de oxigênio para limpar os pulmões dos perigosos gases inalados. Matheus perde os sentidos, mas é prontamente atendido.

No hospital, são examinados.  Matheus tem um rompimento em um tendão do joelho e Thiago, duas costelas quebradas e, pelo corpo, ambos sofreram várias escoriações. Mas os médicos os felicitam por estarem vivos. 

Dias depois os ousados rapazes se despedem da bela cidade. Matheus equilibra-se nas duas muletas pelo aeroporto.  Thiago empurra um carrinho com as duas mochilas.  Às vezes uma careta mostra a dor que sente pela fratura das costelas.  Parecem soldados, que voltam de uma guerra.  Afinal, quiseram desafiar o gigante.

Ao sobrevoarem a cidade, olham pela janela do avião o majestoso Etna, que agora, mais calmo, ilumina o céu noturno.  Entreolham-se sorrindo e fazem uma continência respeitosa ao velho vulcão. 

A incrível e perigosa aventura está ficando para trás, mas jamais a esquecerão.

 

 

 

 

 

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

HOMENAGEM - Helio Fernando Salema

 

 


HOMENAGEM

Helio Fernando Salema

 

No maior e mais animado clube da pequena cidade está tudo pronto para o jantar em comemoração ao êxito da Campanha Natal dos Pobres. A ideia do jantar surgiu quando no início do mês de dezembro foi constatado que todas as famílias carentes do município haviam recebido alimentos suficientes para um mês.

Dr. Roberto, há várias décadas, trabalha neste município como médico. Muito respeitado pelo seu trabalho, não só no posto de saúde, mas também porque nas horas vagas era comum fazer visitas às comunidades carentes, para certificar-se das dificuldades dos moradores. Também sempre presente nas escolas e igrejas, dando palestras sobre saúde e higiene.

Tudo começou no início do inverno, quando o Dr. Roberto, visitando um bairro pobre, viu que as pessoas não tinham agasalhos para enfrentarem o rigor do frio. Conversando com os diretores do clube, sugeriu uma campanha para agasalhar os pobres. Segundo ele, sem encher o clube de roupas e depois uma multidão indo ao clube para pegá-las, sem nenhum critério.

Propôs organizar duplas que iriam até aquele bairro e cada dupla cadastraria duas famílias. Principalmente medindo o tamanho de cada pessoa e anotando a necessidade de cobertores. Após arrecadarem, entregariam as peças que serviam para aquelas duas famílias cadastradas, e as que sobrassem, seriam catalogadas no computador do clube para que outras duplas pudessem aproveitá-las. Na sala cedida pelo clube, um grande mapa identificava as famílias cadastradas, as atendidas e as que ainda necessitavam de cadastramento.

Em poucos dias este sistema foi se aperfeiçoando, mais pessoas foram se interessando em participar e dando sugestões para o aprimoramento da campanha. Em menos de um mês todo aquele pequeno bairro foi atendido.

Passado o inverno, o Dr. Roberto sugeriu que a campanha continuasse, mas agora, arrecadando alimentos.  Mesmo com o uso da informática, ficou mais trabalhoso calcular a quantidade e o tipo de alimentos necessários para cada família.

Muitas igrejas, por sugestão do Dr. Roberto, copiaram o sistema usado durante o inverno.   Assim, outros locais necessitados foram atendidos. Já em novembro, poucas famílias ainda precisavam ser cadastradas. O que facilitou o trabalho para o final do ano.

Confirmado o êxito da campanha, amigos decidiram que uma homenagem ao Dr. Roberto era necessário, de preferência surpresa, pois ele certamente não concordaria. Contataram os familiares, e em segredo prepararam como sendo um jantar para comemorar a campanha.

Quando parecia que o jantar estava chegando ao fim, eis que surge um grupo, carregando uma grande caixa muito bem enfeitada, e a coloca no meio do salão. Pedem para que o Dr. Roberto se aproxime e, em seguida, solicitam que ele abra a caixa.

Para sua surpresa, dentro da caixa havia um grande quadro com a sua foto. Abaixo da foto, frases de agradecimento pelo trabalho dele e de sua equipe na campanha. Profundamente emocionado, agradeceu.  Após um breve silêncio, surpreende a todos ao confessar que o mérito era de toda a equipe, e nem a ideia partiu dele. Muito emocionado explicou:

 — Num momento muito importante na minha vida, uma pessoa com muita ternura, pediu para eu fazer uma campanha para dar agasalhos aos que não tinham. Surpreso fiquei quando ele acrescentou que não fosse exigido a presença de todos no local. O que sempre acarretava tumulto e confusão na hora de distribuição. Ele me explicou os detalhes de como selecionar e distribuir os agasalhos. Gostaria muito que ele aqui estivesse para receber esta homenagem… Mesmo que fosse possível, talvez alguns aqui presente, não compreendessem e até discordassem… Eu o conheci numa das vezes em que visitei a prisão. Infelizmente, ele cumpre pena por cometer vários furtos, nesta cidade, durante anos.

 

Dois Caminhos - Adelaide Dittmers

 





Dois Caminhos

Adelaide Dittmers

 

Paulo acordou bem-disposto naquela bonita manhã de setembro. Abriu a janela para a cidade, que também despertava para a vida agitada de todos os dias.  Aspirou com prazer o ar fresco, trazido por um vento suave, que balançava levemente as árvores mais abaixo.  Um sabiá pousou na sua frente e assustado quando o viu, voou para longe.  Sempre lhe disseram que um pássaro na janela poderia ser um bom ou um mau agouro.

Tinha tomado uma importante decisão.  Estava ansioso e temeroso ao mesmo tempo.  Iria pedir a mão de Luísa em casamento.  Há algum tempo estava pensando nisso.  Amava-a muito, tinham os mesmos gostos e eram grandes companheiros. O relacionamento já durava dois anos.  Luísa, porém, era muito independente e prezava sua liberdade. Decidida e bem-sucedida na sua profissão.  Mas tinha um sonho, queria ser mãe e esse era o ponto difícil, ser livre ou a maternidade. 

A buzina de um carro o tirou de seus pensamentos.  Afastou-se da janela, vestiu-se e tomou o café. O trabalho o esperava, o dia seria repleto de reuniões, mas daria um jeito de sair e comprar um anel de noivado. Tinha marcado um jantar para aquela noite.

No outro lado da cidade, Luísa tomava seu café. Com o olhar perdido, sorvia cada gole lentamente, imersa em seus pensamentos, que a estavam levando para a conversa com o namorado no dia anterior, que enigmático, falou em lhe fazer uma grande surpresa.  Ele tinha escolhido um restaurante elegante para jantarem.  Qual seria essa surpresa?  Uma viagem às ilhas gregas, talvez.  Viajavam muito pelo mundo, mas há algum tempo queriam conhecer as belezas da Grécia.  Estava curiosa.   O dia iria demorar muito a passar.

A noite caiu mansamente sobre a cidade, as estrelas ofuscadas pelas luzes intensas da grande metrópole. Luísa desceu do apartamento para esperar o namorado na portaria do prédio, como o combinado.  As oito e trinta em ponto, Paulo parou o caro e partiram para o restaurante. Estava elegante, como sempre e a recebeu com um sorriso maroto, que a deixou mais intrigada. O que ele iria aprontar?

Entraram no luxuoso salão, onde uma mesa reservada os esperava.  Ao centro um pequeno e delicado arranjo de rosas-vermelhas, cercado por dois castiçais de velas cremes.

— O que significa tudo isso?  Ela disse arregalando os bonitos olhos verdes.

— Uma linda mulher merece isso e muito mais.

— Você está muito romântico, hoje. O que está acontecendo?

Ele puxou a cadeira para ela sentar e acomodou-se também.  Os olhos, que brilhavam com uma luz diferente, se fixaram nos dela.

Com voz pausada, ele disse:

— Estamos juntos há bastante tempo.   Gostamos das mesmas coisas. Temos os mesmos objetivos e você é a mulher da minha vida.

Luísa o olhou assustada e ansiosa.

Paulo tirou do bolso uma pequena caixa, abriu-a e um brilhante ofuscou a visão da jovem, que piscou, incrédula.

— Quer se casar comigo?

Ela se empertigou na cadeira, prendeu a respiração, soltando um profundo suspiro e respondeu:

— Paulo, eu te amo, mas não pretendo me casar.  Você sabe disso.

— Por que não?  Somos felizes juntos.  Você sempre manifestou o desejo de ser mãe.

— É verdade! É o meu maior sonho, mas tenho medo de morar na mesma casa e ser privada da liberdade de fazer o quiser.  Nos damos tão bem, cada um em seu canto.

— Não sou uma pessoa, que tire a liberdade de alguém.  Você sabe disso.  Sempre respeitei seu espaço.

— Sei disso! Mas no dia a dia… tenho medo!  Um dia poderemos ter um filho, mas cada um na sua casa.

— Pensei que você me conhecesse o bastante para ter confiança em mim.  Mas vejo que me enganei.

A decepção e a tristeza estampavam-se no rosto de Paulo. O Jantar foi trazido. O aroma da refeição requintada espalhou-se pelo ar.  Eles quase não tocaram na comida. O silêncio azedou a noite tão esperada pelo rapaz.

Saíram do lugar sem trocar uma palavra.  Estavam constrangidos.  Não conseguiam nem olhar um para o outro.  Paulo deixou-a em casa. A despedida foi fria e distante.

Arrancou com o carro cantando os pneus.  Estava decepcionado.  Entrou em um bar, em que bebeu uma dose atrás de outra. Na madrugada, embriagado, entrou no carro e acelerou. A visão turva o fazia dirigir perigosamente pelas ruas quase desertas.  Ao fazer uma curva, perdeu a direção e bateu fortemente em um poste. Desfalecido, o corpo ficou entre o airbag e a direção.

Pessoas de um carro que passava, pararam e o socorreram chamando uma ambulância.

No hospital passou por vários exames e felizmente os ferimentos foram superficiais, apesar do forte choque contra o poste.  Mas ficou internado por três dias.

No dia seguinte, um amigo comum ligou para Luísa e contou sobre o acidente. Muito nervosa e se sentindo culpada, foi ao hospital.  Quando entrou no quarto, ele virou a cabeça e disse que não a queria ver.

— Paulo, me ouça!  Ela implorou chorando.

— Por favor, saia! Não quero falar com você! E apertou o botão para chamar a enfermagem.

Ela estacou:

— Me deixa explicar...

— Já disse para sair! Ele disse interrompendo-a.

Como um autômato, ela percorreu os corredores infindáveis do hospital.  Aquela atitude a surpreendeu.  Ele era um homem calmo e gentil.  Não o estava reconhecendo.  Nunca escondera seus sentimentos de independência.

Ao alcançar o carro, abriu a porta abruptamente e se jogou no banco.  Deixou o choro contido desabar e dentro dela brotou a certeza de estar certa em não querer partilhar o mesmo teto com alguém.

Os dias passaram.  Várias vezes tentou entrar em contado com o namorado para explicar o porquê de sua decisão, mas ele não a atendia. Nunca lhe contara sobre seus pais.  Eram lembranças que queria apagar. ¨ A mãe submissa e infeliz. O pai autoritário e dominador. O talento da mãe em pintar quadros.  As telas maravilhosas, que criava.  Era uma artista verdadeira. O convite para expor em uma importante galeria. O ataque de fúria do pai ao saber disso.  Pintar para ele tinha que ser apenas uma distração, não uma carreira. A arte era para pessoas com má índole.  Era um ignorante. A tristeza que invadiu a mãe a tornou calada e desinteressada de tudo.  Nunca mais pegou em um pincel. Eu era seu único apoio.  Dedicou-se totalmente a mim e a minha educação.  Tinha dezessete anos, quando uma doença a levou, deixando um vácuo em minha vida. ¨

Por isso amava sua independência.  Não queria ser metade de ninguém, mas ser inteira. No entanto, tinha que encarar uma verdade.  Sentia falta da presença de Paulo, da cumplicidade entre os dois, dos momentos alegres, que passaram juntos. Mas tinha que esquecê-lo.  Estava tudo acabado.

Ultimamente andava preocupada com a própria saúde.  Sempre fora forte, muita ativa e agora estava sentindo tonturas frequentes.  Qualquer situação a emocionava. O cheiro da comida, a nauseava, perdera o apetite.  Precisava ir a um médico.

  Voltava para casa, quando sentiu os seios doloridos.  Apertou-os com as mãos.  Estavam inchados. De repente, um clarão irrompeu em sua mente.  ¨Meu Deus, será? ¨

Para completar o caos que desencadeou dentro dela, teve que parar o carro para vomitar.  Respirou fundo por alguns segundos.  Encostou-se no banco para se recompor.

— Não é possível! Falou em voz alta.

Quando chegou em casa correu para olhar o calendário em que marcava seus ciclos. Um calafrio percorreu seu corpo. O trabalho intenso e o término da relação com Paulo a deixaram fora do ar. ¨Não acredito! Devo estar grávida! ¨. Seu grande sonho, mas não nesse momento.  Como contar isso para Paulo.

— Preciso confirmar primeiro.  Falou em voz alta.

Saiu em disparada e comprou o teste.  Voltou e teve a comprovação. Uma emoção desconhecida misturada a um medo inesperado a surpreendeu.  Novamente disse em voz alta para si mesma:

— Sempre fui corajosa.  Não é agora que vou fraquejar!

Pegou o celular e ligou para o namorado, que não atendeu a chamada. Resoluta, pegou a bolsa e foi até o apartamento dele. Tinha a chave, mas tocou a campainha.  Após insistir várias vezes, ele finalmente abriu a porta.

— O que você quer? Ele perguntou secamente.

— Posso entrar? Preciso falar com você! É importante!

Ele se afastou para ela passar. Ela desabou no sofá.  Paulo permaneceu de pé. O rosto impassível.

Luísa olhou para ele.

— É melhor você sentar pelo que tenho a dizer. Em primeiro lugar, nunca quis magoá-lo.  Em segundo, não estou aqui para lhe pedir nada.

— Não estou entendendo o que você veio fazer aqui!

Ela se levantou e o fixou firmemente.

— É algo muito importante, que não poderia deixar de te contar.  Estou grávida!

— O quê?  Grávida!

— Devo estar de dois meses.

Ele balançou a cabeça, incrédulo. Seu rosto demonstrava a confusão, que o tomara por completo. A jovem ficou em silêncio, esperando o que estava por vir.

— Estou pasmo! Nem sei o que pensar ou dizer.  Sempre quis ser pai, principalmente após conhecê-la, mas não na situação atual.  Não quero um filho depois do que aconteceu entre nós.

— Mas eu quero essa criança.  Mesmo que você não queira.  Eu quero! Ela exclamou decidida.

— Se eu tiver um filho, quero participar de sua vida. Ensiná-lo, guiá-lo e brincar com ele.

— Lógico, que poderá participar, mas cada um em sua casa.

— Nunca vou concordar com isso.  Se você realmente me amasse, não cogitaria uma coisa dessas.

— Você não sabe de nada! Não me julgue!

O que eu não sei?

Ela sentou-se novamente. Uma nuvem de tristeza cobriu seu rosto, as palavras saíram em borbotões de sua boca e principalmente de seu coração ao contar sobre a severidade do pai e o sofrimento da mãe. Quando terminou estava cansada e trêmula.

A surpresa e a piedade estamparam-se no olhar de Paulo, que segurou as mãos dela, perguntando-lhe porque não lhe contara sobre isso. E com voz suave acrescentou que nunca interferiu na necessidade de independência dela e que sempre respeitou o trabalho e as decisões que ela tomava.

— Mas minha mãe me dizia que meu pai era outra pessoa antes de casar...

— Então você tem medo deque me torne como seu pai?

— Não é isso, mas tudo o que vivi me ensinou a não dividir minha liberdade com ninguém.  Que a razão tem que estar acima dos sentimentos.

— Acho que está na hora de você enxergar que sentimentos e razão podem caminhar juntos.

Abraçou-a carinhosamente:

— Pelo menos você pode tentar, mas vou aceitar a sua decisão.

Um sorriso molhado pelas lágrimas aflorou no rosto de Luísa.

— Vou pensar nisso. Prometo.

Os meses foram passando.  Paulo se tornou uma presença constante e atenciosa durante a gravidez de Luísa. Não tocou mais no assunto do casamento e respeitou a decisão da namorada de morar em casas separadas,

Numa quente madrugada de abril, o celular tocou ao lado de Paulo, que acordou, assustado.  No outro lado da linha, Luísa dizia que estava com muitas dores, o bebê estava chegando.

Meio zonzo ainda pelo sono, vestiu-se depressa e correu para buscá-la em casa. O caminho para a maternidade foi feito em pouco tempo. O nervoso de Paulo contrastava com a calma de Luísa, que gemia a cada contração.

Ela foi levada diretamente para a sala de parto, onde o médico já a esperava. Paulo vestiu roupas apropriadas e gorro para assistir ao parto.  Depois de uma hora, o choro da criança ecoou pela sala. Era um lindo menino. Paulo apertou a mão da namorada e a beijou.  Ela o olhou com lágrimas nos olhos, e disse:

— Hoje eu aceito aquele anel de noivado.  Você foi incrível nos últimos meses. Confio plenamente em você. Quer se casar comigo?

Ele levantou discretamente o avental e retirou a caixinha da joia.

— Não acredito! Você estava com a caixinha no bolso.

— Sempre a trouxe comigo. A esperança de que você reconsiderasse, esse anel sempre me acompanhou.

E delicadamente, colocou o anel no dedo da amada.

Nesse momento, o bebê foi colocado sobre o peito da mãe e os dois o beijaram ao mesmo tempo.


DÚVIDAS - Helio Fernando Salema





DÚVIDAS

Helio Fernando Salema


  

Não sei se era ela, mas tudo indicava

Tentei pegar uma flor… Que desaparecia

Eu falava, declamava e cantava.

Não respondia, também não sei se ouvia.

 

Nada dava certo, pura fantasia

Que desespero… Agonia

O tempo passava e corria

Tudo muito estranho, eu temia.

 

O pesadelo que não terminava.

Esta realidade me absorvia

Uma nuvem sobre mim pairava

Lentamente me sugava e eu subia.

 

Cada momento mais me entristecia,

Estranho não saber, mas eu sentia.

Enfim, chegou uma visão e sinalizou

Que neste mundo, eu não mais existia.



terça-feira, 26 de setembro de 2023

ICAL - A CIDADE EM CHAMAS - 30 DE SETEMBRO DE 2023

 

 







A intriga na passagem de um personagem por uma história, é o que conta. Essa intriga (conflito), é o vai movimentar as ações e reações de cada um, no enredo. Se for um conflito descomplicado, ele não provocará ações e reações. Portanto, quanto mais difícil for o conflito, mais o enredo ficará interessante.

É claro que o conflito sozinho não faz com que o todo interesse para o leitor. Mas COMO o autor vai contar essa trama, é que valoriza a narrativa.

Uma boa história deve explorar a emoção, os sentimentos, que poderá ser capturado e mostrado, através de figuras de linguagem, e todas as ferramentas possíveis literárias, guardadas na caixa de ferramentas do autor: 

  • FORMATO
  • ESTILO
  • PONTO DE VISTA DO NARRADOR
  • PONTUAÇÃO
  • FLASH BACK
  • FLUXO DE CONSCIÊNCIA
  • PLOT 

etc.

Pois bem, vamos experimentar isso? 

Temos a seguinte trama para criar uma história sobre ela:

NOSSOS PROTAGONISTAS TERÃO UMA PASSAGEM SIGNIFICATIVA DA HISTÓRIA, NUM AMBIENTE DE VULCÃO EM ERUPÇÃO. 

Veja que pode haver alvoroço do povo em fuga. Pode haver um acidente. Pode acontecer um crime qualquer que precisa ser investigado. 


quarta-feira, 20 de setembro de 2023

UM VULCÃO EM ERUPÇÃO - Tema para 27 de setembro de 2023




UM VULCÃO EM ERUPÇÃO




O Monte Fagradalsfjall não via uma erupção desde o século 12, e ela chegou após milhares de pequenos terremotos.

As imagens feitas pelo drone, no vídeo acima, são impressionantes!


Há muitos vulcões pelo mundo, pesquise e se deixe impressionar pela história deles, pelo processo da erosão, e depois pela força que ele impõe em sua regurgitação.
Como exemplo:


Monte Tambora, na Indonésia. A erupção aconteceu em 1815 e matou mais de 100 mil pessoas. Foi uma explosão gigantesca, que lançou colunas de chamas com 40 km de altura. Cerca de 200 milhões de toneladas de dióxido de enxofre e 50 km cúbicos de lava saíram para a crosta. A ilha de Sumbaya, onde fica o vulcão, e locais a 600 km de distância ficaram na escuridão, encobertas pelas cinzas. Leia mais em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-foi-a-pior-erupcao-vulcanica-da-historia.



Exercite seu olhar de escritor para alguns pontos de vista, e desenvolva sua narrativa:

  1. Os habitantes do lugar - escolha um para ser protagonista.
  2. O jornalista com gana por um furo que ficaria na história.
  3. Uma enfermeira ou médica que se vê em necessidade de salvar pacientes diante da tragédia.
  4. Uma mãe com filho que voltavam da escola.
  5. Um avião que acabara de decolar e sobrevoa o vulcão que entra em erupção.
  6. Um escritor que justamente escrevia a história do vulcão sem nunca tê-lo visto ativo.


QUANDO A HISTÓRIA VAI ALÉM DA MORTE - AULA DE 20 DE SETEMBRO DE 2023

 




Há situações em que personagens literários se confundem com pessoas que conhecemos, ou será que a vida real está sempre retratada nos livros?

É certo que a literatura copia a vida, e os sentimentos/emoções movem pessoas e personagens. Portanto as ações e reações das pessoas, e também dos personagens literários, são motivadas pelos sentimentos e emoções. 

OS CONFLITOS são os gatilhos que trazem à tona certas emoções, certos sentimentos: perigo, suspense, momentos em que a vida sai da rotina e requer mudança de atitude.  São os CONFLITOS que provocam as pessoas ou personagens. 

Uma boa história tem esses ingredientes, e podem estar no passado do personagem, no presente ou futuro.

No passado, os fatos (CONFLITOS) exigem que o personagem tome certas inciativas para consertar o passado que, de alguma forma, lhe impõe perturbações.

No presente, os fatos (CONFLITOS) estão acontecendo e provocando o personagem à tomada de reações que não são comuns no seu cotidiano.

No futuro, o que virá na vida do personagem, de alguma forma, vai provocar CONFLITOS, o que o faz reagir para mudar o destino, seja para o bem ou para o mal.


EXERCÍCIO: Trabalhar uma história no presente, narrada em primeira pessoa pelo personagem protagonista. PORÉM, no desfecho haverá a  revelação. É que, na verdade, tudo se passou no passado do personagem que já está morto. Portanto é uma narrativa póstuma, memórias de um morto. Mas deixe essa revelação para as últimas linhas. 

Cuide para o conflito seja mesmo perturbador.

ORIGEM DA IDEIA: https://www.youtube.com/watch?v=c_XgcFpJcsI




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