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segunda-feira, 19 de junho de 2023

UM CINTURÃO - GRACILIANO RAMOS

 










UM CINTURÃO

GRACILIANO RAMOS


OUÇA  AQUI O CONTO UM CINTURÃO - GRACILIANO RAMOS


OUÇA AQUI UMA LEITURA ANALÍTICA


OUÇA AQUI OUTRA ANÁLISE DO CONTO


Um cinturão

Conto de Graciliano Ramos

 

As minhas primeiras relações com a justiça foram dolorosas e deixaram-me funda impressão. Eu devia ter quatro ou cinco anos, por aí, e figurei na qualidade de réu. Certamente já me haviam feito representar esse papel, mas ninguém me dera a entender que se tratava de julgamento. Batiam-me porque podiam bater-me, e isto era natural.

Os golpes que recebi antes do caso do cinturão, puramente físicos, desapareciam quando findava a dor. Certa vez minha mãe surrou-me com uma corda nodosa que me pintou as costas de manchas sangrentas. Moído, virando a cabeça com dificuldade, eu distinguia nas costelas grandes lanhos vermelhos. Deitaram-me, enrolaram-me em panos molhados com água de sal – e houve uma discussão na família. Minha avó, que nos visitava, condenou o procedimento da filha e esta afligiu-se. Irritada, ferira-me à toa, sem querer. Não guardei ódio a minha mãe: o culpado era o nó. Se não fosse ele, a flagelação me haveria causado menor estrago. E estaria esquecida. A história do cinturão, que veio pouco depois, avivou-a.

Meu pai dormia na rede, armada na sala enorme. Tudo é nebuloso. Paredes extraordinariamente afastadas, rede infinita, os armadores longe, e meu pai acordando, levantando-se de mau humor, batendo com os chinelos no chão, a cara enferrujada. Naturalmente não me lembro da ferrugem, das rugas, da voz áspera, do tempo que ele consumiu rosnando uma exigência. Sei que estava bastante zangado, e isto me trouxe a covardia habitual. Desejei vê-lo dirigir-se a minha mãe e a José Baía, pessoas grandes, que não levavam pancada. Tentei ansiosamente fixar-me nessa esperança frágil. A força de meu pai encontraria resistência e gastar-se-ia em palavras.

Débil e ignorante, incapaz de conversa ou defesa, fui encolher-me num canto, para lá dos caixões verdes. Se o pavor não me segurasse, tentaria escapulir-me: pela porta da frente chegaria ao açude, pela do corredor acharia o pé do turco. Devo ter pensado nisso, imóvel, atrás dos caixões. Só queria que minha mãe, sinhá Leopoldina, Amaro e José Baía surgissem de repente, me livrassem daquele perigo.

Ninguém veio, meu pai me descobriu acocorado e sem fôlego, colado ao muro, e arrancou-me dali violentamente, reclamando um cinturão. Onde estava o cinturão? Eu não sabia, mas era difícil explicar-me: atrapalhava-me, gaguejava, embrutecido, sem atinar com o motivo da raiva. Os modos brutais, coléricos, atavam-me; os sons duros morriam, desprovidos de significação.

Não consigo reproduzir toda a cena. Juntando vagas lembranças dela a fatos que se deram depois, imagino os berros de meu pai, a zanga terrível, a minha tremura infeliz. Provavelmente fui sacudido. O assombro gelava-me o sangue, escancarava-me os olhos.

Onde estava o cinturão? Impossível responder. Ainda que tivesse escondido o infame objeto, emudeceria, tão apavorado me achava. Situações deste gênero constituíram as maiores torturas da minha infância, e as conseqüências delas me acompanharam.

O homem não me perguntava se eu tinha guardado a miserável correia: ordenava que a entregasse imediatamente. Os seus gritos me entravam na cabeça, nunca ninguém se esgoelou de semelhante maneira.

Onde estava o cinturão? Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. O coração bate-me forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro. A horrível sensação de que me furam os tímpanos com pontas de ferro.

Onde estava o cinturão? A pergunta repisada ficou-me na lembrança: parece que foi pregada a martelo.

A fúria louca ia aumentar, causar-me sério desgosto. Conservar-me-ia ali desmaiado, encolhido, movendo os dedos frios, os beiços trêmulos e silenciosos. Se o moleque José ou um cachorro entrasse na sala, talvez as pancadas se transferissem. O moleque e os cachorros eram inocentes, mas não se tratava disto. Responsabilizando qualquer deles, meu pai me esqueceria, deixar-me-ia fugir, esconder-me na beira do açude ou no quintal. Minha mãe, José Baía, Amaro, sinhá Leopoldina, o moleque e os cachorros da fazenda abandonaram-me. Aperto na garganta, a casa a girar, o meu corpo a cair lento, voando, abelhas de todos os cortiços enchendo-me os ouvidos – e, nesse zunzum, a pergunta medonha. Náusea, sono. Onde estava o cinturão? Dormir muito, atrás de caixões, livre do martírio.

Havia uma neblina, e não percebi direito os movimentos de meu pai. Não o vi aproximar-se do torno e pegar o chicote. A mão cabeluda prendeu-me, arrastou-me para o meio da sala, a folha de couro fustigou-me as costas. Uivos, alarido inútil, estertor. Já então eu devia saber que gogos e adulações exasperavam o algoz. Nenhum socorro. José Baía, meu amigo, era um pobre-diabo.

Achava-me num deserto. A casa escura, triste; as pessoas tristes. Penso com horror nesse ermo, recordo-me de cemitérios e de ruínas mal-assombradas. Cerravam-se as portas e as janelas, do teto negro pendiam teias de aranha. Nos quartos lúgubres minha irmãzinha engatinhava, começava a aprendizagem dolorosa.

Junto de mim, um homem furioso, segurando-me um braço, açoitando-me. Talvez as vergastadas não fossem muito fortes: comparadas ao que senti depois, quando me ensinaram a carta de A B C, valiam pouco. Certamente o meu choro, os saltos, as tentativas para rodopiar na sala como carrapeta eram menos um sinal de dor que a explosão do medo reprimido. Estivera sem bulir, quase sem respirar. Agora esvaziava os pulmões, movia-me num desespero.

O suplício durou bastante, mas, por muito prolongado que tenha sido, não igualava a mortificação da fase preparatória: o olho duro a magnetizar-me, os gestos ameaçadores, a voz rouca a mastigar uma interrogação incompreensível.

Solto, fui enroscar-me perto dos caixões, coçar as pisaduras, engolir soluços, gemer baixinho e embalar-me com os gemidos. Antes de adormecer, cansado, vi meu pai dirigir-se à rede, afastar as varandas, sentar-se e logo se levantar, agarrando uma tira de sola, o maldito cinturão, a que desprendera a fivela quando se deitara. Resmungou e entrou a passear agitado. Tive a impressão de que ia falar-me: baixou a cabeça, a cara enrugada serenou, os olhos esmoreceram, procuraram o refúgio onde me abatia, aniquilado.

Pareceu-me que a figura imponente minguava — e a minha desgraça diminuiu. Se meu pai se tivesse chegado a mim, eu o teria recebido sem o arrepio que a presença dele sempre me deu. Não se aproximou: conservou-se longe, rondando, inquieto. Depois se afastou.

Sozinho, vi-o de novo cruel e forte, soprando, espumando. E ali permaneci, miúdo, insignificante, tão insignificante e miúdo como as aranhas que trabalhavam na telha negra.

Foi esse o primeiro contato que tive com a justiça.

(RAMOS, Graciliano. Um Cinturão. In: Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Org. MORICONI, Ítalo. Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2000, p.144-146)


terça-feira, 6 de junho de 2023

A CAÇADA - CLAUDIONOR DIAS DA COSTA

 


A CAÇADA

(As palavras grifadas foram escolhidas para compor a história)

Claudionor Dias da Costa

 

No jardim de minha casa havia muitas borboletas que sempre faziam magnifica dança frenética em voos cruzados.

Olhei pela janela e mantive o olhar circunspecto, atento naquela exótica  bailarina de cor azul que se destacava naquele bale telúrico.

Mas, meus pensamentos românticos e sonhadores se dissolveram consumidos pela ambição de sacrificar aquele exemplar por conta do dinheiro que poderia ganhar. Corri para o velho catálogo de espécimes que possuía desde a época de menino, quando  vivia solto pelos campos correndo atrás delas.

Fui como um foguete em direção à garagem e do alto da prateleira do armário empoeirado encontrei o velho puçá que guardava, não sei bem por quê. Surgiu agora a oportunidade de usá-lo com lucro. Melhorar minha conta corrente.!

Que maravilha!

Meu pensamento ficou fixo no bolo de dinheiro que teria vendendo-a a um colecionador…. Aquilo parecia um martelo a bater sem parar na minha cabeça.

Tão afobado e eufórico, me detive de repente à porta, e minha atenção se dirigiu para um curió que cantava perto das borboletas, pareciam acompanhar, dançando, seu canto. Logo afastei aquela boba visão romântica outra vez e pensei cochichando para mim mesmo:

- Uma borboleta-azul e branca rara e um passarinho raro como o curió quanto não valerão…

Cuidadosamente, tirei os sapatos para não os espantar.

Pé ante pé… muito devagar… numa distração do bichinho…Pluft, lancei o puçá e consegui pegá-lo apesar do vento.

Arregalei os olhos, minha ambição começou a gritar:

— Falta a borboleta. Não a perca.

Aquele azul contrastando com o branco parecia refletir a luz do sol, aumentando minha ansiedade. Após guardar o curió num pequeno aquário, saí em perseguição daquela raridade azul.

Por incrível que pareça, foi mais difícil do que o passarinho. Fiquei atrás por um bom tempo sacudindo o puçá. Várias tentativas, e eu já cansado estava a ponto de desistir, quando a vi pousar sobre uma flor no jardim. Dei um salto de atleta e a apanhei. Coloquei-a numa pequena caixa de papelão.

Todo vitorioso e já pensando quanto arrecadaria com o sucesso da minha caça, ouvi uma voz de criança entrando pelo portão.

Era minha filha de treze anos retornando da escola. Olá, papai. Foi logo dizendo e me beijou.

Com olhar sorrateiro e todo orgulhoso, disse a ela:

— Veja, minha querida, que tenho duas surpresas para mostrar a você. E ainda ganharemos um bom dinheirinho com elas.

Levei-a à garagem e mostrei minhas conquistas.

Quando ela viu, ficou parada como se não acreditasse.

— Papai, você mesmo que apanhou?

 Olhei de peito estufado para ela, e sorrindo, confirmei.

— Não acredito… Aquele pai que vivia me falando sobre amar a natureza e protegê-la teve coragem de fazer isso?

Desfilou um longo discurso sobre ecologia, que com certeza aprendeu na escola, mostrou até aspectos espirituais e direitos que os animais têm idênticos aos do ser humano.

Fiquei mudo, refletindo sobre o que estava me dizendo, engoli minha ambição desmedida e, porque não dizer ignorante. Como se diz: “caiu a ficha” e dei “a mão à palmatória”. Assumi, perante aquela doce e meiga menina que me olhava com seus olhos da cor de jabuticaba, meu erro.

Depois do perdão concedido por ela, nos sentamos no banco do jardim e entregando a ela agora minha vergonhosa caçada, deixei que soltasse o curió e a borboleta.

Ficamos parados vendo os bichinhos voarem…

Para nossa surpresa o curió foi ao alto da árvore e próximo ao amontoado de borboletas, agora comandado pela azul e branca, cantou como que agradecido àquela menina.

Confesso que senti até um alívio pela lição que aprendi. Não pude deixar de lembrar as imagens de quando criança quando corria nos campos só pelo prazer de achar que brincava com as borboletas…

 

NO JARDIM DA MINHA CASA - Henrique Schnaider




NO JARDIM DA MINHA CASA

Henrique Schnaider

 

Nasci numa casa muito grande, havia espaço, suficiente para que eu brincasse à vontade. Eu brincava principalmente no jardim da casa. Era um jardim extenso que beirava a mureta da frente da edificação, com variados tipos de plantas. Mas, me encantavam, as flores delicadas ou exóticas. Elas pintavam o lugar de diversas cores, exalavam múltiplos perfumes, e agradavam quem passasse. Os manacás dominavam o quintal, as rosas o enfeitavam, os cravos o perfumavam juntamente com a lavanda e madressilva.

Com estas árvores muito bem cuidadas principalmente por minha mãe que tinha um grande amor pelo jardim da nossa casa. Todos os dias ela vinha ao jardim e eu a acompanhava e com amor e carinho regava todas as plantas e enquanto regava, conversava com elas e o que me impressionava era que as plantas reagiam as palavras de minha mãe.

Eu tinha um tio irmão do meu pai, enquanto meu pai era uma pessoa desprendida sem ambições, ele era uma pessoa boa de verdade. Já meu tio era o oposto do meu pai, ambicioso, charlatão, jogador inveterado. Um dia ele veio visitar meu pai e aproveitou para ir ao jardim ver se tinha algo interessante para ganhar alguns trocados.

Caminhando pelas Alamedas floridas, meu tio avistou uma borboleta. A beleza dela concorria com a beleza do sol. Asas azuis e brancas e de tamanho grande. Seu apetite cresceu, ao pensar que se pegasse esta borboleta rara, poderia ganhar um bom dinheiro. 

Viu um puçá e pensou, — vai ser fácil de pegar esta borboleta. Fiquei ali observando para ver no que ia dar, o que meu tio estava fazendo. Nisso ele com o puçá na mão fez um movimento certeiro e caçou a borboleta. Mas ele era muito ambicioso e avistou um passarinho Curió, ficou encantado, pássaro raro e muito valioso, pensando no bolo de dinheiro que ganharia.

Ele foi até a garagem do meu pai e pegou um alçapão, para tentar pegar o curió, tirou os sapatos para não o espantar e apesar do vento conseguiu apanhá-lo. Eu só olhando assombrado com o que meu tio acabava de fazer, já que meus pais e principalmente minha mãe sempre me ensinaram a não fazer este tipo de coisa.

De repente aparece no jardim a minha mãe avistando o meu tio com a borboleta e o curió capturados. Minha mãe ficou furiosa e deu uma tremenda bronca no meu tio e exigiu que ele soltasse os bichinhos de volta para o jardim, já que lá era a moradia deles.

Meu tio baixou as orelhas envergonhado pela bronca recebida dela, que lhe ensinou a ter bons modos e deixar de ser tão ambicioso no que ele prometeu mudar e não ser um mau-caráter ambicioso.

Naquele dia o meu amor e a minha admiração pela minha mãe cresceram muito e aprendi a ser um homem de bons princípios e de muita educação.

Quanto ao meu tio para dizer a verdade não sei se aprendeu a lição, pois depois desse dia ele não apareceu mais lá em casa.

A Borboleta Azul - Adelaide Dittmers

 




A Borboleta Azul

Adelaide Dittmers

 

Borboletas coloridas voejavam pelo jardim banhado pelo sol da manhã.  Aproximei-me da janela para inspirar o ar puro e perfumado das flores.  Na roseira, uma exótica borboleta-azul e preta me chamou a atenção.  Majestosa em suas cores e na forma delicada.

— Não acredito! Gritei. Uma morpho azul! 

“Vale muito dinheiro! ”, pensei.  Há muito tempo catalogava as diversas espécies de borboletas, que apareciam no jardim. E essa era muito rara.

Coloquei na mesa xícara de café, e corri como um foguete até um pequeno depósito, que ficava ao lado da casa. Precisava do puçá.  Caí, ao tropeçar em uma pedra, mas me levantei rápido.  Precisava pegar aquela borboleta.  Não podia perder a oportunidade de vendê-la.

A porta do compartimento estava fechada por uma corrente presa a um cadeado. A chave estava escondida em um pequeno nicho ao lado da porta.  Com a mão trêmula, tentei agarrá-la, que com a minha pressa, caiu no chão. Nervoso, soltei um palavrão. Olhei para a roseira. A borboleta ainda estava lá.  Desajeitadamente, abri a porta.

De jeito nenhum, podia perder o bolo de dinheiro, que essa caça me daria.

Ao tentar alcançar o puçá, inadvertidamente puxei com força um martelo, que atingiu meu pé. Gritei de dor.  Mesmo assim, peguei o puçá e mancando, fui em direção ao meu objetivo, andando bem devagar para não espantá-la. 

Nesse momento, ela voou para um arbusto próximo.  Lentamente, tentei me aproximar, mas estaquei encantado com o canto de um curió, que no galho baixo de uma mangueira.  Estava com sorte, o curió também valia muito dinheiro.

A indecisão tomou conta de mim. O que deveria caçar, a borboleta ou o pássaro?  Distraído, pisei em uma poça de lama, afundando meus sapatos. Livrei-me deles e decidi pegar primeiro o curió.

De repente, uma lufada de vento balançou os galhos da árvore.  Fiquei azul de medo de que o pássaro voasse, mas fui mais rápido do que ele e, zapt, prendi aquele belo espécime.   O curió tentava desesperadamente se livrar de sua minúscula prisão.

Corri até a casa, onde, com muito cuidado, o coloquei em uma velha gaiola, há muito não usada.

Voltei ao jardim.  Tinha que encontrar a borboleta.  As notas de dinheiro voavam em círculo em torno da minha cabeça.

Espantado, vi o filho do empregado, uma criança de sete anos, vindo em minha direção, segurando a cobiçada borboleta pelas asas.

O menino, com um sorriso triunfante, disse:

— O senhor gosta muito de borboletas e esta é linda! Estendeu, então, sua mãozinha para me entregá-la.

Um rubor coloriu meu rosto.  Fiquei com muita vergonha de só considerar ganhar dinheiro, quando o menino só pensou em me deixar feliz com seu presente.

O sol iluminava o jardim com seus raios generosos.  Dentro de mim outro sol aqueceu meu coração e algo no meu íntimo sacudiu minha consciência.

Sorri para a criança:   

— Realmente ela é linda e... merece ser livre.

Soltei-a com cuidado e ela voou soberana, confundindo-se com o azul do céu.

Virei-me e olhei para o pobre curió, encolhido na gaiola com os olhinhos fechados.  Abri a portinhola.  Peguei-o com delicadeza e o soltei.  Bateu as asinhas vigorosamente.  O vento suave o abraçou e o levou...

O menino bateu palmas.

Sentindo a alegria da criança, disse:

— Nada vale mais do que a satisfação de admirar os pequenos seres enfeitarem a natureza. E abaixei a cabeça ao pensar que quase fui vencido pela minha ganância.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

SURPRESA NO CASAMENTO - Helio Fernando Salema

 


SURPRESA NO CASAMENTO

Helio Fernando Salema

 

Numa pequena cidade, um grupo de jovens estava numa festa de igreja, em plena década de trinta do século XX.  Um deles ficou admirando uma menina que ao perceber o interesse do rapaz também ficou estimulada.  Um dos colegas conhecia a família da menina e começou a debochar do rapaz:

— E aí medroso… Só porque ela é a filha do Coronel Pedro, você ficará só olhando de longe?

Augusto pensou seriamente em aproximar-se dela, que no olhar demonstrava interesse recíproco. Respirou fundo, como se recebesse um vento de coragem e foi até Lourdes.


Ela abaixou a cabeça logo ao perceber que ele vinha em sua direção, assim que ele parou, ela ergueu os olhou e seus lábios, com um largo e lindo sorriso, deu-lhe as boas-vindas. Imediatamente começaram a conversar. Pouco depois Lourdes disse que ele precisava ir falar com o pai dela:

— Agora?

— Melhor lá em casa, agora ele está com amigos. Durante a semana falo com ele que você irá procurá-lo.

 

ENCONTRO COM O CORONEL

 

Após trabalhar a semana inteira na fazenda de seus pais, Augusto no sábado à tarde foi até a fazenda do temível coronel. Ao ser recebido, disse que conheceu sua filha Lourdes e que ficou encantado por ela. O coronel após olhá-lo de cima para baixo:

— Conheço sua família…. Aqui em casa não tem namoro. Você quer casar com minha filha?

— Sim! Respondeu o jovem demonstrando convicção.

— Então vou falar com o Padre Francisco para marcar o casamento.

 

Foram semanas de expectativas para ambos os jovens. No dia marcado, pelo Padre, Augusto e familiares foram até a fazenda do coronel.  Assim que o Padre chegou, todos se reuniram aguardando a chegada da noiva.

Augusto leva o maior susto de toda sua vida ao ver que a noiva não era a Lourdes. Olha para o coronel e baixinho:

— Não é esta!

— Aqui! Primeiro casam as mais velhas.

O Padre ao ouvir fica parado e assustado. O coronel com a mão direita sinaliza para dar prosseguimento a cerimônia. Tudo transcorreu na mais absoluta normalidade.

Augusto não viu Lourdes e nem ela presenciou o casamento dele com sua irmã mais velha, Mariana.

Após a cerimônia a noiva trocou de roupa, pegou suas coisas, conforme seu pai ordenou, e seguiu com os familiares, do agora seu marido, para a fazenda do sogro.

Como D. Mariquinha era uma senhora muito frágil e doente, sua filha Mariana era a que mais se preocupava com a situação dela. Poucas semanas após o casamento, Mariana convenceu Augusto da vontade dela de visitar e ver como estava sua mãe. Augusto gostou da ideia e resolveram passar alguns dias na fazenda do Coronel.

Foram dias de aparente tranquilidade. Augusto e o coronel conversaram bastante sobre gado, lavoura e a situação das fazendas da região. O coronel ficou impressionado pelo conhecimento do jovem a respeito daqueles assuntos. Porém, quando o sogro falou de política, o genro ficou em silêncio. Não era assunto que lhe agradava, pois em sua casa não se discutia política nem religião. Seu pai e irmãos gostavam do que produziam e tinham ambições de adquirir outras propriedades.

A partir daí era comum todo mês o casal passar alguns dias na propriedade do coronel. Até que D. Mariquinha faleceu. Poucos meses depois Mariana ficou grávida e assim não ia à fazenda do pai. Com a ausência da esposa e da filha mais velha começou a sentir-se só, já que Lourdes e Lúcia pouco conversavam com o ele. Elas preferiam os assuntos das empregadas.

Então o pai teve uma brilhante ideia. Como a mulher de um dos seus colonos era uma parteira muito experiente e respeitada por todos das fazendas próximas, resolveu sugerir a Mariana e ao Augusto que viessem morar com ele, para ficarem perto da parteira e assim teriam mais tranquilidade quando do nascimento e cuidados da criança. Coisas que na fazenda da família do genro, sua filha não teria.  

Mariana, que sempre concordava com o pai, ficou impressionada com a ideia. Seu marido, a princípio, ficou pensativo tentando entender aonde seu sogro queria chegar com essa sugestão. Além, é claro, da sua própria reação ao rever Lourdes, como também de como ela se comportaria, mas concordava com os argumentos do coronel. Poucos dias depois o casal mudou-se.

 

CORONEL E A POLÍTICA

 

Alguns meses antes da eleição, o Coronel Pedro ficava alguns dias viajando pelas cidades da região em busca de apoio para o seu partido, que havia perdido na última. Contava ele que seu genro conduziria os negócios na fazenda tão bem quanto ele próprio, assim aconteceu.

Sempre que retornava, recebia com surpresa e alegria tudo que Augusto lhe comunicava. Ao contrário do sogro, que era muito severo com as pessoas da casa e funcionários da fazenda, o genro tratava todos com muita educação. Antes de tomar qualquer decisão, gostava de ouvir a opinião daqueles que estavam acostumados a fazer o serviço. Assim foi conquistando a simpatia e confiança de todos.

Quando Mariana começou com as dores do parto, a parteira já estava residindo na casa, por sugestão de Augusto. O parto foi tranquilo, como a própria parteira havia dito, logo nos primeiros dias em que chegou. Assim nasceu um menino robusto, chorão e faminto.

Por sugestão da mãe foi registrado como Pedro Antônio para homenagear os avôs. O pai não se manifestou.

O coronel, que chegou hora depois, viu o neto e ficou encantado. Chegando a dizer que:

— Até que enfim teremos um homem aqui!

Mariana ficou contente por ver seu pai tão feliz… As irmãs nem tanto.

 

SEMANA DA ELEIÇÃO

 

Como era de se esperar, foi uma semana conturbada. O coronel não conseguia dormir e reclamava de dores no peito. Na véspera da eleição, ele e dois correligionários foram alvos de uma emboscada ao retornarem de um comício muito agitado. O coronel levou três tiros no peito e os outros amigos foram atingidos nas pernas. O coronel faleceu no local.  

Dias depois veio a notícia de que o partido do coronel, mais uma vez, perdeu.

Na fazenda foi uma semana de muita tristeza. Mariana, a que mais sentiu a morte do pai, distrai-se com o filho que lhe tomava muito tempo. A medida que o menino ia crescendo diminuía sua aflição.

Augusto, concentrado na administração da fazenda e do pessoal, principalmente com os residentes da casa, pouco se abalou. Depois da missa de trinta dias tomou algumas decisões importantes. Preocupado pelo fato dele, como genro, possuir um terço da propriedade, enquanto as cunhadas, o maior quinhão.

Sugeriu e foi acatado por todas, que o jantar seria servido com a presença dele e das três irmãs. Com isso ele podia, após o jantar, relatar a situação da fazenda, que melhorava a cada dia. O que lhe rendeu, ainda mais, a confiança das cunhadas.

Em poucos meses a fazenda parecia outra. Mais bonita e melhor cuidada em todos os sentidos. Com o resultado financeiro crescendo a cada mês, Augusto comunicou que uma pequena propriedade vizinha estava a venda e que no dia seguinte iria saber dos detalhes.  O que causou uma alegria geral numa noite de muita expectativa das mulheres.

Pouco dias antes de Pedro Antônio completar um ano, Lourdes deu à luz a um menino, cujo nome ela mesma escolheu — AUGUSTO DOS SANTOS FILHO.

 

  

quarta-feira, 17 de maio de 2023

O INCÊNDIO - Adelaide Dittmers

 


O INCÊNDIO

Adelaide Dittmers

 

O dia amanheceu ensolarado. O jornaleiro abriu a banca de jornais, observando a rua, que àquela hora já começava a ter movimento de pessoas, indo para o trabalho.  Algumas entravam na padaria do outro lado da rua para comprar o pão matinal ou tomar café.

Ele gostava de ver a cidade acordar. Há anos tinha a banca ali e conhecia a maioria dos moradores do lugar.

De repente, ouviu um vozerio e se surpreendeu ao ver Tony, um velho conhecido, correr desesperadamente pela rua abaixo.  Rosto sério, distorcido por uma careta, pelo esforço da corrida desenfreada.  Em uma das mãos, uma pasta preta balançava movida pela ação dos movimentos.

Chamou-o assustado:

— Tony! O que aconteceu?

O homem, porém, nem olhou para trás.  Algo muito urgente o impelia naquela corrida insana.

Nesse momento, o jornaleiro percebeu uma pequena multidão, que corria em direção contrária, gritando:

— Fogo, fogo.

Ele olhou então para o outro lado e, com horror, viu grandes labaredas, que exalavam uma nuvem de fumaça preta, que consumiam a parte de trás da casa do homem em fuga.

Correu e juntou-se ao grupo, em que todos falavam ao mesmo tempo, no desespero de saber o que fazer.

O fogo logo se espalhou por toda a casa.  Alguém ligou para os bombeiros.

O jornaleiro aproximou-se e, com grande espanto, viu um vulto, que cambaleando saia da casa coberta por uma cortina de fumaça.

Num gesto impulsivo, sem pensar, arriscando-se, colocou um lenço no rosto e puxou o homem para a rua.  O desconhecido tossia, engasgado pela fumaça e tinha queimaduras nos braços e no rosto.  Uma das pessoas, que ali estava, tirou o paletó e o envolveu para abafar uma pequena chama, que o atingia.  Outro o deitou no asfalto e fez com que rolasse. O resgatado urrava de dor. Alguém trouxe água, que jogou sobre ele.

Uma ambulância foi chamada. A gritaria e a consternação subiam pelos ares, atraindo mais gente.

Algum tempo depois, os bombeiros chegaram trombeteados pelas sirenes altas, que pareciam aumentar ainda mais a gravidade e a urgência de resolver aquele desastre.

O carro parou em frente à casa, que parecia soltar gemidos doloridos e com rapidez começaram a lançar grandes jatos de água.

Um dos bombeiros avaliou as queimaduras do ferido e pediu para as pessoas se afastarem dele. Verificou as batidas cardíacas e tentou acalmá-lo, porque logo chegaria o socorro.  Levantou-se e cumprimentou as pessoas, que deram os primeiros socorros ao homem, de maneira correta.

Uma ambulância apontou na rua com sua sirene estridente, alardeando sua chegada.  Socorristas desceram e fizeram novas avaliações das queimaduras e imediatamente o colocaram no carro.  Com a mesma pressa, partiram em direção ao hospital.

Lentamente, o fogo foi vencido pela força da água. O cheiro do incêndio, porém, permaneceu no ar. As pessoas foram se dispersando, mas todos se perguntavam o que acontecera ali, o que provocou o incêndio.

O jornaleiro voltou à banca.  Seus pensamentos pululavam, querendo compreender o acontecido.  Por que Tony correu sem pedir socorro, quando sua casa ardia?  Quem era o homem, que saiu das chamas?  O que havia naquela pasta?  Sua cabeça parecia ter sido incendiada também.

Tony era um homem calmo, agradável e de boa conversa.  Morava sozinho após se tornar viúvo.  Era muito discreto e nunca falava sobre sua vida particular.  Fazia algumas viagens, que dizia ser de negócios.  Comprara o terreno, onde colocou uma casa pré-fabricada de madeira. E lá vivia há muitos anos. O que havia por trás de tudo isso, perguntava-se o jornaleiro.

Na manhã seguinte, os jornais estampavam a foto do homem, que saíra do incêndio.  Para surpresa de todos, era um político conhecido.  Estava em estado grave, mas estável.

O falatório espocou entre todos.  Não se falava de outra coisa.  Uma vizinha disse que ouviu uma discussão acirrada antes da casa pegar fogo, mas não entendeu o que diziam. O mistério era repleto de pontos de interrogação.  

Alguns dias depois, o jornaleiro abriu sua banca e recebeu os periódicos do dia. Uma manchete na primeira página de um grande e conceituado jornal atraiu sua atenção.

— Não é possível!  Falou alto. O rosto era uma máscara de espanto.

Em letras garrafais estava escrito:  O deputado federal José de Albuquerque, retirado de um incêndio, na quarta-feira passada, está sendo alvo de uma investigação, que o liga a diversos crimes.

Avidamente, ele abriu o jornal na página em que estava detalhada a notícia.

— Meu Deus! Gritou ele, chamando o dono da padaria, com largos acenos.

— Venha aqui ler isto!

O padeiro e várias pessoas, que estavam conversando por ali, correram para a banca, pois o jornaleiro parecia transtornado.

Como esfomeados, engoliram a notícia em poucos minutos.

A investigação sobre o político descobriu vários crimes: desvio de dinheiro público, lavagem de grandes somas, assédio sexual e prevaricação.

O incêndio foi provocado pelo político, que, furioso, queria apagar as provas contra ele ao descobrir que estava sendo investigado por um jornalista.  Desvairado, ligou o gás do fogão, acendeu um fósforo, enquanto agarrava o jornalista, que conseguiu se desvencilhar, sair correndo, pegar a pasta com as provas e fugir dali.

Enquanto isso, a velha casa de madeira se rendeu ao avanço do fogo.

Quem assinava a reportagem era Antonio Silveira, jornalista investigativo.

O grupo se entreolhou abismado. 

Tony, um jornalista investigativo, quem diria.  Por essa razão era tão discreto em seus assuntos de trabalho.  Comentaram, orgulhosos de terem-no como amigo.

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

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