A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quarta-feira, 17 de maio de 2023

O INCÊNDIO - Adelaide Dittmers

 


O INCÊNDIO

Adelaide Dittmers

 

O dia amanheceu ensolarado. O jornaleiro abriu a banca de jornais, observando a rua, que àquela hora já começava a ter movimento de pessoas, indo para o trabalho.  Algumas entravam na padaria do outro lado da rua para comprar o pão matinal ou tomar café.

Ele gostava de ver a cidade acordar. Há anos tinha a banca ali e conhecia a maioria dos moradores do lugar.

De repente, ouviu um vozerio e se surpreendeu ao ver Tony, um velho conhecido, correr desesperadamente pela rua abaixo.  Rosto sério, distorcido por uma careta, pelo esforço da corrida desenfreada.  Em uma das mãos, uma pasta preta balançava movida pela ação dos movimentos.

Chamou-o assustado:

— Tony! O que aconteceu?

O homem, porém, nem olhou para trás.  Algo muito urgente o impelia naquela corrida insana.

Nesse momento, o jornaleiro percebeu uma pequena multidão, que corria em direção contrária, gritando:

— Fogo, fogo.

Ele olhou então para o outro lado e, com horror, viu grandes labaredas, que exalavam uma nuvem de fumaça preta, que consumiam a parte de trás da casa do homem em fuga.

Correu e juntou-se ao grupo, em que todos falavam ao mesmo tempo, no desespero de saber o que fazer.

O fogo logo se espalhou por toda a casa.  Alguém ligou para os bombeiros.

O jornaleiro aproximou-se e, com grande espanto, viu um vulto, que cambaleando saia da casa coberta por uma cortina de fumaça.

Num gesto impulsivo, sem pensar, arriscando-se, colocou um lenço no rosto e puxou o homem para a rua.  O desconhecido tossia, engasgado pela fumaça e tinha queimaduras nos braços e no rosto.  Uma das pessoas, que ali estava, tirou o paletó e o envolveu para abafar uma pequena chama, que o atingia.  Outro o deitou no asfalto e fez com que rolasse. O resgatado urrava de dor. Alguém trouxe água, que jogou sobre ele.

Uma ambulância foi chamada. A gritaria e a consternação subiam pelos ares, atraindo mais gente.

Algum tempo depois, os bombeiros chegaram trombeteados pelas sirenes altas, que pareciam aumentar ainda mais a gravidade e a urgência de resolver aquele desastre.

O carro parou em frente à casa, que parecia soltar gemidos doloridos e com rapidez começaram a lançar grandes jatos de água.

Um dos bombeiros avaliou as queimaduras do ferido e pediu para as pessoas se afastarem dele. Verificou as batidas cardíacas e tentou acalmá-lo, porque logo chegaria o socorro.  Levantou-se e cumprimentou as pessoas, que deram os primeiros socorros ao homem, de maneira correta.

Uma ambulância apontou na rua com sua sirene estridente, alardeando sua chegada.  Socorristas desceram e fizeram novas avaliações das queimaduras e imediatamente o colocaram no carro.  Com a mesma pressa, partiram em direção ao hospital.

Lentamente, o fogo foi vencido pela força da água. O cheiro do incêndio, porém, permaneceu no ar. As pessoas foram se dispersando, mas todos se perguntavam o que acontecera ali, o que provocou o incêndio.

O jornaleiro voltou à banca.  Seus pensamentos pululavam, querendo compreender o acontecido.  Por que Tony correu sem pedir socorro, quando sua casa ardia?  Quem era o homem, que saiu das chamas?  O que havia naquela pasta?  Sua cabeça parecia ter sido incendiada também.

Tony era um homem calmo, agradável e de boa conversa.  Morava sozinho após se tornar viúvo.  Era muito discreto e nunca falava sobre sua vida particular.  Fazia algumas viagens, que dizia ser de negócios.  Comprara o terreno, onde colocou uma casa pré-fabricada de madeira. E lá vivia há muitos anos. O que havia por trás de tudo isso, perguntava-se o jornaleiro.

Na manhã seguinte, os jornais estampavam a foto do homem, que saíra do incêndio.  Para surpresa de todos, era um político conhecido.  Estava em estado grave, mas estável.

O falatório espocou entre todos.  Não se falava de outra coisa.  Uma vizinha disse que ouviu uma discussão acirrada antes da casa pegar fogo, mas não entendeu o que diziam. O mistério era repleto de pontos de interrogação.  

Alguns dias depois, o jornaleiro abriu sua banca e recebeu os periódicos do dia. Uma manchete na primeira página de um grande e conceituado jornal atraiu sua atenção.

— Não é possível!  Falou alto. O rosto era uma máscara de espanto.

Em letras garrafais estava escrito:  O deputado federal José de Albuquerque, retirado de um incêndio, na quarta-feira passada, está sendo alvo de uma investigação, que o liga a diversos crimes.

Avidamente, ele abriu o jornal na página em que estava detalhada a notícia.

— Meu Deus! Gritou ele, chamando o dono da padaria, com largos acenos.

— Venha aqui ler isto!

O padeiro e várias pessoas, que estavam conversando por ali, correram para a banca, pois o jornaleiro parecia transtornado.

Como esfomeados, engoliram a notícia em poucos minutos.

A investigação sobre o político descobriu vários crimes: desvio de dinheiro público, lavagem de grandes somas, assédio sexual e prevaricação.

O incêndio foi provocado pelo político, que, furioso, queria apagar as provas contra ele ao descobrir que estava sendo investigado por um jornalista.  Desvairado, ligou o gás do fogão, acendeu um fósforo, enquanto agarrava o jornalista, que conseguiu se desvencilhar, sair correndo, pegar a pasta com as provas e fugir dali.

Enquanto isso, a velha casa de madeira se rendeu ao avanço do fogo.

Quem assinava a reportagem era Antonio Silveira, jornalista investigativo.

O grupo se entreolhou abismado. 

Tony, um jornalista investigativo, quem diria.  Por essa razão era tão discreto em seus assuntos de trabalho.  Comentaram, orgulhosos de terem-no como amigo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.

A ÚLTIMA CARTA - Helio Fernando Salema

  A ÚLTIMA CARTA Helio Fernando Salema     Ainda sentada em frente ao gerente do Banco, Adélia viu, no seu celular, a mensagem de D. Mercede...