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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Quando tudo desaba - Adelaide Dittmers

 




Quando tudo desaba

Adelaide Dittmers

 

O apito estridente e um estrondo ensurdecedor acordaram o casal na madrugada sem estrelas. Como autômatos levantaram da cama, cambaleando no escuro. Do outro quarto, um choro aterrorizado invadiu o silêncio.  Tropeçando, a jovem mãe foi até a cama da criança, que, agarrada a uma boneca, abraçou-a e pulou para o seu colo.  Shirley tentou acalmá-la, enquanto rapidamente a embrulhou no cobertor.  O marido veio ajudá-la, pegando a menina. O pavor transparecia nos rostos dos dois.  A urgência os impeliu para fora do apartamento.  Descalços e com roupas de dormir, começaram a descer as escadas no meio dos outros moradores.  A correria os esquentara, apesar do frio intenso do inverno londrino.  Um casal de idosos tentava se equilibrar na corrida escada abaixo.  O homem tropeçou e foi amparado por um dos moradores.  Duas crianças, chorando perguntavam sem cessar, por que estavam saindo de casa.  A mãe apenas respondia que precisavam sair e depois explicaria o porquê.

O semblante de cada um era carregado pelo medo e o instinto de salvar a vida.  Os bombardeios na grande cidade eram uma constante fonte de preocupação e desalento, porém era primeira vez, que aquela região estava sendo bombardeada.

Na rua, onde o vento gelado varria o chão com sua força, eles dispararam em direção a um abrigo antiaéreo, que ficava a uns cem metros de distância.  Corriam e olhavam para o céu aterrorizados ao perceber que as bombas caiam cada vez mais perto.

Cansados e sem fôlego, alcançaram o abrigo e se amontoaram no lugar.  Um forte estrondo abalou o lugar e muitos gritos foram ouvidos.  O horror da situação estava estampado em cada um.  Alguns murmuravam orações.  Outros choravam baixinho.   Aquela bomba com certeza atingira suas casas, pensavam angustiados. Muitas crianças pararam de chorar, emudecidas pelo medo que o forte estouro causou em suas tenras vidas.

Shirley e John tentavam disfarçar o terror, que lhes enchia por inteiro e lutavam para acalmar a menina, que se agarrava a eles.

A proximidade uns com os outros abrandava o frio, mas o cheiro do medo empesteava o ambiente.  A cada bomba que caia, agarravam-se mais uns aos outros, como se unidos, pudessem vencer a tragédia que lhes estava acontecendo.

Depois de algum tempo, que lhes pareceu uma eternidade, o barulho do bombardeio foi ficando distante e cessou.   Um pesado silêncio invadiu o lugar.  As pessoas ficaram estáticas, paralisadas pelo estupor que as tomara.

Aos poucos, começaram a se movimentar e a se levantar do chão muito devagar, como se estivessem carregando um peso enorme em suas costas. Lentamente, foram saindo do abrigo.  A desesperança e a angústia estampada nos olhares. 

Vários gritos de desespero e choros incontidos chacoalharam aquela pobre gente ao ver a destruição à sua volta.  Diante de seus olhos, parte dos prédios, que não resistiram ao ataque, obstruíram a rua, cheia de restos das construções, que foram seus lares.

Shirley e John se entreolharam.  O frio penetrou neles, não só no corpo, mas na alma.  O que seria deles? O que seria da pequena aninhada entre os dois.  Quase morreram.  Tinham perdido tudo. Não precisaram falar.  Todas essas indagações foram trocadas apenas pelo olhar perdido que trocaram.

Nesse momento, sons de sirenes foram ouvidos.  Ambulâncias chegavam ao local.  Primeiro atenderam idosos e pais com crianças.  O casal e a filha entraram em uma delas e foram levados a um hospital.  Lá foram aquecidos por grossas mantas para evitar uma hipotermia.  Depois de examinados, foram encaminhados para um grande galpão, onde ficariam até que pudessem resolver como tocar a vida.

Dois dias depois, John e Shirley, munidos de muita coragem, foram até o lugar em que viveram.  Metade do prédio jazia mutilada no chão.  Bombeiros trabalhavam para retirar destroços da rua.

John baixou a cabeça, balançando-a de um lado para o outro. Um profundo e trêmulo suspiro irrompeu do mais íntimo do seu ser. Sentiu-se destruído, como a construção à sua frente. Shirley apertou o braço do marido, para lhe dar e receber força e o choro a sacudiu, como o vento sacode as folhas de uma árvore. O marido passou a mão pela cabeça dela, tentando consolá-la e a consolar a si mesmo.

Endireitando o corpo se dirigiu a um bombeiro e lhe perguntou o que fariam com o prédio.

— Temos que demolir. Há perigo de desabamento.

O rapaz franziu a testa e apertou os lábios. Parte da sua vida iria desabar também.  Com a voz embargada pela emoção, perguntou-lhe se poderia subir pelos escombros para pelo menos procurar os documentos da família.  Um sonoro não foi a resposta.  Era perigoso.  O bombeiro, no entanto, percebendo a tristeza e a impotência do casal diante daquela desgraça, compadeceu-se deles e se ofereceu para subir e tentar achar os documentos.

— Vai ser perigoso para você também.  Argumentou John.

— É perigoso, sim, mas somos treinados para enfrentar situações de risco.  Só me diga, onde provavelmente poderei achá-los.  Estão na parte do prédio que resistiu à bomba?

— Sim.  Nosso quarto está de pé. Dá para enxergar daqui.  Os documentos estavam em uma pasta azul, em cima da escrivaninha, no quarto. 

O bombeiro avisou os companheiros e foi subindo pelo que restava das escadas.  Meia hora depois, coberto pelo pó, apareceu no pé da escadaria.  Na mão uma pasta azul, que levantou como um troféu e um sorriso de vitória.

Shirley e John correram em sua direção e o abraçaram agradecidos.  Tinham perdido tudo, mas pelo menos tinham nome e sobrenome no meio da bárbara guerra.

John, então, levou o olhar para a mulher e disse com voz baixa, mas firme.

— Tudo que tínhamos está perdido, mas temos um ao outro e nossa filhinha. Temos que seguir em frente.  Um dia esse pesadelo vai acabar.  Vamos buscar Suzy e sair de Londres.  Seus pais moram no País de Gales. Vamos tentar chegar lá e de lá partiremos para a Irlanda, que é um país neutro.  Sei, por amigos, que há barcos que transportam pessoas que querem sair da Inglaterra.  Vamos conseguir, tenho certeza.

Shirley levantou os olhos tristes para o marido, concordando debilmente com a cabeça;

Buscaram a pequena Suzy, que ficou com uma amiga e foram para a estação.  Tinham conseguido uma quantia em dinheiro, que os ajudaria a fazer a longa viagem.

Na estação muitas pessoas tentavam sair da cidade.  Conseguiram com muita dificuldade, depois de horas de espera, uma passagem para uma cidade fronteiriça ao País de Gales. Lá embarcariam em outro trem para chegar à casa dos pais de Shirley e preparar a saída da Inglaterra.

Da janela do trem viram a cidade ir se distanciando. Parte da vida deles tinha ficado lá sob os destroços.  Eram jovens, poderiam reconstruir uma nova vida.  Foi nesse momento, que com um sorriso desconsertado e com os olhos iluminados por duas lágrimas, Shirley lhe contou que estava grávida.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Vanessa Proteu

 


Poesia de Vanessa Proteu

 Foi criado inspirado no relógio da Basílica de Aparecida do Norte





E, abaixo um interessante conto onde o rio está personificado:

UM RIO DE LIÇÕES






segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

CONTOS PARA SEMPRE - ANTOLOGIA ICAL 2022 - LANÇAMENTO 10-DEZEMBRO-22

 



Contos para Sempre


Contos para sempre

UMA EXPIRIÊNCIA MAIÚSCULA

 

Por: Ana Maruggi

Coordenadora da Oficina de Textos Criativos

 

 

A Oficina de textos criativos do ICAL existe desde 2009, e no decorrer dos anos os participantes foram deixando marcas literárias pelo caminho. Os rastros em páginas e páginas de livros editados:  livros infantis, livros de contos, memorialista e de culinária afetiva. Além disso, a Revista Eixo Cultural que trouxe muitos textos de alunos e de outros simpatizantes da ONG.

Hoje temos mais um resultado de boas escritas, a coletânea CONTOS PARA SEMPRE, uma antologia que já causa interesse quando se depara com a capa que traz a belíssima obra “Moça com livro” – Óleo sobre tela - do artista plástico brasileiro José Ferraz de Almeida Júnior, e que guarda entre as tantas páginas, 42 textos que discorrem por temas diversos:  contos de ficção que narram histórias de suspense, outros falam de amor, há poesia, há memórias...

Os autores vindos dos mais diversos campos de atuação, hoje se dedicam à criação de histórias. A maioria destes escritores tem nesta antologia, sua primeira publicação. Essa incomparável viagem que aguçou o apetite criativo deles, agora provoca o deleite de leitores como você. Esta obra é a experiência maiúscula de pessoas que tomaram para si a “responsabilidade” de criar histórias carregadas de valores vindos, são escritores com bagagem cultural elevada e invejável autoestima.

Eu, como coordenadora literária deste grupo, sugiro que siga a leitura na ordem de publicação, assim poderá perceber o estilo de cada um. 

Sumário

 

Adelaide Barrozo Dittmers

A escolha .............................................................. 13

A oportunidade ..................................................... 39

A transformação..................................................... 45

O olhar de uma avó ............................................... 51

Sou ......................................................................... 53

 

Alberto Landi

Clark, o capitão...................................................... 57

Freddy ................................................................... 63

 

Ana Catarina Sant’Anna Maués

O dejejum ............................................................... 71

O sonho de uma árvore............................................ 75

 

Claudionor Dias da Costa

A roda da vida ......................................................... 81

O soldado que não queria matar ............................. 95

 

Dinah Choichit

O vizinho falante .................................................... 105

Saudades ................................................................. 107

 

Hélio Fernando Salema

É a vida… ................................................................ 113

Esconde-esconde..................................................... 115

O caminhoneiro........................................................ 121

O último pileque....................................................... 135

Pássaros na gaiola..................................................... 153

 

Henrique Schnaider

João Lorota................................................................ .. 165

O violino mágico.......................................................... 171

Twist o touro campeão ............................................... 177

Um trem com alma...................................................... 181

 

Hirtis Lazarin

Cinquenta anos depois ............................................... 189

Feitiços da lua............................................................. 195

Foi por um triz ........................................................... 201

Inevitável..................................................................... 207

Lamento....................................................................... 211

 

Leon Alfonsín Vagliengo

A vingança do computador......................................... 215

Êxtase ......................................................................... 223

Matheus, o surfista .................................................... 225

O desencontro de Arminda Rosa e João Gaspar......... 229

O vigário e seu amigo vigarista ................................. 233

Vingança no Oregon — 1869....................................... 243

 

Maria do Carmo

Serei eu o herói de minha própria história

ou qual[1]quer outro tomará esse lugar ....................... 255

 

Morgana Cruz

Além do seu tempo...................................................... 263

Histórias de uma vida ................................................. 267

Lugar secreto .............................................................. 269

Presente inesperado ................................................... 271

 

Suzana da Cunha Lima

A Boa Nova.................................................................. 275

Conversa na hora de dormir....................................... 281

O engodo ................................................................... 287

Prólogo ...................................................................... 293




Contos para Sempre


No dia 10 de dezembro de 2022 fizemos o lançamento da antologia Contos para Sempre, cuja, nos deu muito prazer  publicar.

Estiveram presentes os autores e seus familiares. Foi uma honra conhecê-los, e sentir que fazemos parte da história de cada um.


Na mesma data comemoramos os aniversários da Dinah Choichit e do Claudionor Dias da Costa.

Parabéns aos aniversariantes!


Abaixo temos algumas fotos enviadas pelos participantes.


Foco na escrita, pois em 2023 temos novos projetos literários e vocês fazem parte deles.


Feliz Ano Novo!







































































































quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Um olhar ao redor - Adelaide Dittmers

 


Um olhar ao redor

Adelaide Dittmers

 

Olho em volta e estremeço.  Uma sala branca, cujas paredes estão forradas de coroas de flores. Estou em um velório.  De quem será? Não me lembro de ter recebido a notícia da morte de alguém conhecido.

Tento me mexer, mas não posso. Minhas pernas e braços estão imóveis.  Meu Deus! Estou preso a um caixão.  Quero levantar e não consigo.  Percebo que meus olhos estão fechados, mas estou vendo tudo ao meu redor.  Estou morto?  Meu corpo se arrepia todo, mas morto não pode se arrepiar.

Meus olhos, ou sei lá o que estou usando para enxergar, divisam muitas pessoas no lugar.

Minha mulher está abraçada ao meu filho e os dois soluçam.  A tristeza me invade e sinto-me impotente diante dessa cena.

Um grupo de amigos conversa a um canto.  Parecem discutir sobre algo, política ou negócios. Não ouço o que dizem.  Falam em voz baixa.

Não acredito! Dona Maricota também está aqui.  Como sempre não pára de tagarelar. Ah não! Está se aproximando de mim com uma vizinha.  O olhar compungido tem uma sobra de sarcasmo. ¨Era um homem forte.  Como foi morrer assim de repente! Sabe, aqui entre nós, dizem por aí que era um mulherengo e traía dona Clara, descaradamente¨.

Miserável! Veio ao meu velório só para fofocar e falar mal de mim.  Se eu pudesse a expulsava daqui. Se estivesse vivo, estaria vermelho de raiva.

O Rafael acabou de entrar.  Cara de pau! Me deve um dinheirão e não atendeu mais aos meus telefonemas.  O rosto coberto de uma dor, que com certeza não sente.

O que o Leo está fazendo?  Abraçando Clara de um jeito suspeito e parece comê-la com os olhos.  Nem esfriei ainda...Meu melhor amigo! É difícil acreditar em tanta falsidade!

Ouço sons de risadas, que vêm de fora.  O grupo das piadas!  Não respeita o sofrimento alheio. Porém, tenho que admitir, participei disso muitas vezes.

Que surpresa! É a Gracinha chegando perto de mim! Linda, elegante e discreta.  Vivi grandes momentos com ela.  Seu rosto espelha uma grande tristeza e lentamente deposita uma rosa vermelha em meu peito.  Coloca a mão em cima das minhas, fecha os olhos e deve estar fazendo uma oração.  Discretamente afasta-se e sai, mas o rastro de seu perfume permanece como um bálsamo.

Fito Clara, que está recebendo vários abraços de condolências.  Graças a Deus não viu Gracinha.

Um padre aparece a começam as orações.  Todos baixam a cabeça para acompanhá-las.  Será que estão rezando por mim? Duvido.  Muitos devem estar pensando no que vão fazer depois.

Neste momento, resolvo me entregar a Deus e ao que vier. Estou só, como nunca estive.  Saímos deste mundo completamente sozinhos.  Não importa quantas pessoas estejam a nossa volta. Felizmente vivi plenamente. Não me arrependo de nada.  Aceito meu desenlace como aceitei a vida.

 

 

O homem da gaita - Adelaide Dittmers

 



O homem da gaita

Adelaide Dittmers

 

 

Passou por mim um homem,

Gaita na boca,

Tocando indiferente,

Imerso na melodia.

 

Gorro colorido, cabelos compridos,

Passou por mim,

Sua música e ele,

No seu mundo.

 

Nada via ao seu redor,

O homem e sua gaita,

Ele e sua música 

Passaram por mim.

 

A tarde de céu azul,

A calçada florida,

Mesclavam-se ao homem,

Eram parte dele e sua gaita,

 

Passou por mim um homem,

Tocando indiferente,

Passou rápido pela minha vida,

Não passei pela dele.

A PILHA - Leon A. Vagliengo

 

 


A PILHA

Incluindo a esperança de Liberdade, ainda que tardia.

Leon Alfonsin Vagliengo

       

Olho em volta de mim, tentando descobrir algo que me inspire para escrever uma boa história. Estou em meu pequeno escritório, onde se encontram muitos objetos apropriados para o local, como canetas, lápis, réguas, computador, livros, impressora etc., mas nada disso me parece sugestivo para a elaboração de algum texto interessante. Minha imaginação é uma noite escura, nenhuma ideia a ilumina.

        Finalmente, uma porta se abriu deixando entrar a luz do pensamento, quando meu olhar pousou sobre uma enorme pilha de papéis. Nela, documentos bem recentes, amontoados sobre outros, antigos, alguns até muito antigos, concorrem para produzir em mim um desalento crônico, uma impressão desagradável de que nunca me libertarei de seu jugo cruel. Encontrei a minha estrada, passo a percorrê-la.

        Alguns desses documentos representam pagamentos inadiáveis, exigindo total prioridade; são processados assim que chegam e imediatamente mudam de categoria, juntando-se a outros porque trazem informações para registros contábeis e elaboração de relatórios. Os piores, porém, são aqueles que representam problemas que precisam ser solucionados, mas parecem não ter solução. Estes ficam, ficam... e ficam.

Entre esses papéis, existe até uma folha com vinte selos postais, que deverão ser utilizados para o envio de cartas pessoais que não consegui tempo para escrever. Seriam várias, não escrevi nenhuma até agora. Um dia ainda as escreverei, e farão parte de um interessante e simpático treino de redação idealizado pela professora de escrita literária, com a utilização de um recurso que hoje já se tornou arcaico, mas assume, neste contexto, uma conotação saudosista quase poética.

Ah! A escrita literária!

Que vontade de retomar e completar cada um dos rascunhos de histórias que tenho acumulados em arquivos de meu computador! Ou, de escrever todos os textos semanais recomendados nas aulas! Mas não tem sido possível, o tempo é escasso, as preocupações rotineiras desviam os meus pensamentos, muitas vezes escravizam o meu cérebro.

Apesar de tudo, ainda tenho encontrado algum tempo para o prazer de escrever alguns textos. Não consigo fazer muitos, mas não desisto. Sempre sai algum, e assim vou levando.

        Porém, a grande pilha, simbolizando tantos afazeres de que não consigo dar conta, continua sempre lá, impiedosa e ostensivamente, para que eu a veja todos os dias.

No início, constatar o seu contínuo crescimento me desesperava. Com o passar do tempo, porém, a habitualidade em vê-la foi criando em mim uma espécie de calo mental, fui desenvolvendo naturalmente defesas psicológicas que me permitem, hoje, conviver tranquilamente com as suas pendências, sem mais pesar em minha consciência o fato de não conseguir extingui-la.

        Muitas vezes penso nisso e fico com a sensação de que me tornei um sem-vergonha.

OBJETO COMPANHIA - Hélio Fernando Salema

 


OBJETO COMPANHIA

Helio Fernando Salema

 

Minha garrafa d’água tem sido minha companheira há muitos anos, desde que a recebi de presente do meu filho. Inicialmente era usada nas viagens de carro, principalmente no verão. O conteúdo permanecia gelado durante todo o trajeto, o que facilitava a minha hidratação sem necessidade de parar o veículo e, melhor ainda, não ingerir água sem saber a procedência. Embora eu já não costumava adquirir em qualquer comércio, pois sempre ficava em dúvida não só a respeito da origem como também da qualidade.

 

Em casa, ela é figura permanente na minha mesa, faz parte do meu dia a dia, sempre olhando para mim e lembrando-me de que ela tem um presente necessário e agradável para me satisfazer.

 

Nos dias quentes, abastece-me de água gelada ou água de coco enquanto assisto ao futebol pela TV. Também quando estou na varanda apreciando a bela paisagem e o céu que muito me encanta. Às vezes, chegou a acreditar que ela também se encanta como eu.

 

Nas noites frias é ela que ajuda no aquecimento do meu corpo com chá quente preservado durante toda a madrugada, mostrando sua resistência a oscilação da temperatura, o que me da uma tremenda força para encarar os rigores do inverno.

 

Quando saboreio o seu conteúdo o som que ouço parece me dizer:

—“Guardei com carinho só para você “

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...