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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Um olhar ao redor - Adelaide Dittmers

 


Um olhar ao redor

Adelaide Dittmers

 

Olho em volta e estremeço.  Uma sala branca, cujas paredes estão forradas de coroas de flores. Estou em um velório.  De quem será? Não me lembro de ter recebido a notícia da morte de alguém conhecido.

Tento me mexer, mas não posso. Minhas pernas e braços estão imóveis.  Meu Deus! Estou preso a um caixão.  Quero levantar e não consigo.  Percebo que meus olhos estão fechados, mas estou vendo tudo ao meu redor.  Estou morto?  Meu corpo se arrepia todo, mas morto não pode se arrepiar.

Meus olhos, ou sei lá o que estou usando para enxergar, divisam muitas pessoas no lugar.

Minha mulher está abraçada ao meu filho e os dois soluçam.  A tristeza me invade e sinto-me impotente diante dessa cena.

Um grupo de amigos conversa a um canto.  Parecem discutir sobre algo, política ou negócios. Não ouço o que dizem.  Falam em voz baixa.

Não acredito! Dona Maricota também está aqui.  Como sempre não pára de tagarelar. Ah não! Está se aproximando de mim com uma vizinha.  O olhar compungido tem uma sobra de sarcasmo. ¨Era um homem forte.  Como foi morrer assim de repente! Sabe, aqui entre nós, dizem por aí que era um mulherengo e traía dona Clara, descaradamente¨.

Miserável! Veio ao meu velório só para fofocar e falar mal de mim.  Se eu pudesse a expulsava daqui. Se estivesse vivo, estaria vermelho de raiva.

O Rafael acabou de entrar.  Cara de pau! Me deve um dinheirão e não atendeu mais aos meus telefonemas.  O rosto coberto de uma dor, que com certeza não sente.

O que o Leo está fazendo?  Abraçando Clara de um jeito suspeito e parece comê-la com os olhos.  Nem esfriei ainda...Meu melhor amigo! É difícil acreditar em tanta falsidade!

Ouço sons de risadas, que vêm de fora.  O grupo das piadas!  Não respeita o sofrimento alheio. Porém, tenho que admitir, participei disso muitas vezes.

Que surpresa! É a Gracinha chegando perto de mim! Linda, elegante e discreta.  Vivi grandes momentos com ela.  Seu rosto espelha uma grande tristeza e lentamente deposita uma rosa vermelha em meu peito.  Coloca a mão em cima das minhas, fecha os olhos e deve estar fazendo uma oração.  Discretamente afasta-se e sai, mas o rastro de seu perfume permanece como um bálsamo.

Fito Clara, que está recebendo vários abraços de condolências.  Graças a Deus não viu Gracinha.

Um padre aparece a começam as orações.  Todos baixam a cabeça para acompanhá-las.  Será que estão rezando por mim? Duvido.  Muitos devem estar pensando no que vão fazer depois.

Neste momento, resolvo me entregar a Deus e ao que vier. Estou só, como nunca estive.  Saímos deste mundo completamente sozinhos.  Não importa quantas pessoas estejam a nossa volta. Felizmente vivi plenamente. Não me arrependo de nada.  Aceito meu desenlace como aceitei a vida.

 

 

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